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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

NUNCA, COMO HOJE


Nunca, como hoje, me senti tão fisicamente parecida com minha mãe. Foi ao enfiar a minha boina basca preta que reparei. A culpa seria do baton vermelho por que optara.

Normalmente, no dia-a-dia, só maquilho os olhos, mas hoje apeteceu-me um baton vermelho. A minha mãe nunca maquilhou os olhos, só pintava os lábios, num vermelho semelhante ao que escolhera.  

O meu pai comentava sempre, com ironia, aquele baton. Comentava diariamente aquele baton, de que tenho a certeza, gostava e com o qual também gostaria de se mortificar. Assim como quem tem ciúmes sem ter, assim como quem sabe que é ridiculamente terno e se ri disso. E a minha mãe ria e todos ríamos com a cena que não poderia faltar. Não tinha hora para acontecer, mas nem o dia seria igual se faltasse, comigo e com o meu irmão a aplaudir.

Enterneci-me com a imagem que o espelho me devolvia. Não por me olhar, mas por ver o meu pai, a minha mãe, o meu irmão e sentir aquela saudável loucura feita de ternura de que já usufruíra sem ter consciência de que, quente e acolhedora, me embalava os dias. De como era amada. De como éramos felizes sem repararmos nisso.

Há quantos anos deixou a minha mãe de pintar os lábios? Nunca, como hoje havia reparado nisso.

E o meu coração desfez-se em ausência… 

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O ATO CRIATIVO - ANA FERNANDES


A Mindocha convidara. A amiga Ana Fernandes expunha ontem, em Leiria, a sua nova coleção de bijuteria e pratas. Décimo primeiro andar, no Centro Comercial D. Dinis. “Décimo primeiro?” – Interrogara-me eu depois – “terei ouvido bem?”

Pouco faltava para as dezoito horas quando, com a LF me aventurei pelas escadas rolantes e depois pelas outras que faltavam, até ao último andar do edifício. Sem dúvida, tinha ouvido bem. A exposição era mesmo no décimo primeiro andar. Uma linda porta vermelha, reinventada de uma porta antiga facultou-nos a entrada num espaço de cowork, conceito que não sabíamos que já existia em Leiria.

Recebidas pela simpatiquíssima gestora de “GRUPO”, assim se denomina o espaço, fomos encaminhadas para a sala onde decorria a exposição.

Ana Fernandes recebeu-nos atenciosamente e percorreu com o nosso olhar os seus interessantes e originalíssimos trabalhos de bijuteria e peças de prata, demorando-se, à medida do nosso espanto, em cada peça. Que tentação! As pregadeiras eram lindas e havia dois pares de brincos que tinham precisamente “a minha cara”. As caixas de prata eram de perder a cabeça.

Conversámos, convivemos com quem estava, muita gente conhecida, reconheça-se, e vimos os catálogos de outras exposições.

Olhámos com Ana Fernandes o catálogo “Memórias” em que as fotos mostravam os trabalhos criados ora desfuncionalizando objetos, ora associando os atributos de conceitos de objetos vulgares, de forma impensável para o comum dos mortais. Talvez, por vias do trabalho do Cristóvão que irei apresentar no próximo dia oito, e faz com que olhe com atenção tudo o que é caixa ou a isso se assemelhe, a minha atenção deteve-se com mais empenho numa das fotos.  “Que pretendeu com este trabalho? Qual a ideia subjacente?” – perguntei curiosa. Ana Fernandes explicou: “era uma resistência de fogão, do meu primeiro fogão, que a minha sogra me deu, um boneco que andava lá por casa e de velho tinha adquirido esta cor maravilhosa e um martelo de cozinha que também usara.”  Assim com aquela simplicidade, a artista dizia-me que juntara objetos do seu universo pessoal, com que estabelecera laços e só por isso mesmo criara a peça. Sorri: “A mim parece-me um útero. Sugere-me conforto.” Foi a vez de ela sorrir: “Também podia ser.” E eu fiquei mais uma vez a pensar que o ato criativo é de uma enorme simplicidade. Nós, os desfavorecidos de dons artísticos, ao olharmos é que, em vez de usufruirmos a obra, de simplesmente nos deleitarmos na estética do que olhamos, por excesso de intelectualização, propomo-nos interpretar, perguntando o que diz o autor. E tantas vezes diz simplesmente que gostou, que teve prazer em fazer o que fez, em juntar os atributos que juntou, em criar simplesmente. Diz quase sempre: “Aconteceu!”

Adorei os trabalhos expostos e adorei falar com Ana Fernandes. Foi um pedaço de tarde bem passado.


Já de saída visitámos todo o espaço que o “GRUPO” que tem para oferecer. Como refere a pagela de apresentação, deparámo-nos com uma cobertura independente composta por um espaço de cowork, escritórios, sala de reuniões, estúdio de fotografia, copa e lounge - com a cidade de Leiria aos pés, acrescento eu. Lindo de morrer - como diria a minha amiga P. - e muito agradável. O espaço apetece.

Leiria, a par e passo com a vida, e nós distraídas. Um mês de distração… Imperdoável! 

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

AQUELA CONFIDÊNCIA


Eu sentara-me sozinha junto de uma das mesas da receção do Centro Cultural. Tentava decorar as falas do meu papel para a festa de Natal, repetindo sem cessar aquela fala longa em vez de utilizar a associação de ideias tal como J.C., com a sua prática de ator, me sugerira. A senhora apareceu a meu lado sem que reparasse: ”posso sentar-me aqui?” Pois claro que podia, obviamente que podia. “Vou contar-lhe a minha vida. Oxalá não chore”. Fiquei embasbacada. Apeteceu-me responder que não, que não contasse a sua história, uma história com mais de setenta anos, mas, delicadamente, dispus-me a ouvir.

E ela foi contando… Falava de tristezas, de incompreensões, tantas vezes com as lembranças a ameaçar desfazerem-se em pranto e eu umas vezes a ouvir em silêncio, ou aventurando uma análise positiva sobre o que dizia, outras aliviando a carga emocional do revelado com algum comentário divertido, não sobre o que dizia, não fosse magoar a senhora, mas estabelecendo qualquer analogia com cenas diferentes, mesmo da minha vida. “Ah! Mas julga que só acontece consigo?” E contava uma qualquer história – o que há mais na vida das pessoas são histórias semelhantes – que interpretava de forma jocosa para que acabássemos rindo. Ao fim de duas horas (fora para a aula de dança e faltara), aliviada a tristeza ela ria mesmo. “Fez-me bem falar consigo”.

Tive reunião a seguir e não pensei mais no assunto. Os órgãos sociais de uma associação em início de atividade, têm muito com que se preocupar, mas, chegada a casa, no silêncio da noite, recordei a cena sem me furtar à análise. Que fizera eu senão olhar os factos narrados de forma diferente? Que fizera eu senão olhar os factos pela perspetiva da “garrafa meia cheia”?

Repetia a forma verbal “olhar” - e a minha avó Isabel, ali, a materializar-se: “Se o teu olhar for límpido…” Será que foi? Gostaria de ter ajudado a encontrar respostas; não a adiar questões.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

OS MELHORES BEIJINHOS


Precisava de ir à Almoinha Grande, local que hoje todos identificam como Nova Leiria, privilegiando o nome da urbanização e não o do local. Enfiei-me no carro e desci a ladeira. Estacionei no parque próximo e fiz-me ao que ia.

Chuviscava e o pé dorido não permitia que as condições de marcha fossem as melhores, mas apetecia-me caminhar à chuva. Feito o que me levara ali, dirigi-me devagar até aos Jardins do Lis. Precisava de comprar uma lembrança para a G. que fizera anos no sábado e que eu iria encontrar, para o chá habitual, nessa tarde. Decorria aí, à semelhança de tantas outras vezes, a Feira do Livro que a Livraria Letras e Livros costuma promover, oferecendo a quem adquire livros, um desconto de vinte por cento.

O livro estava exposto na vertical, meio aberto e chamou-me de imediato a atenção pelo elefante azul que ilustrava a capa. Há algum tempo que amadurece na minha mente uma história, que a timidez não tem força para escrever: “O elefante azul e a formiga rabiga” (pelo menos já tem título e personagens definidas). Sorri e avancei… “Os Melhores Beijinhos”: o título saltava à vista, letra num dégradée de tons quentes, com corações a substituírem as pintinhas dos ii e o elefante azul, enorme nas orelhas abertas (nem cabe todo na capa), atento, vertendo ternura com a tromba, arredondada sobre o animal que nela se senta – uma ave? Sei lá qual… Um pinguim? A imagem transmite ternura, aconchego, proteção, pois a tromba do elefante, com o auxílio da orelha direita sugere uma caixa, em que a suposta ave, alegremente se instala. Os três pequenos corações desenhados nesse espaço, reforçam a ideia. Quase sinto o leve movimento da tromba! Apelo inconsciente à proteção do útero materno, acolhedor e não sufocante, porque os diferentes cambiantes de cor, mostram que o espaço é aberto. Quando não precisar de mimo, a ave poderá saltar do embalo daquele baloiço aconchegante e fazer-se à vida. E só com a imagem da capa, a ilustradora fizera-me capitular. Eu estava rendida de encanto, de ternura. Apetecia-me o livro.

Olhei a contra capa. O elefante estendia-se por lá e, ainda assim, não estava completo. Era mesmo o “meu” elefante, enorme, de porte poderoso, inabalável, mas ternamente condescendente com a tal formiga, irrequieta, rabiga… vivendo há algum tempo no meu cérebro, só lhe faltava sorrir, como o "meu" sorri. “Todos precisamos de beijinhos, por isso haverá coisa melhor que um livro cheio deles?” A sintaxe poderia não ser das melhores, mas a questão era feliz. "...este livro tem beijinhos para toda a gente.” Então vejamos… E dispus-me a folhear o livro…

Beijinhos… beijinhos… “Beijinhos inesperados que te fazem feliz.” “Quem gosta de dar beijinhos? ... E tu, Não queres experimentar?” E todos gostam de dar beijinhos… “Os enormes elefantes também” E as letras garrafais com que a ilustradora escreveu “os enormes” a tornarem ainda maior aquele elefante que não cabe em duas páginas. O “meu” elefante! Sim, eu sei de um elefante azul… Só não sei se ele gosta de dar beijinhos… Sorri e fui sorrindo e não parei de sorrir até…

O fim: “tive estes beijinhos todos…" numa panóplia colorida de duas páginas de bicharada, “mas os melhores do mundo” - e a ilustradora utilizou o negrito -  “são os teus beijinhos!” E o André, com quem eu passara o fim de semana num terno arrolo  e fazia sete anos nesse dia, aos pulos no meu peito. A Rita ainda não sabe dar beijinhos. Só recebe. E tantos… Larguei o livro e saí dali.

Procurava a prenda para a G. que ainda não encontrara. Ao fim de alguma demanda por coisa sugestiva de preço módico, adquiri-a. Estava de regresso ao carro e a casa, evidentemente. Voltara a chover. Encaminhei-me, de novo para o centro comercial Jardins do Lis e adquiri o livro para o André. Ele já está na fase das lutas dos “Gormiti” e eu este ano, optara por oferecer-lhe Bay Blates, no aniversário, pois ele perdera os seus num péssimo “negócio” que realizara na escola. O pai e a mãe não lhe davam outros para que aprendesse a cuidar do que possuía, mas consentiram que a avó os oferecesse, como prenda, para sarar a dor que o afligia.

Então porquê o livro? Porque o André há de crescer. E há de “partir a cara” na vivência dos afetos. Acontece a todos… Crescer dói. Para uns mais do que para outros, por conta da sensibilidade. A ele vai doer muito...  E depois de se crescer, dói a vida… tantas vezes… É agora que tem de sentir (repare-se: não escrevi aprender) que os seus beijinhos são os melhores do mundo, para alguém, nem que seja simplesmente para a avó Belita. 

Até eu gostaria de receber este presente.

"Quero um beijinho ao pequeno almoço, para começar o dia a sorrir. E um beijinho de boas noites antes de ir dormir."


Joana Walsh e Judi Abbot, Os Melhores Beijinhos, Civilização Editora, Porto,2010

domingo, 25 de novembro de 2012

UMA HISTÓRIA DA CAROCHINHA


Estava uma tarde chuvosa, que convidava ao conforto. A noite anterior fora mal dormida. Dores no pé torcido e na pele que faltava no joelho acordaram-na frequentemente. Considerara mesmo a hipótese de uma ida ao hospital quando fosse manhã, mas depois levantara-se “ora, tu aguentas… já te aconteceu pior” e, enfiada na meia elástica, ficou-se naquele triste consolo do irremediável. Teria de esperar para que passasse.

Apeteciam-lhe palavras redondas, pequeninas, sussurradas, numa mistura de afagos inocentes. Apetecia-lhe mimo.

O dia foi-se cumprindo com as limitações óbvias e, à tarde, antes de partir rumando afetos, foi à conferência. Só o seu olhar estético se debruçara sobre o tema, seria interessante saber algo mais para além disso.

Tropeçou num sorriso luminoso, daqueles em que apetece mergulhar, como diz o poeta e que afagam a alma, digo eu, a narradora, porque ela não disse nada. Deleitou-se. Apenas.

“Quando é que esta atividade se transformou em arte?” Eis a questão interessante. Considerou: a forma “transformou” fala de um processo longo, demorado. Se fosse um brasileiro a falar diria “virou” e a noção de tempo seria outra: em vez de privilegiar o gesto repetido, a aprendizagem da perfeição, focalizaria o momento criador, o raio de luz, a ideia luminosa, a exaltação do nascimento… “Como as palavras nos espartilham!” Reconheceu…

Fechou os olhos. A voz tinha cambiantes graves de tonalidades que apeteciam, deixando adivinhar, sem exaltação, o prazer que o tema proporcionava ao homem que tinha à sua frente. “Lê-me poemas e conta-me histórias de encantar.” Corrigiu: “Lê-me só os poemas. A encantar estás tu, aqueles que te ouvem aqui.”

Apeteciam-lhe palavras redondas, pequeninas, sussurradas, numa mistura de afagos inocentes. Apetecia-lhe mimo. Não tinha. Ponto final.

Abriu os olhos. Ah! Não fossem pensar que dormia, só porque se deleitava na escala musical da voz que ouvia. Continuou atenta e brincou para o lado.

Depois partiu. As obrigações não lhe permitiam ficar até ao fim.

Na rua a verdade era outra. Era nua e cinzenta, naquela tarde de outono. Aristótles martelou-lhe o cérebro, numa lógica da treta “as palavras redondinhas são para quem as merece; se não as tens; é porque não as mereces.”

Já se viu um pé torcido e um joelho esfolado transformarem a gata borralheira em princesa de conto de fadas? Que mau feitio! Exclamarão alguns. Nada disso. É só uma observação da narradora, que não se furta ao sarcasmo que altera o rumo da história.

Esquece e faz-te à vida!

Enfiou-se no carro e partiu. “Ah! Aquela música não. Hoje prolongaria a tortura.” Parou sem reparar aonde. Felizmente, não havia trânsito… Mudou o CD e seguiu viagem…

Começou a chover…

A escuridão abateu-se sobre a lonjura e choveu mais, ainda mais. O céu desfazia-se lastimando o seu desconforto de alma.

Sempre fora assim: resistia tão bem à dor, que ninguém reparava na sua fragilidade.

A pele que faltava no joelho continuava a doer e o pé… o pé também.

Morrer há-de ser pior.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

SONETO DA FIDELIDADE


De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes, "Antologia Poética"

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

TODA A POESIA É LUMINOSA



Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chega


Eugénio de Andrade

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

ABRAÇO

Graça,
Domingo fui a Lisboa e dei-lhe um abraço teu.


Lisboa mandou-te um beijinho.
Aqui vai: Chuap!

SE EU FOSSE...

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

SELOS

Já me contemplaram com alguns (poucochinhos) selos, mas eu "informático-excluída" para estas coisas da NET, não soube publicá-los na minha página. 

Hoje, espreitei no "Picos de Roseitra Brava" e descobri que Graça Sampaio tivera a gentileza de nomear para este. Vai daí, fiquei muito agradecida e tentei copiá-lo. Parece que foi um momento de inspiração, pois consegui.

Muito obrigada, Graça, pela tua gentileza. Não sei se mereço, mas gostei que te tivesses lembrado de mim.
Bem Hajas!

Beijinho

sábado, 17 de novembro de 2012

MEMÓRIA


Há dias, quando referia o facto de já me esquecer de coisas impensáveis, uma colega, com quem trabalhei alguns anos, comentou: “então, agora é mais feliz”. Eu anui sorrindo mas, quem participava na conversa, não mostrou entender e a minha amiga tentando explicar-se aos outros, interpelou-me: “não costumava dizer que a memória não a fazia feliz?” “ Pois, mesmo com tanto esquecimento, a memória ainda não é suficientemente seletiva” brinquei.  

Detesto a memória. Não me refiro à capacidade de aquisição que me permitiu decorar em duas horas o livro de trigonometria; em três, o conteúdo do manual de Didática da História; em quinze dias toda a matéria, de que não percebia nada, da disciplina da Contabilidade de um semestre, nos meus tempos de Liceu, Magistério e, mais recentemente, de ESTG; nem sequer refiro a capacidade de armazenar os conhecimentos (consolidação), ou a falta dela; refiro isso sim, a capacidade de evocação.

Nada tenho contra o somatório de vivências que fizeram de mim quem sou, nem contra a forma como o meu cérebro o processou; contudo, nutro uma raiva surda contra a forma como é, por vezes, recuperado. Parecendo contidas sob pressão, as instâncias episódicas explodem no plano consciente, sem que consiga conter a corrente e deixam-me sempre fragilizada.

Hoje aconteceu. Os deuses estavam contra mim.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

TARDE DE TERÇA-FEIRA, TREZE


Depois de almoço, quando saía de casa, não pretendia passear pela margem do rio, mas levava comigo uma vontade irresistível de me deliciar com a paisagem.

Havia pegado na máquina fotográfica, descido as escadas e enfiado no carro, na firme disposição de ir a pé, pelo Marachão, o caminho mais longo até ao Centro Cívico, para cumprir as minhas horas de voluntariado.

Parei o carro junto às piscinas, como habitualmente, só que em vez de caminhar em direção à  Ponte Europa, virei para a cidade.

Fiz o primeiro registo.


Há muito tempo que não nos cruzávamos. Aconteceu: "Posso oferecer-lhe uma coisa para ler?" "Claro que pode" - respondeu o meu melhor sorriso, à vista da pagela. " A senhora é tão simpática! Posso oferecer-lhe também esta revista?" pergunta a amiga. "Com certeza!".

E segui carregada com aquela literatura que remetia para a Bíblia (aviso das senhoras- apóstolas de Jeová), dobradinha no bolso da parka que transportava no braço, à espera de um caixote de lixo distante, que não lhes entristecesse as feições.

O sorriso, às vezes, prega-nos partidas.




"Será que vou encontrar o monge budista, na camisa de xadrez azul com a gravata amarela? Será que hoje veste a camisa de xadrez verde com a gravata castanha? Por que chão estenderá agora os livros que não vende?" Saberia depois, que não. Ainda não foi desta.


Passei com habitualmente por baixo da ponte que liga Leiria e Marrazes olhando para o alto, como sempre faço.

E a voz da minha mãe, que tanto se preocupa com as minhas passeatas pelo rio - "vê lá se escorregas e cais à água... " E eu a rir: "Ora, sei nadar!"



Deixei que o casal se afastasse, para fazer o registo, porque me apeteceu caminhar para algum lado que não existe, também assim, com alguém ao meu lado. Quem visse haveria de dizer: "Levava asas leves e brincos na alma" (Alice Brito, As mulheres da Fonte Nova, pág 111)


"No chão, tapetes de folhas secas acusavam a madureza do tempo à espera do Inverno." (Alice Brito, As mulheres da Fonte Nova, pág 175)


E eu sub-repticiamente a caminhar, mal levantando os pés, feita pássaro no movimento que imprimia às folhas.



Olhei para trás... A beleza afirmava-se 



E afirmar-se-ia mais ainda, olhando em frente, à vista do Parque...


E fui andando... materializando o infinito no ponto, ao fundo, com que a perspetiva me enganava. E eu deixava que me enganasse. Estava ali para isso.


 A ponte chinesa, a minha preferida. "Justapõe-se" dirão alguns... e daí? Que leveza!


Olhei para o lado. Gosto de olhar em todas as direções. Os referentes ajudam a fixar a rota.


E a vida, força a acontecer em qualquer lado, inegavelmente, com um pingo de água e uma réstia de sol. Somos iguais: basta-nos pouco para desabrocharmos...



Praça Eça de Queiroz... As horas cumpriram-se...


 Um olhar à esquerda, naquele fim de tarde. 

E à direita...

E aquela sensação de liberdade mesclada de ausência a percorrer-me o corpo, trouxe-me de volta.



terça-feira, 13 de novembro de 2012

FESTA DA CASTANHA - MARVÃO

Sábado, dia 10, um grupo de amigos partiu de Leiria com destino ao Marvão, cerca das sete horas e quarenta e cinco minutos. A finalidade era a Festa da Castanha.

Primeira etapa: Belver. 
Esta visita não fazia parte do programa, mas o A. lembrou-se: "Estamos aqui tão perto, podíamos ir a Belver" e fomos.

Chovia, mas não foi isso que nos impediu de subir até ao castelo. 




Esta é a rua D. Sancho I. Rua? Quem diria...
Era aqui que D. Sancho treinava as tropas: obrigava-os a subir e descer a "rua" em passo de corrida. Assim como é mentira poderia ser verdade...

O castelo estava fechado, mas isso não nos impediu de apreciar a fabulosa paisagem: o Tejo meio enevoado, serpenteando indiferente à beleza com que nos fascinou.

A melhor característica das subidas é a descida, quando regressamos ao ponto de partida...
Acabavamos de descer a escadaria, cita rua de D.Sancho I, apareceu um senhor muito simpático com a chave do castelo, disposto a mostrar-nos a fortificação: "Ah! Eu não fiz mal a ninguém! Já não volto a subir" e ninguém subiu...

 Chovia copiosamente e eu sem chapéu de chuva... encaminhei-me para a Igreja Matriz.

 Ah! Se fora vermelha, pensar-me-ia em Londres.

 Nossa Senhora da Visitação. A imagem tem cabelo natural, circunstância que me impressiona. Não acho nada interessante a ideia...

Santa Luzia, vela pela boa visão de todos. Será por isso que a terra se chama Belver? - Muito gosto de inventar tolices...

 E na sacristia (sim , não deixo nada por ver) em cima de uma mesa, um lindo centro em crochete, como se pode apreciar pelo pormenor.

Toda molhada e os outros pouco melhor, regressámos à camioneta: Sr. motorista, posso pendurar o meu casaco na sua cadeira?" E referia-me à parka de penas com que de manhã me enchouriçara, prevenindo o frio - "então não pode?! O casaco cheira tão bem!" - Apeteceu-me responder que tomara banho por ser dia de passeio, mas limitei-me a um "obrigada" acompanhado de um sorriso.

Segunda etapa: Castelo de Vide
Almoçámos e dispusemos de algum tempo para passear.

 À saída do Centro da INATEL, onde almoçámos, fiquei intrigadíssima com as flores do arranjo: Serão naturais ou artificiais?" E vá de tentar descobrir, mas houve uma amiga que não me perdoou a curiosidade e registou-a...

 A MC quis ir à loja dos amigos. Fomos e calhou-me fazer a passagem de modelos de chapéus para que as interessadas vissem o efeito...

 Mas a C, a B e o marido e eu queríamos ir à judiaria. "Para aí Isabel, para registar o momento"

 Calcorreámos ruas e mais ruas...

 Apreciando tudo o que se oferecia ao nosso olhar curioso...

 E quando olhávamos para trás, não resistíamos a fixar a imagem.

 Mais um trecho bonito..

 Aqui não resistimos a um olhar indiscreto...

Também subimos ao castelo.

"Venham cá meninas que vocês não sabem o que isto é."

 Era para vermos o aquartelamento. Afinal até sabíamos o que era...

 Algures o brasão de D. Dinis...

 Tudo tão verdejante!

 Onde está o gato?

 E o canário à janela a ver-nos passar...

 Namorei janelas bonitas...

 Outra, tão bela!

E não deixei de admirar a paisagem urbana por este ângulo à saída do Castelo, junto ao monumento a Salgueiro Maia.

 Nós bem empurrámos, mas a porta não cedeu...  

 Que festa quando encontrávamos os outros!

 Que seria que atraiu a curiosidade das fotografas?

 Momento de miminho, no colo da mãe...

 E despedida a Castelo de Vide, com a sinfonia do violinista que quebrara o arco.

Ah! E as rosas...

Terceira etapa: Marvão - Festa da Castanha

 "Meninas, vamos lá a mexer as perninhas. As castanhas estão a arrefecer... "

 E logo à entrada, a hipótese de se escolher o meio de transporte novo para voltar a casa...

 E esta exposição de produtos? "Linda" mistura... O senhor da banca também era muito interessante. Tinha ar de estrangeiro. Tirei-lhe uma foto, mas não ficou em condições de publicar.

 E, finalmente, as castanhas. E há várias espécies de castanhas: camarinha, judia, longal e nem sei que mais. Eu pensava que havia castanhas e ponto final. Que rústica!

 E os nabos? Nunca vira tão grandes!

 Passeámos, passeámos...

 
Cumprimentámos o ouriço cacheiro.

E aqui?!Já tinha castanhas. Resolvi prender o burro.


E não é que a estrela de Belém , também foi à festa?!

Havia três cabeçudos...


 "Olhe que eu já vi uma mulher morrer à espera que começassem a tocar, para vos tirar uma foto" "É para já!" E foi...

E tocavam bem. 

 Mesmo muito bem!

 E esta hem?

Tantos a procurar e afinal é em Marvão... 

 E a coragem da A.?! Sapatinho de "ir ao figo" no empedrado do dia...

 Andei, andei mas não perdi o Norte.

 E os cavalos?! A ternura da infância a cair-me em cima... Quantas cavalgadas sem fim em bichos semelhantes, comprados, então, na Feira de Março?! 

Do alto da muralha, espreitámos a festa. Este pavilhão era onde atuavam os artistas. O nome de cartaz era o José Cid.
À esquerda, vê-se o primeiro assador de castanhas por onde passámos. Funcionava assim: numa tenda situada perto, compravam-se as canecas para o vinho e as senhas para o dito e para as castanhas, depois as senhas eram trocadas pelos produtos, junto dos colaboradores do assador de castanhas.
Quando espreitámos, o assador dizia: "Não há castanhas. Estão a assar. Quem tem pressa vai a outro lado, que há aí mais magustos" Não falara para nós, mas o recado serviu-nos. O homem costumava ser simpático uma vez por ano e já tinha sido, antes de chegarmos.

 E o sol a fazer inveja, brilhando lá por terras de Espanha...
Era hora de partir. E à saída: "Então as senhoras vão embora sem ver o José Cid? Olhem que ele vai já atuar" "Pois! Vamos perder o espetáculo e o autógrafo. É a vida!" E vá de rir...

 Gente e mais gente... Muita muita gente. Se a necessidade aperta... Palavras para quê? É Portugal no seu melhor!
E vá de esperar que o autocarro chegue, para o regresso a casa.

A Festa da Castanha ficou vista. A Marvão (há quantos anos não iria lá?) voltarei quando calhar, mas sem confusões...