Páginas

sábado, 2 de novembro de 2013

TERIA SIDO MELHOR

Dia um de novembro, antes de ir dar o almoço a minha mãe, fui comprar o meu, ao Piu-Piu. A dona Maria cortava qualquer coisa na sala contígua à loja “bom dia. Mas o que é isso que está a fazer em vez de vir cuidar de mim?” –perguntei brincando, porque gosto de arreliar a dona Maria. “E a senhora que não refilasse. Bom dia. Ora diga lá” “Lá”- respondi a rir. “O que deseja?” – perguntou a dona Maria. Escolhi o que pretendia almoçar e jantar nesse dia, porque meia dose chega perfeitamente para duas refeições a quem, como eu, não é grande garfo, paguei os três euros e meio e já me vinha embora quando me ofereceu uma broinha doce “não quer bolinho?” Aceitei e saí.

Gulosa, com a desculpa de que ainda faltava muito para o meu almoço, resolvi comer a pequena broa. Surpresa! Tinha um sabor próximo das que costumo confecionar. E sem saber como, ali estava eu e a Clara no carro da Zinda, já de regresso da escola da Ortigosa, por altura da Ponte da Pedra, “Para! Para!” gritava eu sentada no banco de trás e a Zinda atarantada “mas paro porquê?” “porque vais virar para a esquerda” e ela cada vez percebia menos e a Clara também não percebia nada… “Vamos comprar um feixe de lenha e vamos amassar o bolinho para casa da dona Cipriana. Elas sabiam lá quem era a dona Cipriana…

Comprámos a lenha e depois na Sismaria, todos os ingredientes necessários. 

A Clara foi buscar as filha ao Castelinho e o meu pai as minhas ao Pinóquio, os respetivos Jardins de Infância que as crianças frequentavam. 

A dona Cipriana, amiga de minha mãe, gostava de mim e de há muito se habituara a aturar-me os “de repente” nas brincadeiras de infância com o filho que perdera há alguns anos, disponibilizou-se de imediato para nos ensinar a amassar as broas e foi o senhor Alberto, o marido, que, depois de chegar da Junta Nacional do Vinho, onde trabalhava, nos serviu de padeiro, no forno que mandara construir na divisão contigua à cozinha. Foi um resto de tarde alegre, divertidíssimo, para todos nós. Lanchámos, dividimos as broas, limpámos o que havíamos sujado e regressamos a casa felizes com as broinhas dos santos.

E ali esta eu, junto à churrasqueira Piu-Piu, a caminho do carro, muito mais de trinta anos após, com uma broa meia mordida na mão, cheia de saudades de mim, da minha força arrebatadora, da minha alegria de viver, frágil, sem saber se já perdi a força, se se desvaneceu a alegria, mas sobretudo doente de medo por não saber se já não tenho mais nada para provar a mim mesma, se já não sou capaz de provar mais nada e à beira de me quebrar.

Teria sido melhor não aceitar a broinha.