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segunda-feira, 20 de maio de 2013

360º


A viagem foi de 360º, metade destes percorridos pelos portugueses e a outra metade pelos espanhóis. Foi sábado na Fundação Calouste Gulbenkian.

Comecei por maravilhar-me espetando o nariz em cada expositor namorando cada objeto, como uma criança manipula os materiais com que pretendemos que a seguir trabalhe. Encantei-me com o pormenor dos primeiros desenhos científicos: do primeiro ananás, do primeiro tatu, da manga, da noz-moscada e maravilha das maravilhas, com a carta náutica de Pedro Reinel, a primeira feita à escala por um português e que, vá lá saber-se porquê, nunca aparece nos nossos compêndios de Geografia, que sabia que existia e nunca tinha visto, tal como o globo terrestre de Manuel Dias e Nicolo Longobardi, oferecido ao imperador chinês, como prova irrefutável de que a terra é redonda. Demorei-me o tempo que me apeteceu para absorver a magia de cada objeto e quando dei por concluída a tarefa, voltei ao princípio. Usufruir do tempo é a sorte de quem chega cedo.

Feita a visita a meu bel-prazer embarquei na visita guiada. Ao leme, o comissário da exposição, Professor Doutor Henrique Leitão. O entusiasmo do timoneiro era contagiante e os 360º fizeram-se sem que nos apercebêssemos como aconteceram.

Como gosto de entender a engrenagem das coisas, ainda tive oportunidade de ouvir como foi concebido o projeto e ficar a saber, pela responsável da montagem da exposição, que sendo esta concebida como um lego, facilmente poderá ser deslocada, para outra cidade.

À saída, a amiga que me acompanhava comentou: “a partir de hoje vou olhar os estrangeiros bem de frente. O que fizemos pelo mundo!”. Ri-me. “Andam tão empenhados a convencer-nos que somos lixo que até nos esquecemos que já fomos os maiores.”

Recomendo uma visita guiada à exposição que se manterá na Gulbenkian até dia dois de junho. Faz bem ao ego lembrar a memória coletiva, para não esquecer o que é ser português: sonhador e poeta, viajante curioso e arrojado cientista senhor do mundo.




O folheto explicativo da exposição



 O espaço está dividido em seis momentos:

I – O SABER PELA PALAVRA;
II – O ESPANTO E A NOVIDADE;
III – DO MEDITERRÂNEO AO MUNDO NOVO;
IV – CADA ESTRELA É UM NÚMERO;
V – PLANEAR A GESTÃO DO SABER;
VI – DO MUNDO NOVO UMA CIÊNCIA NOVA.






Carta Náutica de Pedro Reinel - o primeiro mapa feito corretamente à escala





O globo terrestre de Manuel Dias e Nicolo Longobardi oferecido ao imperador chinês, onde estão marcadas as rotas trilhadas pelos portugueses. Prova irrefutável de que a terra é redonda (à época, na Europa não havia qualquer dúvida desse facto, mas na China ainda se admitia que a Terra era plana)

E o astrolábio que possibilitou o conhecimento científico ao homem comum.






Primeiros desenhos científicos de frutos, animais e plantas


Catálogo da exposição

domingo, 19 de maio de 2013

VIAGEM


VIAGEM

Persegue-me na noite a voz do impossível,
Rebentam-me aos ouvidos as ampolas de sangue.
Avanço devagar para a hidra intangível
Que dorme no horizonte do lado do levante.
Fascinam-me o mistério do seu rosto sem nome,
O muro de silêncio que a separa de mim,
A jornada no escuro, os perigos, os escombros,
As barreiras de sombra a que vou pondo fim.

Avanço devagar para a hidra que dorme
O seu sono latente na véspera de mim.

E percorro países como esqueço palavras
E atravesso rios como desprezo leis
E pairo nas alturas com as costas voltadas
Aos séculos de pasmo que para trás deixei.

Avanço devagar para a hidra que dorme
O seu sono de pedra num abismo sem fundo.

É a hora em que a terra não gira,
Em que o vento não corre.
É o tempo do homem descobrir o mundo.

José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, 14 de maio de 2013

AMOR-PERFEITO

"Poema" suspenso na minha varanda virada a norte.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

CANSAÇO




Hoje aconteceu o primeiro ensaio da peça “As Mulheres no Parlamento” de Aristófanes, no espaço onde será representada, pelo grupo da SEMPRAUDAZ, no dia dezoito de junho, pelas quinze horas: o palco do Teatro Miguel Franco.

“Falta de ritmo” – ralhou a encenadora – “adaptação ao espaço” – sugeri, e acabou o ralhete. 

“Meninas – sussurrei às outras – com os ensaios que temos somos umas grandes artistas” – e sorri bem-disposta para desanuviar o ambiente.

E repete… e repete… e  repete…

Ah! Apetecia-me ser gaivota para planar esquecida, num céu azul sem nuvens.

sábado, 11 de maio de 2013

FUI AO JARDIM

Fui ao jardim do António roubar flores. O "meu sítio" andava tão tristinho...









Digam-me, estas rosas não são uma maravilha? Gosto tanto de rosas amarelas que não resisti...
Custaram-me uma corridinha e um susto. Fui ao "Dispersamente" http://dispersamente.blogspot.pt/, apanhei o António distraído... e aqui estão as flores... Lindas!

quinta-feira, 9 de maio de 2013

JUSTINE


 “Primavera em Paris”: lembro-me vagamente das personagens do filme: Gisèle e  Pierre. Recordo ainda o furo na roda da bicicleta e de algumas peripécias de enamoramento que à mistura com a paisagem escolhida como fundo para essa comédia romântica, puseram Paris no meu imaginário de pré-adolescente. Ah, mas Gisèle, não! Eu tinha uma amiga no Liceu de longas tranças que se chamava Gisela. Gostava da amiga, mas não gostava do nome. Justine… Eu achava que se fosse francesa teria de chamar-me Justine. E o meu cérebro sonhava a brisa daquelas semivogais, seguidas da vogal muda, soprada ao meu ouvido por algum cavaleiro andante, o tal do cavalo verde, que havia de aparecer na curva do caminho: Justine… Justine… Justine… Não havia nada mais melodioso e as folhas das árvores tremelicavam e os passarinhos chilreavam num céu azul luminoso. Tal e qual como num conto de fadas…


Esta manhã, acordei, pouco passava das seis horas. A claridade entrava pela persiana mal fechada da janela do meu quarto e eu senti que tinha um sorriso nos lábios. “Devo ter sonhado com Paris”, pensei. Também eu fora numa primavera a Paris. Na verdade, durmo sempre tão profundamente que só sonho acordada. Ah, e é sempre hora de sonhar… Saltei da cama, fechei a persiana e voltei a deitar-me…

Justine fingindo-se adormecida esperava que a brisa soprasse ao seu ouvido…

Foi a chave na porta que me alertou... O cavalo verde? Não. Eram oito horas, a Carma chegava para mais uma manhã de limpezas… 

terça-feira, 7 de maio de 2013

ANJINHO



O pai diz que sai à avó… mas ela tem duas. Não se sabe a qual…

A mãe garante que está velha, muito velha…

O irmão exclama: “Ai, ai, D. Rita!” E toda a gente corre. Há asneira pela certa! E da grossa… No mínimo, trepou a algum sítio estranho do qual se prepara para voar…

Cá para mim, acho que já não falta muito, para ganhar em tempo ao tio F. a correr no molhe de Peniche, com os olhos fechados, para não ter medo de cair à água.

É um anjinho de caracóis ruivos. Pois então! 

domingo, 5 de maio de 2013

OBRIGAM-ME


NOTA PRÉVIA
Há dias, numa qualquer madrugada, publiquei o pequeno texto que se segue. De imediato recebi ordem de um amigo de que o apagasse.

O meu amigo, um conhecido intelectual cá do sítio, com obra dada à estampa e prémios literários no currículo, é daqueles de que não me consigo livrar, nem quero (confesso em abono da verdade), há mais de meio século, com tal ordem levou-me a concluir o que eu já desconfiava: “O texto é pouco ortodoxo.” E lá entrámos nós numa conversa no chat no Facebook, que eu, para além de adorar conversar até sobre coisa nenhuma, também gosto de trocar opiniões sobre algo oportuno.

Afinal estava enganada. O meu amigo achou o texto engraçado e pretendia que eu concorresse com ele a um concurso de “short story” que está a decorrer, facto pelo qual o dito texto não poderia ser publicado, pois a concurso só seriam aceites textos inéditos.

Fiquei deveras sensibilizada com a simpática ideia do meu amigo e mais ainda com a confiança que mostrou depositar nos meus hipotéticos dotes de escrevinhadora, mas já me dou por feliz com a alargadíssima meia centena de pessoas que por aqui me lê (tantas vezes mais que cinquenta… outras vezes menos…). Acho que, mesmo dos que não conheço, já sou um bocadinho amiga. Chega-me a vossa simpatia. Por isso o texto aqui está. Não preciso de tentar qualquer outro reconhecimento.

OBRIGAM-ME

Fui à depilação. Ritual que de vez em quando as mulheres cumprem, felizmente para mim, muito “de vez em quando”. Muitos sorrisos, muitos cumprimentos, beijinhos e todas aquelas gentilezas a que Ana me habituou: ”Já tinha saudades, não a via desde Janeiro” “Pois aqui me tem, aproveite e vingue-se da ausência”.

Lá fui para o gabinete decorado agradavelmente e aquecido, usufruindo de música ambiente. Chega Ana e começa a desempenhar o seu trabalho… “a senhora, que é tão moderna, deveria fazer uma tatuagem, agora usa-se”. “Tatuagem não. Sou incapaz de sofrer até mesmo uma picadela de alfinete para ficar mais bonita, mas se tiver uma caneta de feltro, não me importo que desenhe um coração e escreva aí: amor de mãe”

Eu não quero dizer tolices, mas obrigam-me…

sábado, 4 de maio de 2013

APETECIA-ME


Hoje cheguei ao Lar e a minha mãe estava nas instalações sanitárias. Enquanto aguardava dirigi-me ao bar. A D. Irene, a voluntária que aí faz serviço, justificou o fim da conversa que mantinha com um utente fora do local de trabalho:

- Vou atender esta senhora, que nem sei quem é - depois riu-se e acrescentou - só nos conhecemos há quarenta e um anos.

- Impossível - declarei eu – só tenho trinta e cinco de idade.

- Mas a sua filha mais velha deve ter um pouco mais.

Rendi-me à verdade dos factos. A D. Irene, uma mulher da minha idade, era funcionária da Escola do Magistério Primário de Leiria quando aí fui colocada como professora, mudou-se depois, tal como eu para a Escola Superior de Educação, voltei a encontrá-la quando como aluna frequentei o curso de Solicitadoria na Escola Superior de Tecnologia e Gestão e não sei por que sortilégio persegue-me ainda, no Lar Emanuel, onde já aposentada, faz serviço voluntário.

A minha filha mais velha e o seu são da mesma idade, pois na altura em que nos conhecemos, estávamos as duas irremediavelmente grávidas. Hoje, ela só não lembrou o meu vestido amarelo. Eu tive no verão em que a minha filha nasceu, um vestido de linho amarelo, enfeitado a azul, comprado em Madrid (tempos idos em que havia dinheiro para ir a Madrid, agora nem há para comprar um vestido), que eu usava bem curto, apesar da enorme barriga, equilibrada em cima de uns sapatos brancos às tirinhas, compensados e altíssimos. Se eu caísse do alto dos sapatos, morria antes de chegar ao chão… Aos vinte e um anos eu era uma rapariga elegante e engraçadota (a modéstia é uma coisa maravilhosa…) apesar da barriga estilo bombo de festa e o vestido amarelo era mesmo bonito e sobretudo, embora de grávida, fora do vulgar. A D. Irene sempre que refere esses tempos costuma dizer com voz ternurenta “parece que ainda estou a ver a senhora com o vestido amarelo”, mas hoje escapou-lhe e eu tive pena que lhe tivesse escapado.

Apetecia-me o mimo…


quarta-feira, 1 de maio de 2013

IRREMEDIAVELMENTE VERDE


“Sou uma mulher em verde. Verde de verdade, porque a verdade, por síncope da sílaba intermédia, é verde e verde de esperança, porque sendo a esperança o sentimento de quem tem como possível aquilo que deseja, de quem confia numa coisa boa, para mim nada é melhor que a verdade, utopia dos que, tal como eu, sabem que mais não possuem que factos verdadeiros e mesmo esses sujeitos à subjetividade de quem os testemunha…”

Foi assim que iniciei a minha intervenção, num jantar a que compareci a pedido da minha deputada preferida e por impedimento desta. Ali havia entrado muda e dali pretendia sair calada. Aconteceu porém que o senhor ex-ministro da educação, de um governo socialista, palestrante naquele jantar de R. acusara os professores de tantos dos males vindos ao mundo, quiçá de muitos outros que já se adivinhavam, que eu não resisti. Confesso que a minha intervenção, profundamente dorida, mas nem por isso menos assertiva, deu um rumo diferente àquele a que a palestra conduzira os ouvintes e as intervenções alongaram-se bem mais do que se previra.

Há dias escrevi que a esperança não se herda e fiquei a pensar no assunto. De onde vem a minha? Se a cultivo aonde vou buscar a semente? E recordei-me desta intervenção.

Embora gostando de chamar as coisas pelos nomes, de ferozmente fazer por elas, enfrentando as situações de peito aberto, qual “gata assanhada” (expressão que ainda esta tarde foi usada para me chamarem à ordem), pretendo sempre que tudo se resolve a contento, chego a ser irracionalmente crente nas soluções ao ponto de não vendo saída, pensar “Deus providenciará”. Depois, filha de meu pai e herdeira daquele detestável humor cáustico que o caracterizava ser incapaz de prescindir da questão: “Como é que Deus se irá safar desta? Será que tem gente suficiente a despachar por minha conta?” Não sei quantos serão a despachar por minha conta, mas estou em condições de garantir que Deus sempre providenciou e acredito que, quando me vir aflita, voltará a providenciar.

E, face ao exposto, sou obrigada a concluir que a culpa é de minha mãe. Em pequenina deixou-me cair na Arca de Pandora quando lá não restava mais do que a esperança. Quando me tirou eu estava contaminada e sem cura, irremediavelmente verde.