Fui ontem ao teatro ver a que é tida como a última
representação de Eunice Muñoz e em simultâneo a passagem de testemunho à neta
Lidia Muñoz, na peça “A Margem do Tempo”, de Franz Xaver Kroetz, com encenação
de Sérgio Moura Afonso.
Expectante, questionava-me como estaria Eunice em palco, aos noventa
e dois anos de idade. Quanto à neta, que vira já a contracenar com ela, no
Teatro Experimental de Cascais, para aí há uma dezena de anos, admitia ter
aprendido bem, com tal mestra, ao longo do tempo.
Silêncio, depois quebrado pela música do maestro Nuno Feist,
e Eunice entra em palco, executando as rotinas de uma mulher só, num habitual
fim de tarde. Sem palavras, falava a música, senti a solidão da velhice logo à
sacudidela da imaginada mancha de pó, da manga do casaco que despira, depois no
olhar que se alonga pela janela que entreabriu, não para ver a paisagem, mas
para se centrar em si, como tantas vezes me acontece.
A neta entra em cena sacudindo a mesma mancha imaginária, repetindo
os mesmos gestos e entre ambas vão executando as tarefas, até à exaustão
repetidas, de alguém que chega a casa antes de jantar, prepara a refeição e
organiza o dia seguinte, enquanto a juventude vai morrendo ou melhor, se vai
suicidando aos poucos, na perspetiva de dias sempre iguais.
Vi em cena duas atrizes encarnando uma só personagem em momentos
diferentes da vida, o que numa perspetiva cénica, achei fabuloso, mas vi também
as rotinas perpetuarem-se ao longo dos anos, vi os dias repetidos a papel
químico.
Tentando convencer-me, repetia-me mentalmente que as rotinas
nos fazem felizes, mas por outro lado sentia que a segurança que oferecem é falaciosa
e torna a vida tão triste e solitária.
“O que a vida tem para oferecer a uma mulher só?” lembrei a questão
lida numa qualquer apresentação do espetáculo e garanti-me que a questão não é
essa, mas sim “Que hipóteses tem uma mulher de fazer diferente?” que, bem vistas
as coisas, só altera o sujeito da ação.
Eunice incomodou-me, mas o aplauso vai para o maestro Nuno
Feist, que falou e gritou de desespero.