Páginas

sábado, 27 de abril de 2013

A INVENÇÃO DO AMOR

Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com caracter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem e uma mulher um cartaz denuncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A policia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e nas avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos
Chamem as tropas aquarteladas na província
Convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva
Todos decrete-se a lei marcial com todas as consequências
O perigo justifica-o Um homem e uma mulher
conheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade

É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-los
antes que seja tarde
e a memória da infância nos jardins escondidos
acorde a tolerância no coração das pessoas

Fechem as escolas Sobretudo
protejam as crianças da contaminação
uma agência comunica que algures ao sul do rio
um menino pediu uma rosa vermelha
e chorou nervosamente porque lha recusaram
Segundo o director da sua escola é um pequeno triste inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão
Aplicado no entanto Respeitador da disciplina
Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos
Ainda bem que se revelou a tempo Vai ser internado
e submetido a um tratamento especial de recuperação
Mas é possível que haja outros É absolutamente vital
que o diagnóstico se faça no período primário da doença
E também que se evite o contágio com o homem e a mulher
de que fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade

Está em jogo o destino da civilização que construímos
o destino das máquinas das bombas de hidrogénio das normas de discriminação racial
o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
a verdade incontroversa das declarações políticas

...

É possível que cantem
mas defendam-se de entender a sua voz Alguém que os escutou
deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas
E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra
respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz
lhe lembravam a infância Campos verdes floridos
Água simples correndo A brisa das montanhas
Foi condenado à morte é evidente É preciso evitar um mal maior
Mas caminhou cantando para o muro da execução
foi necessário amordaçá-lo e mesmo desprendia-se dele
um misterioso halo de uma felicidade incorrupta

...

Procurem a mulher o homem que num bar
de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
senhas salvo-condutos horas de recolher
censura prévia à Imprensa tribunais de excepção
Para bem da cidade do país da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com carácter de urgência

Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família a testemunha diz
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua

Daniel Filipe (1925-1964)
, in A Invenção do Amor

(Enviado hoje, por um amigo. Obrigada, chegou em boa altura.)

quarta-feira, 24 de abril de 2013

MAIS VALE TARDE...

Aqui temos a "padeira", a Zabel Maria, que percebe tanto do ofício como de chinês e se deslocou a Seia para ensinar a população lá do sítio a fazer pão, biscoitos e afins... Foi uma "lócura"!




Não sei quem foi a autora deste biscoito. O meu era muito mais original. Tinha um gato de orelha desabada e uma  borboleta pousada no nariz e jogava à bola com o sol. Foi vendido para o Museu de Arte Contemporânea.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

PASSEIO A SEIA

No dia 16 de Abril, a SEMPRAUDAZ- Associação Cultural organizou um passeio a Seia, ao Museu do Pão.



Partimos de Leiria, cerca das oito horas e chegados a Seia, subimos de comboio até ao Museu do Pão





São capazes da adivinhar quem é que encontrei mal cheguei, sossegadinho e recolhido sem tugir nem bulir? Pois! Nada mais nada menos que este bichinho...



 Voltámos as costas e iniciámos a visita


 Começámos a descer...


 A mó trabalhava. Fazia-se farinha.


Na balança pesava-se a farinha.


 A arca dos cereais. Comparada com as que havia na casa de minha avó Joaquina Joana, que eram enormes e tinham um alçado todo recortado com lindos desenhos onde se poderia encostar as costas, esta parece de brincar.


 A tia Maria amassa o pão... 


 O tio Manuel encarrega-se do forno...


 Aqui temos o cesto do pique-nique e o "palhinhas" não vá alguém ter sede...


 Mas esta é a bicicleta do Zé Luís... Será que ele  também vende pão por aqui?


 E a balança do Sr. Duarte...


 O livro dos assentos...
E aquela? Será a cédula do Sr. Diamantino? Não, não me parece. Acho que aquele é outro padeiro...


Trocos! Que bom! E um Santo Antoninho...


 E haverá coisa melhor para comer com pão quente do que manteiga fresca? Então, vamos fazê-la.



 Esqueci-me do nome, mas em casa da minha avó Joaquina Joana havia uma. Servia para separar os grãos do milho do carolo. E como eu adorava dar à manivela, houvesse ou não espigas de milho lá dentro...


 Então e depois de 1974? Come-se brioche "palpitou" alguém... Se calhar...


 O pão na religião católica


O pão no judaísmo


O pão na crença popular


E já agora... Como se diz pão em várias línguas?


NEM SÓ DE PÃO VIVE O HOMEM





O pão na poesia.



E depois... Mais vale "selo" que... 





O pão na cerâmica (e na ourivesaria e porcelana e ... e...)
 E não é que achei lá o bule do serviço de chá da cozinha da minha avó Isabel. "Que fizeste ao serviço?" Quis saber a T.V. "Dei-o. Não querias que o guardasse debaixo da cama..."
Século XIX - Real Fábrica de Sacavém



PÃO


Mais pão...


Pão por todo o lado...
 De todos os gostos e feitios...


 Nem estas "senhoras" escaparam à tendência da moda.


 O pão nos postais ilustrados


 Na ilustração de uma embalagem de farinha.


O pão nos calendários.


 O pão na lotaria.


 E aquela roda que a queda de água move... Há por aí uma mão em mármore de gosto duvidoso... mas mal se nota (?). O comboio que nos levara para cima havia de nos devolver ao meio de transporte em que partíramos de Leiria.



Depois entrámos na floresta encantada, na terra dos Hermios e eu fiquei sem bateria na máquina.
Esta sala é recente. Abriu ao público há cerca de três meses. Aqui se recria o ciclo do pão e metem-se as mãos na massa. 

Tiraram-me umas fotos com o barrete de padeiro e o avental que me ofereceram, mas devem ter ficado tão lindas que nem tiveram coragem de mas enviar...

Fiz um biscoito grande, de forma retangular,  com uma borboleta e um gato a jogar com uma suposta bola que depois virou sol. Será que Picasso conseguiria fazer melhor? Duvido (modéstia à parte). Deitei-o fora sem me lembrar de registar a obra de arte para meu e vosso deleite...

Seguiu-se o almoço, como sempre muito agradável.
Pretendi convencer a I. a pescar umas trutas no riacho que atravessava o chão do restaurante, mas ela não sabia nadar e teve medo de cair e afogar-se.

Depois viemos embora. Não sem antes passarmos pela
  loja do museu, 
onde algumas pessoas adquiriram vários produtos de ótima qualidade.

Que vos posso dizer mais?! Fica a promessa que contarei com detalhe o próximo passeio.



sábado, 13 de abril de 2013

O DIREITO AO DELÍRIO

PARA QUE SERVE A UTOPIA?

terça-feira, 9 de abril de 2013

NOSSA SENHORA DOS PRAZERES





A Festa de Nossa Senhora dos Prazeres realiza-se no domingo de pascoela, na terra de onde é oriunda a família da minha avó materna, os Leitão, gente simples, humorada, de bem com a vida. Dos Quintino, do lado de meu avô materno, oriundos de Ribaldeira, uma aldeia perto, disseram-me que só nós restávamos e eu respeitei isso, embora sempre achasse estranho haver tantos de um lado, primos de primos que já nem primos são e do outro não haver ninguém e dar-se a coincidência de numa localidade próxima haver pessoas com o mesmo apelido e não serem da família. Mistérios. E nunca pus em causa, nem estou a pôr a explicação que me deram e que acabo de referir.


Sempre foi hábito ir à festa da Caixaria. É assim que se chama a aldeia que se situa na freguesia de Dois Portos, concelho de Torres  Vedras, 39º 3’ 0’’ N e 9º 12’ 0’’ W. 


Primeiro era a prima Conceição que reunia a família. Chegávamos a ser cinquenta em volta de uma mesa enorme que ela tinha do andar de cima, na adega, durante três dias. Depois a prima Conceição adoeceu e todos deixaram de ir à festa. Íamos visitá-la fora desse período para que não ficasse triste, por não nos poder juntar. Depois morreu e foi o Joaquim António que herdou a tarefa de juntar uns e a Graça outros. 






Domingo, dia 7, atravessei parte da aldeia e mal cheguei perto da igreja (os meus primos moram a cerca de três metros) telefonei ao meu primo: ”tirando o bolso, onde te parece que posso meter o carro?” “boa pergunta” – respondeu ele. E veio de imediato, mas eu já tinha estacionado embora pelas ruas estreitas se vissem muitas viaturas e os lugares fossem escassos. 





Pormenores do adro da igreja visto da esquerda para a direita




Acesso a uma rua, que se vê ao fundo deste pequeno largo coberto


O canário aproveitava o sol dessa tarde de festa.


Ouvi a banda e desci apressada a Travessa do Relógio de Sol.


Eu ouvia e olhava, mas a banda ainda vinha longe.


Como a igreja esta aberta fui ver a santa: Nossa Senhora dos Prazeres.
Falta o ceptro na mão direita, como se pode ver em outras imagens semelhantes.

Só o andor de Nossa Senhora dos Prazeres estava na igreja, os outros andores estavam na casa da catequese.


O altar sem as imagens, todo coberto de flores.


Finalmente aproximavam-se os festeiros (como por lá se diz)


E a Banda da Arruda dos Vinhos tocava atrás. Fiquei pasmada. Este ano não era a Banda da Ribaldeira...


Tocavam bem.


Mesmo muito bem.


Cumprimentava-se a santa. E assim se inauguravam os festejos em honra de Nossa Senhora dos Prazeres


Findo o concerto de inauguração, seguiu-se o almoço. O deles e o meu.

A minha prima Adelaide tem uma paciência de santa e faz comida ao gosto de todos. Um dos cunhados quer bacalhau com natas, o genro gosta de açorda de marisco, a sobrinha prefere lombo de porco  e eu e o meu primo só comemos o prato tradicional da região: borrego com umas espetaculares batatinhas que só ela cozinha como a minha avó Isabel. Éramos só treze à mesa, mas como ela cozinha para todos as preferências de cada um a banda poderia ter ido almoçar lá a casa. E as sobremesas? Só me atrevi a comer um bocadinho de torta de amêndoa recheada com doce de ovos e fiquei a chorar pelos outros doces que havia. 

Conversámos, brincámos, rimos e quando foram horas da procissão agarrei-me ao braço de meu primo: "Este ano o milagre da Senhora dos Prazeres é tu ires à procissão. Anda daí comigo que eu quero ir de braço dado com um rapaz jeitoso como tu (ele é muito mais velho do que eu). Fazes favor de não me deixar ficar mal e de me avisares sempre que vires um primo ou uma prima que eu deva cumprimentar, os que forem na procissão e os que estiverem às janelas ou às portas a vê-la passar, para que fiquem os cumprimentos feitos". E lá fomos nós com mais umas primas que logo encontrámos à saída da porta.

Ora tendo em conta que a minha mãe é filha única, imaginem a quantidade de primos que eu não tenho na Caixaria... Mas tenho mesmo primas e primos adoráveis, que gostam de ser minhas primas e meus primos e eu gosto de ser prima deles. Ah! E há velhos muito velhos:"Então não me lembro da Isabel Quintina?! Até me lembro do seu avô. Quem é que não conhecia o Quintino da Ribaldeira? E a minha avó morreu há quase cinquenta anos e eu nem sequer conheci o meu avô...

E venho para Leiria e volto à vida cheia de mimo.