Porquê "HORIZONTE SEM HORAS"?
Gosto de me passear por uma paisagem larga, com água por perto. Usufruindo da beleza que me cerca, estruturo o pensamento na mistura de sons e cheiros de que as manhãs são férteis.
Sim! Gosto de caminhar de manhã, como se possuísse o tempo. Não aquele que se convencionou medir pelo relógio mas o meu, feito de vagares, de esperança, de magia...
Perfizeram-se ontem, precisamente ontem, dois anos que Saramago faleceu. Lembrando o nosso, mundialmente reconhecido,
maior nome da literatura, decidi aceitar o convite de uma amiga para assinalar
a efeméride, em Lisboa.
Fomos no expresso das catorze e
quarenta e cinco e à chegada apanhámos o Metro. Queríamos visitar a
Fundação José Saramago, sita na Rua dos Bacalhoeiros, aproveitando a entrada
gratuita, que se mantém até ao fim do mês.
Subimos a escadaria de mármore
branco e passeámo-nos pela exposição, onde a simplicidade de mãos dadas com o
bom gosto nos fez esquecer o tempo. A espaços, pelas janelas largas, um olhar
sobre o Tejo, ali tão perto, onde vaidosamente se mirava o fim de tarde alfacinha,
misturado com a música de gosto duvidoso vinda do palanque montado em frente, a
lembrar os Santos Populares. Estávamos na Freguesia de Santa Madalena.
Quando decidimos sair, as dezoito
horas já tinham passado há muito, a Fundação estava encerrada, mas ninguém nos
apressara e ainda nos agradeceram a visita.
Eu saí maravilhada. Ao conhecimento
de Saramago nada acrescentara, mas a recuperação do edifício tem a grandeza da
memória que alberga. Lembro-me da polémica de se ter acrescentado um andar à
Casa dos Bicos. Eu acabara de visitar quatro andares onde as transparências
usadas, interrompendo tantas vezes as paredes brancas, sem esquecer as cetárias, não fosse faltar a salga ao bacalhau… davam uma sensação de amplitude para mim inconcebível.
A simplicidade, como pressupõe
uma longa caminhada de avanços e recuos de pensamento, de raciocínios, de análises,
é a manifestação perfeita de inteligência e eu fico sempre extasiada perante a obra
da conceção, que, tantas vezes, mais adivinho que vejo. E reduzida à ínfima
espécie, modestamente confesso, por me reconhecer incapaz da grandiosidade da criação.
À saída, mesmo em frente, junto à
oliveira onde foram depositadas as cinzas de Saramago, o grupo começara a
juntar-se. Quando estávamos todos, distribuíram-se os copos, abriram-se as
garrafas de bom tinto: “A Saramago e a nós” e começaram as leituras.
Houve registos fotográficos.
Como, imperdoavelmente, não levei a minha câmara, terei de esperar que me
enviem as fotos.
Seguiu-se o jantar e animada
tertúlia. O bacalhau com grão, o entrecosto e os lombinhos de porco foram
saboreados ao som das palavras de Saramago que iam sendo lidas pelos presentes.
Acabámos a dançar no arraial, em
frente, a música de Quim Barreiros, satisfazendo o pedido da J.. Nem o V. e o R. se
furtaram a um pezinho de dança, ao ritmo da música da "concorrência" e eu dei comigo a tratar por tu uma professora
universitária que, em tempos de uma alocução no Museu Escolar de Marrazes, me
merecera as maiores mesuras.
Voltámos no expresso das zero
horas e quinze minutos.
As minhas filhas vivem em Lisboa. Quando a saudade me aperta o peito, o que acontece com frequência, vou visitá-las e amiúde queixo-me da solidão que me ensombra os dias.
“Mas, estás só quando?” Perguntam elas. “Se telefono para o número fixo, não estás em casa” diz uma, “se telefono para o telemóvel, vais a caminho de algum encontro, estás num jantar ou em qualquer outro evento”, acrescenta a outra. E eu calo-me. Como explicar a duas jovens aquilo que só senti com o suicídio de duas amigas? Como explicar às minhas filhas, quando eu própria só há poucos anos descobri, que não tinha qualquer tipo de hipótese de alterar a “rotação da terra”, mesmo possuindo uma alavanca de tamanho adequado e ponto de apoio onde fixá-la?
E vou vivendo, o melhor que posso. Umas vezes, entretenho o tempo, outras é o tempo que me entretém. Nada nos ocupa mais, que não termos nada para fazer.
Esta semana aconteceu-me uma daquelas sensações de vertigem como há muito não sentia. Segunda e quarta-feira foram dias calmos, vividos com os rituais do costume: a visita à mãe, o chá com as amigas, os programas de TV… uma ida à dentista, já marcada; tudo previsto, tudo programado com tempo e precisão.
Terça-feira, começou o sufoco. Aceitei o convite de um amigo, de um velho amigo, para tomar um café. Pensava eu que pretenderia agradecer-me o facto de lhe ter corrigido o romance que escrevera, dado que só comunicáramos por email. Engano. Pediu-me que escrevesse o prefácio do livro. “Mas eu nunca estudei literatura, como queres que te escreva o prefácio?!” e lá vim com a incumbência, da qual ainda não sei como vou desembaraçar-me.
Quinta-feira:
Bofá, Senhor, mal pecado,
Sempre é morto quem do arado
Há de viver.
Nós somos vida das gentes,
E morte das nossas vidas;
A tyranos - pacientes,
Que a unhas e a dentes
Nos tem as almas roídas.
Para que é parouvelar?
Que queira ser pecador
o lavrador;
não tem tempo nem logar
nem somente d’ alimpar
as gotas do seu suor …
Gil Vicente aos pulos no Hiperurânio!
Mas… o lavrador era “um rapaz” bem garboso! Andou de arado às costas ali pelo
Teatro Miguel Franco, que isto de lavrar, já nem dá para os tremoços…
Maquilhadora, ponto até entrar em cena. Nada com rentabilizar os recursos!
Sexta-feira: Tarde da música na
Academia de Cooperação e Cultura. Saída, em passo de corrida para a
“obrigatória” participação no ato eleitoral que decorria na sede do partido e, saída ainda em passo mais rápido para a apresentação do livro “O olhar na
construção de O Crimedo Padre Amaro”. Orlando Cardoso, que
apresentou o livro, cativou-nos, mas Ana Margarida Dinis Vieira, a leiriense a
quem se deve a pesquisa, seduziu-nos com o entusiasmo com que nos falou e nos
fez imaginar os olhares de Eça.
Uma palavrinha às amigas “hoje,
não janto convosco. Não há estomago que aguente” e seguiu-se a caminhada até ao
Convento da Portela, depois da recusa de permanecer a vê-las “mastigar” e de as
acompanhar ao Te-Ato onde se estreava “O crime do Padre Amaro”.
Optei pelo
Requiem em ré menor, de Mozart, que nunca ouvira ao vivo, interpretado pelo
Coro de Câmara da Escola Superior de Música de Lisboa, por One Chambrer Choir -
Singapura e a Orquestra Filarmonia das Beiras sob a batuta de Paulo Lourenço,
com a participação de Xiang Ting Teng – Barítono; Joana Nascimento – Contralto;
João Rodrigues – Tenor; Manuel Rebelo – Barítono. O Festival de Música de
Leiria só acontece uma vez por ano e não se podem desperdiçar as oportunidades…
Sábado – Lisboa: O concerto de
José Carreras, inserido na comemoração dos setenta e cinco anos da Rádio
Renascença.
Fomos cedo. O “José” esperava-me…
Jantar no Hotel Olissipo e, de seguida, o espetáculo.
José Carreras começou um pouco
inseguro. Como é possível que isso aconteça a um cantor de tal grandeza?! Mas,
quem já pisou um palco, mesmo só a brincar, entende. O Pavilhão Atlântico não
possui uma sala acolhedora, o público não se sente, está longe, não há calor
humano. José Carreras sentir-se-ia só com a sua voz. E eu queria imaginar que aquela
voz cantava para mim, mas a velhinha sentada ao meu lado esquerdo trauteava as
melodias e até três filas à frente todas as pessoas olhavam para trás, com
olhares reprovadores, “mande-a calar” dizia a amiga sentada à minha direita
“sei lá se quando tiver a idade dela não farei pior” e ela continuou deleitada…
Carreras prostrou-me no início da
segunda parte. Passione, de Nicola
Valente mereceu-lhe uma interpretação fabulosa e, quando a certa altura a meio
da interpretação, por exigências da música o cantor se calou abruptamente, as
notas pareceram ficar a pairar no ar, orientando-se para percorrerem a distância
que as separavam de mim. Absolutamente fabuloso! Até me esqueci da velhota.
Dispensava a Carminho, que tem
uma voz rouca que não aprecio. Não gosto de fado. Gosto de alguns fadistas. A
Carminho não possui voz que fique bonita acompanhada com orquestra e quase não
se ouviu na parceria da interpretação de Ave
Maria, de Schubert, mas esteve bem em Pomba
Branca,de Paulo de Carvalho.
A soprano convidada, Ailyn Pérez,
possuidora de uma voz com a qual partirá os vidros, numa légua em
redor, se se propuser a isso, também esteve fabulosa e a orquestra encantou, nomeadamente quando
interpretou La Boda de Luís Alonso.
José Carreras teve três encores, eu fartei-me de gritar “quero o
José!” “quero o José!”. As minhas amigas brincavam “deixe ir o homem embora” e
o senhor da fila da frente, muito mal disposto reclamava com a esposa “vamos embora, queres dormir aqui, hoje?”
Ia muito alta a madrugada quando
cheguei a casa, com os pés inchadíssimos, cansada de passear pelo Parque das
Nações e sem capas nos saltos dos sapatos. Quem, se não uma louca, vai para
Lisboa, com sapatos de Cinderela?
Ainda não me tinham desinchado os
pés já me telefonava outra amiga “será que ainda não te vestiste? Esqueceste-te
do almoço?” A mãe de um antigo aluno convidara-nos para o almoço, nas
“Tasquinhas da Matodeira”. Comidinha dietética: Sopa da Pedra, seguida de
passeio à Vieira. A Vieira… que nem é a praia de meus sonhos, mas que, há
largos anos, entrou pela porta grande no meu imaginário! Depois apanhámos
laranjas na Lameira. Há quantos anos não comia das maravilhosas laranjas da
Lameira? Tão doces e sumarentas, não há!
Mais uma corridinha, para cumprir
a visita à mãe e ajudar a dar o jantar.
O telefonema de outra amiga “já
aqui estou. Vê se não demoras”. O jogo da seleção! Tínhamos combinado vê-lo na
Praça, na esplanada do Chico Lobo. Eu a ver futebol! “Guarda uma cadeira para
mim. Assim que puder vou” e fui. Levava vestida uma camisola em tons de laranja
e branco. Ralharam tanto que quase voltei para casa!
Jantei a famosa tosta de frango e
bebi chá de maçã/canela. A ligação foi um desastre, mas a seleção ganhou.
Hoje, para começar bem a semana,
vou a Lisboa, mas vou de expresso. Vou à Fundação Saramago, se chegar a tempo,
porque a finalidade máxima é ir beber “Um copo por Saramago”.
Convenhamos: quem começou o ano
com dois pés esquerdos, a gemer pelos cantos, está a convalescer a “cento e cem”
Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
………………………...................
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.
Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.
Dia 31 de Maio, fui ao "Mercado do Livro", evento a decorrer no Mercado de Sant'Ana, ouvir o António Nunes e a esposa, de seu nome Zaida, sobrinha neta de Acácio de Paiva, falarem sobre este poeta leiriense, tão pouco lembrado.
Privilegiou-se muito a crónica social em que Acácio de Paiva é pródigo e relegou-se um pouco para segundo plano a poesia, talvez no sentido de cativar, mais facilmente, o publico presente.
. Porque faltou dizer o que para mim é o mais belo soneto de Acácio de Paiva;
. Porque considero impossível deixar de o referir quando se quer falar de Leiria;
. Porque o declamei, em muitos lados, quando fiz parte do grupo de teatro Trolaró;
Aqui o recordo:
O FEIXE DE CARUMA
O feixe de caruma! Que humildade! São folhas mortas que o pinheiro enjeita, Ou que o vento cruel por terra deita, Que se calam sem dó, nem caridade.
Mas, sendo o sentimento de bondade Aquele que aos humildes mais se ajeita, São para os pobres a caminha estreita, São a vida, o calor, a claridade.
O feixe de caruma! Se Maria Virgem da Nazaré, Nossa Senhora, Tivesse tido a estranha fantasia
(Perdão por esta audácia pecadora) De dar à luz nesta freguesia, De caruma cobria a manjedoura.