Hoje, almocei na Tasca da
Gracinda. Fui despedir-me das sardinhas assadas, que a época em que sabem bem está
quase ida. Sábado passado fora o dia escolhido pelos amigos para o efeito, só
que nesse dia eu não pude comparecer. Tive outro almoço em que se celebrava a
amizade de dois anos de curso, vividos entre estudo e falta dele, aflições e
brincadeiras, na Escola do Magistério Primário de Leiria, já lá vão quarenta e
sete anos… Não tive coragem de pedir aos amigos que adiassem as sardinhas para
outro sábado. Sim, só há sardinhas ao sábado ou à terça, nos dias de mercado.
Cheguei cedo. Antes telefonara a
confirmar o menu do almoço. Sentei-me sossegada num dos cantos e esperei
pacientemente pelas sardinhas a que uma sopa de feijão com nabiças roubaria
metade da vontade de saborear.
Ele chegou e cumprimentou os
amigos, que lhe ofereceram lugar na mesa que ocupavam do outro lado da sala.
Embora o espaço seja exíguo, só reparei porque aquele homem, muitos anos de
leis e barra de tribunal (imaginei eu) chegara num gesto tão largo e tão sonoro
que seria impossível passar despercebido. Não aceitou partilhar aquela mesa “não
vale a pena ficarmos todos mal sentados” – ouvi, já desligada da cena que não
chegara a interessar-me, mergulhada de novo nas sardinhas…
“Posso ocupar este lugar na sua
mesa?” O cavalheiro acabara de me cair no prato… “Com certeza! Queira sentar-se”
– retorqui. “As sardinhas estão boas?” “Ofereço-lhe a que está na travessa,
para que possa avaliar” - que não, que viriam outras para si… “Como explicar a
este homem que estou a brincar aos caranguejos?” – perguntei aos imaginados
botões da camisa que não vestia. Em pequena escondia-me no quarto escuro, com a
cabeça de fora, sonhando as formas das coisas que lá se arrumavam, depois
habituei-me a mergulhar em mim, olhando a vida e ouvindo-a, não como ela é, mas
como gostaria que fosse. (Agora que estou cronicando, reparo que fui uma
criança estranha de que resultou uma adulta meio esquisita…)
Não sei como, ouvi-nos a falar do
bacalhau de que a sua amiga finlandesa não gostava “e eu com isso?” (“frase
idiomática” com que no vocabulário familiar dizemos que o assunto não
interessa) - pensei, não disse… e lá fui respondendo e sorrindo à conversa de
ocasião. A minha mãe, se visse, orgulhar-se-ia… Tão educadinha e simpática, que
a sua filha estava a ser…
Afinal não havia mais sardinhas. “Fez
mal por não ter saboreado a que lhe ofereci! A sardinha havia voltado para trás
na travessa.
O senhor escolheu outro prato e
eu, que acabara de almoçar, saí depois de lhe desejar uma excelente tarde.
A caminho do carro arrumado morro
de São Gabriel acima, confirmei-me mergulhada noutra etapa da existência. Passara
tantos anos entre angústias e medos de errar, vencendo desafios constantes muitas vezes a
fazer o que não sabia naquela filosofia do que “se não sei aprendo”, que agora só o
que me traz paz me dá felicidade. Homens como aquele nunca seriam bom tempero
para as minhas sardinhas.
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