Dia um de novembro, antes de ir
dar o almoço a minha mãe, fui comprar o meu, ao Piu-Piu. A dona Maria cortava qualquer
coisa na sala contígua à loja “bom dia. Mas o que é isso que está a fazer em
vez de vir cuidar de mim?” –perguntei brincando, porque gosto de arreliar a dona Maria. “E a senhora que não refilasse. Bom dia. Ora diga lá” “Lá”- respondi a rir.
“O que deseja?” – perguntou a dona Maria. Escolhi o que pretendia almoçar e jantar
nesse dia, porque meia dose chega perfeitamente para duas refeições a quem,
como eu, não é grande garfo, paguei os três euros e meio e já me vinha embora
quando me ofereceu uma broinha doce “não quer bolinho?” Aceitei e saí.
Gulosa, com a desculpa de que
ainda faltava muito para o meu almoço, resolvi comer a pequena broa. Surpresa!
Tinha um sabor próximo das que costumo confecionar. E sem saber como, ali estava
eu e a Clara no carro da Zinda, já de regresso da escola da Ortigosa, por altura da Ponte da
Pedra, “Para! Para!” gritava eu sentada no banco de trás e a Zinda atarantada “mas
paro porquê?” “porque vais virar para a esquerda” e ela cada vez percebia menos
e a Clara também não percebia nada… “Vamos comprar um feixe de lenha e vamos
amassar o bolinho para casa da dona Cipriana. Elas sabiam lá quem era a dona
Cipriana…
Comprámos a lenha e depois na
Sismaria, todos os ingredientes necessários.
A Clara foi buscar as filha ao
Castelinho e o meu pai as minhas ao Pinóquio, os respetivos Jardins de Infância que as crianças frequentavam.
A dona Cipriana, amiga de minha
mãe, gostava de mim e de há muito se habituara a aturar-me os “de repente” nas
brincadeiras de infância com o filho que perdera há alguns anos, disponibilizou-se
de imediato para nos ensinar a amassar as broas e foi o senhor Alberto, o
marido, que, depois de chegar da Junta Nacional do Vinho, onde trabalhava, nos
serviu de padeiro, no forno que mandara construir na divisão contigua à cozinha. Foi um resto de tarde alegre, divertidíssimo, para todos
nós. Lanchámos, dividimos as broas, limpámos o que havíamos sujado e
regressamos a casa felizes com as broinhas dos santos.
E ali esta eu, junto à churrasqueira Piu-Piu, a caminho do carro, muito mais de
trinta anos após, com uma broa meia mordida na mão, cheia de saudades de mim,
da minha força arrebatadora, da minha alegria de viver, frágil, sem saber se já
perdi a força, se se desvaneceu a alegria, mas sobretudo doente de medo por não
saber se já não tenho mais nada para provar a mim mesma, se já não sou capaz de
provar mais nada e à beira de me quebrar.
Teria sido melhor não aceitar a
broinha.