Ela chegou no dia vinte quatro
cerca das dezassete horas e trinta minutos. Bem-disposta nem se deu ao trabalho
de abrir a porta. Tocou e esperou que lha abrisse. Voltei em corrida para o
tacho do arroz doce que continuava ao lume e precisava de ser mexido
constantemente para não pegar.
“Ouvi dizer que hoje, há aqui um
jantar muito bom.” Olhei-a sem entender, tinha acabado de me cumprimentar e
claro que o jantar seria bom, para além de ser véspera de Natal, dizem que
herdei o jeito para a cozinha de minha avó Isabel, o que equivale a veladamente
dizerem que cozinho bem, se não tão bem como ela, pelo menos fazendo-a lembrar,
o que é muito bom.
“O menu é o que sugeriste” –
respondi. “Nada disso: Telefonaram-me a informar de que havia um arranjo da
Mata dos Marrazes, que tornará o jantar muito mais apetitoso”.
Ali estava ela, a mais nova, de conluio
com a mais velha a rir-se de mim nas minhas bochechas. “Decididamente, estou
velha!” – pensei- “Já me apanham assim, sem mais nem menos, na primeira curva
da ironia, sem que me aperceba com antecedência, que caminhos trilham. Filhas!”
Ao início da tarde, a mais velha
telefonara, no preciso instante em que eu chegava a casa, toda molhada, depois
de uma incursão, debaixo de chuva torrencial, pela Mata dos Marrazes com a finalidade
de apanhar uma pontas de pinheiro, uns ramos com bolinhas vermelhas e umas
folhas de hera para fazer um arranjo de Natal. A isso acrescentara, depois, umas folhas
de nespereira que apanhara ainda no quintal de uma casa que visitara, como Pai
Natal.
“Já está na mesa” – informei – será
que andaram a rir-se de mim nas minhas costas?” “Olha que ideia, lá éramos
capazes disso. A hipótese de apanhares uma pneumonia ou de te cair um pinheiro
em cima em troca desta obra de arte, foram riscos insignificantes. Leiria não
esteve em alerta laranja?” Que sim, que estivera, lá confirmei. “Ah! Vou já
mandar a foto à nana. Não quero que lhe caia mal o jantar da sogra, por lhe
faltar esta visão magnífica.”
A filha a ralhar comigo! Onde é que já se viu? Trocaram-se os papeis? Estou
velha! Decididamente velha... e o mais grave é que ainda nem tinha dado por
isso.
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