Tinham acabado de me sangrar o
braço para as análises anuais que habitualmente faço em setembro e que este ano
foram adiadas para outubro. O tempo passa cada vez mais depressa e eu sem vontade
de lhe acompanhar a passada vou aprendendo a procrastinar, como diria o meu
querido e saudoso amigo C. P. que foi capaz de procrastinar tudo, menos a
morte. Como ele adorava esta palavra! Procrastinar! Que verbo! – brincava eu – só
pela trabalheira que dá a conjugar, mais vale não adiar nada.
O casal chegou sorridente, não
eram novos, mas o sorriso contradizia a idade que, tenho a certeza, o Cartão de
Cidadão teima em lembrar. Indecisos olharam as mesas, acabando por se decidirem
por uma situada na esplanada. Não admira, a madrugada acordou meio friorenta,
mas o sol brilha já animado e disposto a aquecer quem, por volta destas dez
horas e trinta da manhã, se permite ao luxo de parar o tempo e sentar-se.
A senhora lê o relatório dos
exames que terá ido buscar à Cedile e o senhor espreita com um sorriso de
gaiato a informação do topo da caixa dos sapatos, que o saco de plástico garante
terem sido comprados na sapataria Guimarães. Ela guarda os relatórios. Deve
estar tudo bem, não se alterou o ar de felicidade do seu rosto. Ele chama-lhe a
atenção para qualquer pormenor. Ela debruça-se sobre o saco de plástico,
espreita e lê o que ele lhe sugere. Sorri. Trocam impressões. Voltam a sorrir.
Bebem o café. Ele come um bolo, enquanto ela fuma um cigarro e vão rindo e conversando.
Pagam e partem ainda conversando de nada e rindo de coisa nenhuma, ou será ao
contrário?
É o outono da vida acontecendo no
outono do tempo.
No “Aldeia dos Sabores”, com o
paladar dividido entre um copo de leite morno e meia torrada do melhor pão da
Praça, dou comigo a pensar que só o senhor Marques fala inverno o ano inteiro.
Alguém terá dito que um poeta não se emenda nem se corrige mas... as melhores torradas são mesmo as do café Tenda.
ResponderEliminar:)
Penso que já terá provado as torradas de pão da casa, feitas no "Aldeia dos Sabores"... Se todos gostássemos de amarelo, que tristes ficariam as outras cores!!! :)
ResponderEliminarEssa foi forte, tocou-me logo no ponto fraco. Bem sei que sou daltónico mas no paladar... aí sou apuradíssimo.
ResponderEliminar:)
Quisera eu ser daltónica assim!
ResponderEliminarNinguém lhe falou em desabono da modéstia em excesso? Com a sua bonita Mostra de Pintura a decorrer, onde a cor prima e nos alegra, vem falar-me em daltonismo? Não vi lá nada cinzento ou mal conjugado.
Essa conversa não será uma forma de se encolher debaixo do vão das escadas? Então saia lá daí, se faz favor e endireite a coluna.