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terça-feira, 29 de março de 2011

A PRENDA DE NATAL

Era uma vez uma menina que gostava muito de um porquinho cor-de-rosa, meigo e fofinho como só ele sabia ser.

Xubi, assim se chamava o porquinho, habitava algures na floresta de cimento e cumpria os seus dias, pardos uns, mais coloridos outros, numa sequência de bolas enfiadas num cordel.

Menina dera, na Primavera, o coração a Xubi e agora, que se aproximava o Natal queria dar-lhe uma prenda e não sabia o quê. Bem lhe tinham ensinado que prendas só se dão nas alturas certas, mas o coração fora uma prenda que ela dera sem pensar quando, nem saber como ou porquê. Dera e pronto. Não havia nada a fazer, a não ser… procurar outra prenda para oferecer no Natal. Mas lá que era difícil, era…

Menina queria oferecer uma coisa diferente. Uma coisa que inquietasse Xubi, que lhe tirasse o medo de errar quando quisesse fazer diferente, que lhe desse a meio a fúria de chegar ao fim, ou a clarividência de voltar ao princípio para começar de novo.

- Mas onde arranjar uma prenda assim?

- Que coisa terá tais funções? - Perguntou Menina aos botões do bibe.

- Hum, isso são funções de mais para uma coisa só. – Resmungaram os botões que só sabiam estar à janela.

Menina estava atrapalhada.

- O Sol! – Exclamou de repente. - Como é que não me lembrei antes? O Sol é tão bonito! Renova-se em cada manhã sem se importar que o dia acorde rabugento. É sempre quente, amarelo, luminoso.

- Sol, entra nesta caixa, vou embrulhar-te em papel colorido, colar-te dois caracóis de fita e dar-te ao Xubi, neste Natal.

- E quem faria o meu trabalho? Mal me deito aqui, logo me levanto acolá. Sem mim enregelariam as mãos de todos os meninos; os seus olhos perderiam o brilho; os dias seriam noite sem esperança e a Terra uma monótona bola preta. Quando nasço sou para todos. Não podes dar-me ao Xubi.

- Pois é, o Sol tem razão. Vou procurar outra coisa.

-Gotinha de orvalho entra nesta caixa, vou embrulhar-te em papel colorido, colar-te dois caracóis de fita e dar-te ao Xubi, neste Natal.

- E quem faria o meu trabalho? Não tenho um segundo de descanso. Sou o espelho onde o Sol se penteia; a frescura dos pássaros da floresta; a alegria das florinhas do campo; o bordado da teia em que me baloiço; a musa dos poetas que cantam a leda madrugada. Sou de todos Menininha. Não podes dar-me ao Xubi.

- Gotinha de orvalho tens razão. Terei de procurar outra coisa.

- Sementinha entra nesta caixa, vou embrulhar-te em papel colorido, colar-te dois caracóis de fita e dar-te ao Xubi, neste Natal.

- E quem faria o meu trabalho? Vês-me aqui quieta, mas não estou a dormir, ensino as pessoas a esperar; com a ajuda da gotinha de orvalho ensino a vontade firme de olhar o Sol e depois de abrir caminho e olhá-lo nos olhos fabrico o ar que respiras e o perfume que te regala. Sem mim não haveria diferença. Como vês sou de todos. Não podes dar-me ao Xubi.

- Também tu sementinha?

-Também eu Menininha.

- Talvez a Terra me ajude.

- Terra entra nesta caixa, vou embrulhar-te em papel colorido, colar-te dois caracóis de fita e dar-te ao Xubi, neste Natal.

- E quem faria o meu trabalho? Guardo fresquinha a água que bebes; conservo o calor do Sol; embalo a vida que explode em cada Primavera; sou a certeza onde pisam os teus pés.

- Também tu és de todos?

- Sim, também eu e com o Sol, a gota de orvalho e a sementinha somos a esperança, o eterno retorno, o sentido do teu sonho.

- Mas o Xubi? Deixo-o sem prenda neste Natal?

- Fecha os olhos e deseja.

Então Menina fechou os olhos e desejou. Desejou com muita força…

Aconteceu o sonho.

Menina virou borboleta e a partir deste Natal, que ninguém sabe quando aconteceu, até ao fim do tempo, Xubi será o único porquinho cor-de-rosa, meigo e fofinho com uma borboleta na ponta do nariz.

sábado, 26 de março de 2011

PASSEIO

A Alice, como de costume, organizou o passeio e o grupo habitual (pelo menos parte dele) lá foi, como diria um exagerado amigo meu “papar igrejas”.

Partimos cerca das nove horas, direito a Vila Nova de Anços. Faltou-nos a outra Alice que, por estar doente, não nos pode guiar na descoberta, assim, fomos à aventura. Sem GPS, quase chegámos a Condeixa, mas como em tudo na vida, quando não se toma o caminho certo, o melhor é voltar para trás, foi o que fizemos.

Em Vila Nova de Anços, já lidas as folhas obtidas na pesquisa na NET, encontrámos um Sr. José desdentado mas bom comunicador que, de boné na mão, respeitosamente nos serviu de cicerone e nos ensinou o nome de todas as variedades de arroz que se produzem na região, até aportarmos à casa do Sr. Padre.


Vila Nova de Anços - Ruínas da Igreja de N.ª Sra. de Finisterra
Pelourinho Manuelino - Ó Zé, perdoa, mas a Fátima apanhou-te com a mão na máquina.
Altar da Igreja, aberta ao culto, de Vila Nova de Anços
Altar da Igreja da Misericórdia - Igreja a precisar urgentemente de obras de restauro
Cruzeiro de Vila Nova de Anços


Daqui seguimos para Soure, onde nos esperava o almoço.

Era sexta-feira, da Quaresma, nós sabíamos que deveríamos comer peixe, mas optámos pela chanfana, porque a Alice disse que não era pecado e nós acreditámos piamente nela. Garanto-vos que estava óptima. Quem nunca tinha comido, ficou fã.

Seguiu-se a visita a Soure.

A Fátima, a quem se deve a reportagem fotográfica, a Géninha e eu fomos espreitar a Biblioteca de Soure.


Entrando no mundo da fantasia

Um cantinho do jardim interior do Espaço do Conto
Pormenor do Espaço do Conto (as professoras são sensíveis a isto- ficámos maravilhadas)


Câmara Municipal de Soure
Um trecho de Soure

Pormenor do Altar da Igreja de Soure - Patrono S. Tiago- tal como em Marrazes
E lá fomos levando a água a bom termo. Neste caso o passeio...
Ruínas do Castelo de Soure


De Soure rumámos ao Louriçal, com o fim de visitarmos o Convento das Freiras Clarissas


Havia muitos ninhos de cegonhas - quase obriguei a Fátima a fotografar este
Pormenor do magnífico altar da Igreja do Convento mandada construir por D. João V
O altar visto do lado da clausura
Pormenor dos ricos azulejos que forram todas as paredes da igreja e ainda a sala onde pudemos entrar
A roda - Foi por aqui que nos enviaram a chave com que abrimos a porta da loja onde adquirimos os doces conventuais.

Cumprido o itinerário, rumámos a Leiria, onde cheguei a tempo de honrar os compromissos que tinha marcado para as vinte horas.

O passeio foi óptimo. Cá fico à espera do próximo.

sexta-feira, 25 de março de 2011

AMARYLLIS HIPPEASTRUM




No parapeito de uma das minhas janelas tenho esta linda flor. Hoje, quando cheguei a casa tive a agradável surpresa de a encontrar completamente aberta.
Não é uma beleza?

Aqui fica para que se deleitem.
















JOQUINHA

Tive em tempos um relógio cor de laranja, números e ponteiros brancos.
Joquinha, assim o chamava, nasceu relógio despertador e por isso mesmo possuía um martelinho dourado no alto que lhe martelava as orelhas gorduchas, nas manhãs frias em que me fazia saltar da cama.
Joquinha, além de lindo, revelou-se desde o primeiro momento um relógio simpático e compreensivo. Dirão que relógio que se preze não possui tais qualidades, mas relógio que se preze nunca se chamaria Joquinha, seria simplesmente relógio.
Estabeleceu-se entre nós uma tal cumplicidade que o seu tempo passou a ser o meu tempo. Esqueceu o sistema sexagesimal e funcionava ao ritmo do meu peito. Se o meu coração estava inquieto, ele trabalhava depressa, mas não havia como ele para se alongar, parando até na tentativa louca de me prolongar os momentos importantes.
Joquinha calou-se de vez no dia em que morreu Chiquinho Pirilau. Desde então, nunca mais ouvi, ao entrar a porta de minha casa, o tic tac descompassado do Joquinha, nem o canto radiosamente amarelo do meu canário.
Depois, alguém o desfez ao tentar quebrar-lhe o silêncio.
Se Joquinha existisse, hoje não era quinta-feira. O tempo teria parado e eu alongar-me-ia numa outra dimensão para revisitar aqueles de que me lembro e de que não tenho notícias, aqueles que passaram pela minha vida e que não voltei a ver, aqueles que possivelmente não voltarei a encontrar.
Que será feito do Manel, da Bia , da Berta, do Sérgio, da Mélita, da Otília e de tantos outros de que perdi o contacto?
Eu lembro-me deles
Lembrar-se-ão de mim?

quinta-feira, 24 de março de 2011

segunda-feira, 21 de março de 2011

A PROVA






Eis a prova!



















A prova irrefutável, frente e verso, de que a atleta era de primeiríssima água.







Como troféu, efémero, convenhamos, ganhei ainda um gelado e duas garrafinhas de água (pela ordem inversa). :)

MINI-MARATONA DE LISBOA

As ideias brilhantes saem sempre da cabeça da minha filha mais nova e eu, como mãe galinha, ainda ela não acabou de as expor, já estou ofuscada.

Foi assim que hoje me vi com o número 24359 ao peito, num comboio cheio de gente, a caminho do Pragal, para ir participar na mini-maratona de Lisboa, com a filha mais nova e o genro, marido da filha mais velha, única pessoa que deu mostras incontestáveis de possuir juízo, ao ficar na cama em vez de se meter em confusões.

No Pragal o ambiente era de festa. Aguardava-nos uma banda que tocava animadamente enquanto umas meninas distribuíam bonés da Vodafone, que o Sol da manhã justificava amplamente. Lá nos misturámos na multidão tentando aproximarmo-nos do ponto de partida, o que não era nada fácil, nem tão pouco perto.

Esperámos pela partida, ainda bem longe do local.

Já tinham dado a partida e ainda a atleta pousava impávida e serenamente para a posteridade.

Vinte minutos após alguns começarem, conseguimos nós chegar ao ponto de partida. Correr, naquele mar de gente era impensável, a menos que se optasse por seguir por cima da grade de ferro, o que fez o Miguel, o meu genro, mas eu, para loucura já me chegava estar ali; as perninhas não tinham que sofrer as consequências e lá fui "curtindo" calmamente a paisagem, a passo, ao lado da filhota, ainda a refazer-se das mazelas do joelho esquerdo e do pé direito consequências do acidente de viação acontecido acerca de uma ano.

Daqui resultou que ainda íamos no tabuleiro da ponte e já alguns tinham chegado a Alcântara, como se vê na foto.

Mas acreditem, atrás de nós vinham muito, muitos mais do que aqueles que iam à frente.


Esta foto foi tirada do viaduto. Como vêem, não menti. Eu não era a última.



Havia de tudo... para todos os gostos... Este resolveu aproveitar o passeio para bronzear...



Eis a meta! Se àquela hora e cinquenta e dois minutos tirarmos os vinte minutos que demorámos desde que foi dada a partida até nós chegarmos ao ponto de onde efectivamente se deveria partir, concluímos que com paragens para deleite da paisagem e para as fotos (mais do que as publicadas), fizemos os oito quilómetros em cerca de uma hora e meia. Para uma velhinha trôpega não está mal!




domingo, 20 de março de 2011

SAUDAÇÃO À PRIMAVERA

Na hora certa.

Disse que chegaria.

Declarou dia e hora.

Tão longe que ela mora

que diabo, até

se lhe perdoaria

que, perdendo a maré,

chegasse noutro dia.

De tudo se abrigou

na sorte ingrata

e à hora exacta

"aqui estou"

disse da alta esfera.

Bem-vinda Primavera!


Mário Castrim

sexta-feira, 18 de março de 2011

ERA UMA VEZ...

Uma pequena história celebrando o sol desta manhã, a adivinhar a Primavera.

O Menino Arco-íris

Era uma vez um Menino Arco-íris. Não sei se o Menino Arco-íris não sabia ou não queria que se soubesse que ele era Arco-íris.

Menino Arco-íris vivia nas nuvens, preso num cristal de gelo que pendia de uma delas, ali mesmo mergulhado em azul, entre o céu e o mar. E as Primaveras sucediam-se e ali permanecia confuso e distraído, enroladinho e suspenso.

Ele ouvira dizer que arco-íris tinha sete cores, mas ele só possuía seis e sempre que se dispunha a procurar a que faltava alguém empardecia e ele desenrolava o arco, descia à terra, irradiava as seis cores que possuía e acabava esquecendo-se de procurar a que lhe faltava.

Ele possuía o vermelho – vida; o laranja - envolvente; o amarelo – alegria; o azul - misterioso e insondável; o anil - suavidade e o roxo - ausência e ali, bem no meio, aquele vazio…

Menino Arco-íris começara por se preocupar com isso, mas fora-se habituando a viver com seis cores e até pensou que assim estava bem.

Mas um dia… e há sempre um dia que acontece diferente, uma borboleta sem tom pousou no cristal pendente e mergulhou naquele espaço. Estava um dia de sol, bonito, como só os dias de Primavera e o Menino Arco-íris coloriu-lhe de amarelo uma asa, de azul a outra e quando a borboleta quis voar, as cores misturaram-se e aquele espaço vazio encheu-se de VERDE.

A partir desse dia o Arco-íris passou a ter sete cores. Podemos vê-lo a qualquer momento, se fecharmos os olhos… E a história conta que em vez de um duende com um pote de ouro, lá bem juntinho ao arco, passou a estar uma borbota, umas vezes mais luminosa, outras menos, mas sempre VERDE.

VERDE DE VERdaDE

Porque a VERdaDE É VERDE

quarta-feira, 16 de março de 2011

TEMPO

Em frases simples, falei de nós ao vento

Comecei pela ansiedade expectante

da espera

Falei da cor daquele “olá”

com que chegavas


(Queda-se o vento esquecido de soprar)


Detive-me de seguida no abraço

Mergulhei na sofreguidão dos beijos

que trocámos

Perdi-me na loucura da carícia

Fui contigo no delírio da posse


Aqui perdi a voz

mas

o vento ouvira-nos, um dia

e retomou então a narrativa


Falou de ti e de mim

Dizendo um só


Falou

de carinho, de ternura

Abreviou

falando-me de Amor


Escureceu-me o olhar

lembrara a despedida


A brisa suave deste vento

caiu na tarde, gelou, virou lamento


À noite,

o meteorologista confirmou

inexplicavelmente

o tempo piorou.

terça-feira, 15 de março de 2011

FADO

DOZE DE MARÇO

Na véspera a I. telefonara “espero que tenhas providenciado um bolo”; “claro! Ou para o André, não faria anos”.

Não era nada “claro”! Desde que inventaram as velas com números, que deixara de achar graça aos bolos de aniversário. Antigamente sim, era engraçado; por cada ano mais uma velinha; azul para o pai ou para o irmão; cor-de-rosa para ela ou para a mãe. Depois passara a não ter graça nenhuma, era tudo igual, acendiam-se num instante as duas velas, cantavam-se os parabéns e no meio das palmas, com um leve sopro, acabava-se a festa.

A festa… começava na véspera, com a confecção do bolo. Misturavam-se os ingredientes, primeiros os ovos com o açúcar, que ajudava a mexer naquela tigela grande de louça branca. Apetecia-lhe sempre enfiar o dedo na massa amarelinha e provar, mas a mãe era categórica: “isso não. É porcaria” e ela reprimia o gesto, pensando que porcaria obrigatória era, no fim, untar a forma com a manteiga para o bolo não se pegar; as mãos da mãe ficavam sempre cheias de gordura…

Enquanto o bolo cozia a mãe fazia salame de chocolate e às vezes bolo de bolacha, que um dia a prima L. resolveu inovar enfeitando com farófias e bolachas baunilha como se fosse uma celha de lavar roupa. “Coisa esquisita” pensara, sem coragem para dizer que achara de mau gosto.

Depois do bolo cozido e já frio cobria-se com glacê e espetavam-se as velas; quantas mais fossem mais bonito ficava o bolo, que ainda se salpicava com bolinhas prateadas ou multicor.

Depois da modernice das velas com números deixou de ter bolo de anos e só repetiu o ritual quando foi mãe. Recuperou com a prima N. a receita de família e passou a fazer uns enormes bolos cobertos de chantiliy, decorados com chocolate, ananás e noz. As filhas cresceram, não muito, mas o suficiente para entenderem o texto do decreto: “sou eu que faço anos, terá de haver alguém que providencie o bolo” e nesse ano calhou-lhe no aniversário um bolo de iogurte meio torto com uma vela de cada lado do buraco deixado pela forma. Uma ternura que, evoluindo em qualidade e originalidade, se repetiu ano após ano até agora. Este ano, providenciou ela o bolo encomendando-o na pastelaria, para que o André ajudasse a avó a apagar as duas velas.

Mais um ano e a alegria de estar viva e de saúde rodeada por muitos e na lembrança de tantos. Alguns disputavam a primazia das felicitações: “sabes que vou para a Serra da Estrela, mais logo posso não ter ocasião, devo ter sido a primeira”; “telefono agora, mas deixei a mensagem no facebook às três da manhã, devo ter sido a primeira” e ela ria do outro lado do fio e agradecia. É tão bom ter amigos!

E numa mistura de afectos, em que a família e os amigos se não pouparam, somou alegremente, mais um ano aos muitos que já tinha.

domingo, 13 de março de 2011

A RESPOSTA POSSÍVEL...

Numa Concha

Pudesse eu ser a concha nacarada,
Que, entre os corais e as algas, a infinita
Mansão do oceano habita,
E dorme reclinada
No fofo leito das areias de ouro...
Fosse eu a concha e, ó pérola marinha!
Tu fosses o meu único tesouro,
Minha, somente minha!

Ah! com que amor, no ondeante
Regaço da água transparente e clara,
Com que volúpia, filha, com que anseio
Eu as valvas de nácar apertara,
Para guardar-te toda palpitante
No fundo de meu seio!

Olavo Bilac (1815-1918)

quinta-feira, 10 de março de 2011

FECHANDO O CICLO DAS VELHARIAS...

Ela alongou-se pelo areal mergulhada na tentação do movimento. Pisava com gosto a areia molhada, num traço firme de quem sabe para onde vai, mas não ia para lado nenhum.

Ia.

Sentia na cara a frescura da brisa e nas pernas o desfazer das ondas. Não pensava em nada, não ligava ao que via. Engolida pela paisagem, gozava a posse da distância e o mistério da névoa.

Ia.

E ir refrescava-lhe o peito e enternecia-lhe a tua lembrança.

De repente, o Sol brilhou naquela concha e ela apanhou-a.

- Olá – murmurou esta, abrindo-se.

- Falas? - Admirou-se ela sentindo em si a carícia de um outro “Olá”.

- Claro! Sou a mensageira do reino das algas e dos peixinhos do fundo. Na baixa-mar venho à praia dar os recados à areia. Converso com as pessoas e, no rolar manso das ondas, volto ao sítio onde pertenço.

- E visitas outros mares? Falas com outras pessoas, ou só vens a esta praia?

- Pois tu não sabes que só há um mar e que todas as ondas são uma só onda?! Eu vou a qualquer sítio, isto é, a qualquer praia.

- E um recado meu, serias capaz de o entregar?

- Só precisas de me emprestar a tua voz e dizer-me a quem e aonde devo levá-la.

Ela sorriu e segredando à concha, enrolou-se na espuma.

Eu, depois, soube que numa manhã de baixa-mar, algures numa praia longínqua, a concha transbordante de beijos sussurrou ao teu ouvido:

- Gosto de ti… gosto de ti… gosto muito de ti.

quarta-feira, 9 de março de 2011

À ESPERA DO CARTEIRO (Parte II)

No início de um Setembro, que aconteceu há muitos, muitos anos, escrevia assim:


Depois de uma tentativa falhada, numa prova inequívoca do que é capaz a persistência humana, ela ficou, caída em negro fundo e dividida, uma parte de si esmagada, outra ali, funcional e disposta a tudo para chamar a atenção.

Quem fora dado a pensamentos fáceis diria “desculpa esfarrapada para não a utilizarem”; pessoa normativa não deixaria de comentar “tontarias, agora aguente, fica sem ela”; alguém extremamente afectuoso diria ”coitadinho, essas coisas acontecem”; o indiferente limitar-se-ia a um “bah!”; enquanto o egoísta estenderia a mão num “vem a mim” e o ansioso não deixaria de perguntar “o que faz aqui?”

E eu? Bom, eu, quando vi a minha imaculada saia branca com a traseira transformada em tela picassiana, questionei-me “porque não terá o artista assinado a obra?”

Então vi-a, depois de quase ficar em minha casa ela ali estava, a tampa quase esmagada no fundo do carro, o resto no banco, enfiado entre o encosto e o assento.

Foi para não me escreveres que cá deixaste a caneta?


Hoje, rio-me ao concluir que, se o carteiro tivesse vindo tantas vezes quantas as que desejei, ter-me ia casado com ele e ainda andaríamos por aí os dois, de bicicleta, a distribuir cartas, mas só as que trouxessem boas notícias, as outras deita-las-ia fora.

terça-feira, 8 de março de 2011

A PROPÓSITO DO DIA DA MULHER

Há quem diga que “as palavras são como as cerejas” por as conversas se encadearem rapidamente. Contudo, eu defendo que as palavras andam à velocidade do som, enquanto os pensamentos preferem a da luz.

Hoje, o postal que por e-mail me presenteou com um beijinho por ser o Dia da Mulher, proporcionou-me um "clic" que me trouxe à lembrança algumas cartas, de amor (porque não confessá-lo?) que velhas e amarelecidas ainda mantinha algures, guardadas numa caixa.

Como hoje se festeja o DIA DA MULHER, não resisto a transcrever-vos uma.

Aqui vai:

Quando nasci, o eminente Dr. Beja, “João Semana” lá do sítio, que me amparou nesse meu primeiro acto corajoso, constatou a ausência de falo. A falta desses dois centímetros de pele foi quanto bastou para me incluírem nesse grupo “menor” vulgo designado por MULHERES. Desde esse momento ficou decidido que EU SOU MULHER, “sina triste” a que não posso fugir e que me leva, neste momento, a “bramir” a minha pena.

Constou-me por aqui e valha-me a verdade, que andavas ocupadíssimo no nobel intento de salvar a humanidade. Ora, como Humanidade é a mera designação do conjunto dos humanos e como nesse conjunto, eu faço parte de subconjunto de maior cardinal e “menor propriedade”, venho lembrar-te que não seria má ideia mostrares que és tão bom a escrever como a fazer outras coisas… porque

EU, QUE SOU MULHER MEREÇO

MAIS!!!!

De nariz torcido, aqui vai um beijinho (não dou mais nenhum enquanto não receber carta)

Salvaguardada a distância de tantas décadas e o humor com que foi escrita esta carta, aqui fica o meu apelo a todos os homens: um pouco mais de atenção e um sorriso mais terno e mais rasgado é quanto basta para tornarem as mulheres mais felizes.

Tanto as MULHERES como os HOMENS têm direito à FELICIDADE.

Desejo um dia bom para todos.

domingo, 6 de março de 2011

À ESPERA DO CARTEIRO


Hoje, haverá distribuição de correspondência?

SORRISO

Quinta-feira! Levantou-se cedo como habitualmente e espreitou o dia da varanda do quarto. A noroeste, o ar frio da manhã arrepiou-a, mas a sudeste, na varanda do quarto oposto ao seu, brilhava um sol esplendoroso. É assim, entre uma varanda e outra que adivinha o dia.

Tratou de si e pasmou quando o espelho lhe devolveu um sorriso amarelo. Bom, pensou, urge tratar disto. O melhor será ir ao cabeleireiro. Arranjar o cabelo é uma boa forma levantar o astral, não melhora o retrato, mas ajeita a moldura.

A cabeleireira esqueceu-se de activar a cadeira, mas ela pediu, porque acha relaxante usufruir das massagens enquanto lhe lavam a cabeça.

Com um sorriso mais animado cumpriu as obrigações do dia e foi tarde, muito tarde que foi visitar a mãe ao Lar. Alarme! Aos noventa e três anos, pela primeira vez a mãe estava na maior das confusões.

“Pode lá ser mãe, isso não existe” e sorriu.

Afinal, aquela quinta-feira era o dia nacional do sorriso amarelo.

quarta-feira, 2 de março de 2011

O CALENDÁRIO

No início deste ano civil, a IS, funcionária da Junta, apareceu no meu gabinete.

- Venho oferecer-lhe este calendário para pôr em cima da secretária.

- Fiz mal a alguém? - perguntei, deixando IS atrapalhada e continuei - sou uma acérrima defensora da igualdade de género, mas quem precisa de se emancipar são os homens, as mulheres já se emanciparam há muito tempo. Se me quer oferecer um calendário não me traga um com porcas e parafusos (o calendário publicitava uma casa de ferragens). Quais acha que são os calendários preferidos dos homens?

- Os que trazem fotografias de mulheres jeitosas. Respondeu IS.

- Pois então, agradeço-lhe a boa intenção, mas se me quer oferecer um calendário arranje-me um com um homem jeitoso. Confio no seu gosto, arranje um em que saiba bem repousar o olhar.

IS disse que iria dar o seu melhor e abandonou o gabinete. Passado pouco tempo voltou a entrar.

- Não trago um calendário com um homem jeitoso, mas com muitos homens jeitosos, musculados e de porte atlético, não se vêem porque os vidros são foscos, mas pode crer que estão todos dentro da camioneta, eu vi-os entrar, se esperar um bocadinho eles começam a sair e verá, cada um é melhor que o outro.

Ri-me com vontade e aceitei divertidíssima, o calendário de uma empresa de camionagem, que se mantém em cima da minha secretária.

Ando doente. Supõe-se que um medicamento me fez mal. Estou na velha situação de em vez de morrer do mal, morrer da cura e por isso esta manhã, depois de fazer análises, cheguei à Junta pálida e “cheia de não presta”.

- Não acha que deveria ter ficado na cama? – Perguntou-me IS quando a cumprimentei.

- Pois deveria, mas até hoje ainda não saiu um único homem da camioneta do calendário que me ofereceu em Janeiro, suponha que era hoje que a porta se abria. Acha que poderia perder a oportunidade de ver tantos homens bonitos em cima da minha secretária?

terça-feira, 1 de março de 2011

FÉNIX

Ela acordou cedíssimo naquela manhã de Sábado. Viu-se perante uma situação estranha e assustou-se. Não bastava estar doente dos olhos? Seria a situação consequência do antivírico? Deveria ir ao hospital? “Não há Sábado sem Sol” pensou e deitou-se novamente esperando que fossem horas para ir à consulta aberta, ao Posto Médico.

A ida ao médico adiantou pouco. “Poderá ser isto… poderá ser aquilo….“Pare com o antivírico e aproveite o fim-de-semana para repousar”, foi a recomendação do clínico que também não percebeu o que se passava. E ela voltou para casa, não sem antes visitar a mãe para deixar a “Maria”não fossem faltar-lhe os resumos das telenovelas, que paciência já não há para ver aquilo tudo, na TV, dia a dia, aos bocadinhos.

Precisava de palavras de conforto, de mimo, de ânimo, de esperança, mas mesmo que o médico tivesse passado receita, nada disso se vendia na farmácia. Deitou-se e aproveitou para estudar o papel da peça de teatro em que participa.

Lembrou-se e telefonou à amiga ”amanhã, não poderei ir ao passeio pedestre a Alvaiázere, estou doente”; “queres que vá aí? tens almoço? queres sopa?

As horas foram passando. Apareceu a empregada avisada pela amiga. Trouxe um braçado de grelos e outro de flores. Alegrou as jarras e partiu.

Às dezoito e trinta levantou-se. Um duche revitalizou-a. Cuidou-se, vestiu um vestido preto bem justinho e pendurou umas penas rubras ao pescoço. O jantar de Carnaval do Rotary Club estava marcado para as vinte. Morrer sim, mas não de tédio!

Dançou toda a noite e as penas rubras foram-se espalhando pelo chão!

Fénix renascera das cinzas.