Espreitou por entre os vidros daquela janela larga… A chuva
caía. Abundante, na tarde cinzenta, lavava tudo. “As plantas agradecem” –
pensou. Fosse menina e escapar-se-ia aos cuidados da mãe para também ela se
lavar, lavar a alma celebrando a chuva, no jardim. Só que então nem sabia que
tinha alma e agora não tem jardim.
As flores avulsas da varanda tremelicavam ao impacto das grossas gotas. Apeteceu-lhe movimento. Gosta da chuva. E então?! Há quem diga que tem mau gosto, mas ela sorri e responde resignada que há gostos para tudo.
As flores avulsas da varanda tremelicavam ao impacto das grossas gotas. Apeteceu-lhe movimento. Gosta da chuva. E então?! Há quem diga que tem mau gosto, mas ela sorri e responde resignada que há gostos para tudo.
Atravessou a casa e espreitou por outra janela a buganvília
da vizinha no abraço bravio da ipomeia. Numa ponta do quintal, virada à rua, a
nespereira sorriu no amarelo vibrante de seus frutos. Ela lembrou-se da
velhota, que numa manhã de sol, puxava com o guarda-chuva as braças da árvore e
se abastecia de nêsperas. “Fora hoje e já as levava lavadinhas, prontas a comer.”
Sorriu. Nesse dia tivera pena da velhota e apetecera-lhe levá-la ao
supermercado, mas ela sabia que não poderia oferecer-lhe nêsperas mais
saborosas que aquelas que ela acabara de subtrair sorrateiramente à nespereira
da vizinha.
Lembrou-se que também ela tinha nêsperas em casa, oferta de
um amigo. “Hei-de semear um caroço, no vaso, para ver se cresce.” É assim com
tudo, “para ver se cresce”, com os afetos como com as plantas, mas quantas
vezes a terra do vaso é mais fértil que a bondade das almas…
Disposta a sair, vestiu um casaco e desceu as escadas.
Enfiou-se no carro e partiu. Onde ia? Ia à chuva…
A musicalidade da água coloria a tarde parda. Ela conduzia
devagar… Seguia para lugar nenhum. Lugar nenhum era o abraço que não tinha: “por
mais que caminhe não sei como chegar à ausência” e conduzia estrada fora
inebriando-se de verde, de um verde fresco, lavado do pó dos caminhos.
Parou frente ao mar a ver chover. Na beatitude da tarde, embalada pela chuva, aconchegada pelo oceano, adormeceu…
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