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sábado, 31 de dezembro de 2011

QUE VENHA 2012

ANO NOVO

Recomeça…

Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…

Miguel Torga

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

NATAL 2011



Primeiro veio o Feiticeiro Verde e com ar simpático levou o ouro todo. A expressão não condizia com o gesto… mas depois percebeu-se. O Natal não se faz de brinquedos, presentes, doces, coisas materiais… E, lembrou-se o Menino que está na origem de tudo o que muitas vezes esquecemos: o amor, a solidariedade, a esperança, a amizade, valores que foram aparecendo pendurados na Árvore de Natal.
Nem sabemos ao certo quando nasceu o tal Menino e festejamo-lo nesta data independentemente de, tal como diz o poeta, o Natal ser quando o homem quiser.
Mas, não será todo o tempo, tempo de amor?



Este ano, à ceia, éramos só duas, mas o ritual cumpriu-se do mesmo modo. “Convidaste o Regimento de Infantaria, para comer connosco?” “Precisamente. E acabaram de telefonar a dizer que não viriam, preferiam jantar no quartel. Terás de ser tu a comer tudo.”
Calmamente fomos saboreando o menu, até que, a certa altura, a Z. exclamou: “Alto! Isto não me está a saber bem!” “O quê?” - balbuciei confusa - “as velas, já se viu jantar de Natal sem velas acesas?” “E se em vez de quase me engasgares, as tivesses acendido?” “Não tinha graça!” E lá acendi as cinco velas que boiavam no centro do arranjo…
Depois de jantar, telefonámos para Portimão. “O Pai Natal já passou por aí?” “Não, já falei com os duendes pelo telefone e disseram que ainda está demorado”- explicou o André - “Aqui também ainda não apareceu. Hoje é uma noite de muito trabalho…”
E ficámos todos à espera das prendas, desejando que, já que não há ouro, o Pai Natal nos brinde com Esperança, Paz, Coragem e Amor, com todo o Amor a que temos direito.

domingo, 25 de dezembro de 2011

POEMA DO MENINO JESUS

O PRESENTE DA MINHA AMIGA AMÉLIA P.







Maria Bethânia, Poema VIII de O Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro (excerto)


Poema VIII de O Guardador de rebanhos



Num meio-dia de fim de Primavera (s.d.)



Num meio-dia de fim de Primavera

Tive um sonho como uma fotografia.

Vi Jesus Cristo descer à terra.

Veio pela encosta de um monte

Tornado outra vez menino,

A correr e a rolar-se pela erva

E a arrancar flores para as deitar fora

E a rir de modo a ouvir-se de longe.



Tinha fugido do céu.

Era nosso demais para fingir

De segunda pessoa da Trindade.

No céu era tudo falso, tudo em desacordo

Com flores e árvores e pedras.

No céu tinha que estar sempre sério

E de vez em quando de se tornar outra vez homem

E subir para a cruz, e estar sempre a morrer

Com uma coroa toda à roda de espinhos

E os pés espetados por um prego com cabeça,

E até com um trapo à roda da cintura

Como os pretos nas ilustrações.

Nem sequer o deixavam ter pai e mãe

Como as outras crianças.

O seu pai era duas pessoas -

Um velho chamado José, que era carpinteiro,

E que não era pai dele;

E o outro pai era uma pomba estúpida,

A única pomba feia do mundo

Porque não era do mundo nem era pomba.

E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.



Não era mulher: era uma mala

Em que ele tinha vindo do céu.

E queriam que ele, que só nascera da mãe,

E nunca tivera pai para amar com respeito,

Pregasse a bondade e a justiça!



Um dia que Deus estava a dormir

E o Espírito Santo andava a voar,

Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.

Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.

Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.

Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu

E serve de modelo às outras.

Depois fugiu para o Sol

E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.

É uma criança bonita de riso e natural.

Limpa o nariz ao braço direito,

Chapinha nas poças de água,

Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.

Atira pedras aos burros,

Rouba a fruta dos pomares

E foge a chorar e a gritar dos cães.

E, porque sabe que elas não gostam

E que toda a gente acha graça,

Corre atrás das raparigas

Que vão em ranchos pelas estradas

Com as bilhas às cabeças

E levanta-lhes as saias.



A mim ensinou-me tudo.

Ensinou-me a olhar para as coisas.

Aponta-me todas as coisas que há nas flores.

Mostra-me como as pedras são engraçadas

Quando a gente as tem na mão

E olha devagar para elas.



Diz-me muito mal de Deus.

Diz que ele é um velho estúpido e doente,

Sempre a escarrar no chão

E a dizer indecências.

A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.

E o Espírito Santo coça-se com o bico

E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.

Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.

Diz-me que Deus não percebe nada

Das coisas que criou -

«Se é que ele as criou, do que duvido.» -

«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,

Mas os seres não cantam nada.

Se cantassem seriam cantores.

Os seres existem e mais nada,

E por isso se chamam seres.»

E depois, cansado de dizer mal de Deus,

O Menino Jesus adormece nos meus braços

E eu levo-o ao colo para casa.



......



Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.

Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.

Ele é o humano que é natural,

Ele é o divino que sorri e que brinca.

E por isso é que eu sei com toda a certeza

Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.



E a criança tão humana que é divina

É esta minha quotidiana vida de poeta,

E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.

E que o meu mínimo olhar

Me enche de sensação,

E o mais pequeno som, seja do que for,

Parece falar comigo.



A Criança Nova que habita onde vivo

Dá-me uma mão a mim

E a outra a tudo que existe

E assim vamos os três pelo caminho que houver,

Saltando e cantando e rindo

E gozando o nosso segredo comum

Que é o de saber por toda a parte

Que não há mistério no mundo

E que tudo vale a pena.



A Criança Eterna acompanha-me sempre.

A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.

O meu ouvido atento alegremente a todos os sons

São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.



Damo-nos tão bem um com o outro

Na companhia de tudo

Que nunca pensamos um no outro,

Mas vivemos juntos e dois

Com um acordo íntimo

Como a mão direita e a esquerda.



Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas

No degrau da porta de casa,

Graves como convém a um deus e a um poeta,

E como se cada pedra

Fosse todo um universo

E fosse por isso um grande perigo para ela

Deixá-la cair no chão.



Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens

E ele sorri, porque tudo é incrível.

Ri dos reis e dos que não são reis,

E tem pena de ouvir falar das guerras,

E dos comércios, e dos navios

Que ficam fumo no ar dos altos mares.

Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer

E que anda com a luz do Sol

A variar os montes e os vales

E a fazer doer aos olhos os muros caiados.



Depois ele adormece e eu deito-o.

Levo-o ao colo para dentro de casa

E deito-o, despindo-o lentamente

E como seguindo um ritual muito limpo

E todo materno até ele estar nu.



Ele dorme dentro da minha alma

E às vezes acorda de noite

E brinca com os meus sonhos.

Vira uns de pernas para o ar,

Põe uns em cima dos outros

E bate as palmas sozinho

Sorrindo para o meu sono.



......



Quando eu morrer, filhinho,

Seja eu a criança, o mais pequeno.

Pega-me tu ao colo

E leva-me para dentro da tua casa.

Despe o meu ser cansado e humano

E deita-me na tua cama.

E conta-me histórias, caso eu acorde,

Para eu tornar a adormecer.

E dá-me sonhos teus para eu brincar

Até que nasça qualquer dia

Que tu sabes qual é.



......



Esta é a história do meu Menino Jesus.

Por que razão que se perceba

Não há-de ser ela mais verdadeira

Que tudo quanto os filósofos pensam

E tudo quanto as religiões ensinam?



"O Guardador de Rebanhos".



In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).

"O Guardador de Rebanhos". 1ª publ. in Presença, nº 30. Coimbra: Jan.-Fev. 1931

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

CHEIA DE NÃO PRESTA

Ontem pusera-me a pensar no Natal. Distraidamente, deixei que a memória espreitasse as ceias em que éramos muitos, reunidos em volta da mesa e veio-me à lembrança o ano em que a minha cunhada, resolvendo dar a todos os homens peúgas CD, sem saber que números calçavam, originou, entre eles, a negociação para acerto do tamanho das peúgas com o dos pés que as deveriam calçar. Dos argumentos empregues por cada um, para convencer o outro, estilo “conversa para promoção de banha da cobra” resultaram cenas hilariantes, absolutamente indescritíveis.

E ri-me, ri-me ao recordar o bom humor, as brincadeiras, a minha filha mais nova, pequenina, a roer os laços das prendas… mas bateu-me uma saudade no peito, uma dor pela ausência do meu pai e do meu irmão, que associada à decrepitude de minha mãe me deixaram com a alma pesada de mágoa e solidão.

“Filha, ando doida desta cabeça. Não atino com o dia dos anos.” “Está esquecida, mãe. Eu também ando assim.” “Por favor, não me digas que a tua cabeça está como a minha, ou fico louca de vez.” É o relógio a andar sem se deter, é a magia enfeitiçante do tempo que passa de mansinho, mas firme e rapidamente. Parece que nem pousa e vai escrevendo em nós as coordenadas por onde navegámos e sobretudo aquelas por onde as dificuldades não nos permitiram navegar.

E foi preciso dar almoço à Rita. Brincar para que levantasse a cabeça e abrisse a boca para comer a sopa e depois a fruta. Fiz aranhiços com os dedos, cantei e até imitei o chilreio dos passarinhos. A Rita, em vez de comer, ria. Ria de boca aberta e a sopa a cair. “Menina, feche a boca. Sorria apenas” E a Rita ria, possivelmente pensando que parente não se escolhe e que terá de aturar as tolices desta avó que lhe calhou em sorte.

A amargura, aquele sentimento de falta, foi-se.

Hoje, acordei “cheia de não presta”. Como se hoje fosse um daqueles dias que a minha filha mais velha define como bons para “andar de burro e comer ameixas verdes”, mas a vida arrebatou-me e uma vez mais explicou que os dias se fazem da dialéctica entre a angústia e o bem-estar. É no equilíbrio que está a felicidade.

A saudade só existe para sentirmos com ternura a falta de quem amamos.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

SILENT NIGHT




Noite Feliz! Noite Feliz!
O Senhor, Deus de Amor,
pobrezinho, nasceu em Belém.
Eis na lapa Jesus, nosso Bem.
Dorme em paz, ó Jesus!
Dorme em paz, ó Jesus!


Noite Feliz! Noite Feliz!
Eis que no ar vêm cantar
aos pastores os Anjos dos céus
anunciando a chegada de Deus,
de Jesus Salvador!
De Jesus Salvador!


Noite Feliz! Noite Feliz!
Ó Jesus, Deus da luz,
quão afável é Teu coração
que quiseste nascer nosso irmão
e a nós todos salvar!
E a nós todos salvar!


Letra Joseph Mohr
Música Franz Xaver Gruber
(25 de Dezembro de 1818)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

NATAL

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).

Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

Manuel Alegre


FELIZ NATAL

sábado, 17 de dezembro de 2011

FICA A "SODADE"



De pé, um aplauso a CESÁRIA

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

É O FADO

Um amigo, que já não via há imenso tempo, telefonou. Que ia ser operado ao olho direito, que queria ver-me enquanto me via bem, pois poderia ficar cego e ficar a ver-me só pela metade. Além disso, no Verão vira ginjas à venda, lembrara-se de mim, comprara, pusera-as em infusão em aguardente e pretendia dar-mas, para que eu fizesse licor.

Sugeri que viesse merendar comigo no Domingo, se queria olhar para um cromo em vez de esperar pela hipótese de ficar a ver mal e depois imaginar-me uma estampa e que trouxesse as ginjas na aguardente que eu tinha “Zabelinha Borrachona” e “Zabelinha Princesa”, dois dos afamados licores produzidos no Zabeleiria Laboratórios - SA, para a troca.

Apareceu com dois sacos de plástico. “Costumam dar-me lâmpadas para a empresa, como sei que compras, trouxe-te algumas”. Eram dois sacos porque umas tinham casquilho grosso e outras fino. Agradeci.

Pusemos a conversa em dia, comemos torradas e bebemos café com leite. Dei-lhe dos meus licores e uma taça de marmelada para levar.

Depois do meu amigo partir, quando ia arrumar as lâmpadas lembrei-me do candeeiro do escritório. No escritório, a que a minha filha mais nova sempre chamou pomposamente "quarto azul", talvez por a cor existir parcamente na decoração, há um candeeiro de tecto com cinco túlipas. Desde que inventaram a moda das lâmpadas economizadoras que o dito nunca mais dispôs de lâmpadas iguais, porque, por sovinice, recuso-me a comprar de uma vez todas as necessárias, que ainda por cima dão uma luz que detesto. Assim cada vez que compro uma lâmpada nunca recordo o desenho das que já tenho, resultando por isso, que o candeeiro tenha, desde há algum tempo, cinco lâmpadas diferentes, o que constitui motivo de riso para quem repara no pormenor. Eu justifico-me como posso “será que sabiam que existia tantas espécies de lâmpadas? Isto não é descuido, é informação, é cultura”, mas, justificavelmente, ninguém acredita nas minhas boas intenções.

No saco das lâmpadas de casquilho grosso escolhi cinco lâmpadas iguais, mas… não havia. O meu amigo dera-me conjuntos de quatro.

O candeeiro lá continua no tecto do quarto azul, desta vez com quatro lâmpadas de nove e uma de onze, são todas torcidas muito pomposas, só que a de onze tem mais uma volta. Não são todas iguais, mas são parecidas.

Má sorte ser candeeiro em minha casa! É fado ter lâmpadas diferentes!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

À SEMELHANÇA DE FREI TOMÁS

Numa quarta-feira, única manhã em que disponho de umas horas livres, em Lisboa, espreitei na loja do pequeno Centro Comercial onde costumo comprar algumas peças de roupa e encantei-me com umas calças de ganga. Azar! Já não havia o número.

Chegada a Leiria, no feriado de quinta-feira passada, convidei a minha amiga P, para ir comigo a uma localidade próxima, onde sei haver uma loja que vende aquela marca de calças e onde costumamos ir passear algumas vezes, quer queiramos ou não adquirir alguma coisa.

A minha amiga P. é a mais consumista de todas as minhas amigas e assume o facto com a maior naturalidade. “Gosto de coisas boas e bonitas” costuma dizer. “Quem não gosta?”- pergunto eu. Pois com imensa piada a minha amiga P. há uns tempos para cá, assumiu-se como o amplificador de som da Troika e não pára de fazer a todos os amigos discursos sobre as necessidades de contenção, coisa que ela, na prática, nem sabe o que é.

Na quinta-feira, passada inquirida sobre a compra que pretendia realizar, ouvi o discurso. Porque eu quase nem visto calças de ganga, porque com frio já nem sabe bem vestir as ditas e a estes, outros argumentos se juntaram, demonstrando que o investimento seria desnecessário. Eu fui rindo e explicando que ainda estávamos na meia estação, que o modelo era giríssimo e que as calças de ganga que possuía estavam velhas e gastas.

Antes de nos dirigirmos à loja pretendida ainda passámos por outra onde eu experimentei um casaco que ia muitíssimo bem com “o meu tom de pele” e foi a minha deixa para entrar naquele coro de lamentações “nem pensar, em tempos de crise” “mais caro que o ordenado mínimo!?” “Compro-o depois nos saldos” e saí porta fora, aplaudida pelos elogios da minha amiga: “Fazes muito bem. Com os tempos que correm sabe-se lá se o dinheiro não fará falta para outra coisa? E a cimeira deste fim-de-semana? Nem sabemos se não teremos de ir segunda-feira, logo de manhã, ao banco levantar quanto dinheiro temos”.

Subimos a escada rolante de um lado e descemos do outro, mais uns metros de corredor e estaríamos onde eu pretendia ir, mas antes… “Espera, esta loja está com reduções e tem coisas giríssimas. Vou entrar”. E a minha amiga entra e dirige-se, direitinha, ao expositor dos seus encantos, comigo atrás. Mexe, apalpa, experimenta…

Enfim, eu continuo sem calças, mas a minha amiga possui mais duas camisolas e um casaco…

“Mas as coisas são lindas, lindas, lindas.”- Comenta a P. quando, por eu ter contado aos amigos, todos brincamos com o facto.

“À semelhança de Frei Tomás, façam como ela diz…”

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O QUE AS AVÓS FAZEM

O André será o Feiticeiro Verde, na Festa de Natal. “Só poderia ser o Verde” – pensou esta avó e abismou-se em divagações sem ouvir que a filha pretendia ideias para o fato. Pela NET poder-se-iam encomendar fatos de todas as cores, menos verde. E a avó achou natural. As preocupações da filha eram mais palpáveis. Que modelo confeccionar? Que tecido comprar?

A avó desceu das nuvens. O neto explicou que o Feiticeiro Verde, no fim, roubava o ouro todo. A avó achou a história duvidosa e pensou que isso só poderia aconteceu por uma boa causa, mas não insistiu e sugeriu uma capa de cetim verde com luas e estrelas amarelas e, completando o conjunto, um chapéu bicudo, igualmente verde, decorado com os mesmos motivos.

A filha acalmou. O neto foi para o colégio. Os dias dessa semana cumpriram-se tão iguais como se vêm cumprindo desde Setembro.

No fim-de-semana, quando reparou no número de chamadas da filha que não atendera, apercebeu-se que haveria pânico. Já equipada para apagar o fogo, ligou. A filha pretendia saber que porção de tecido deveria adquirir, mas já havia feito a compra.

Foi assim que, na semana passada, me confrontei com cetim verde e amarelo em quantidade suficiente para uma capa para o neto e um tailleur para a avó. Armei-me de tesoura, cortei a capa, alinhavei a lua e as estrelas depois de coladas em entretela e deixei tudo pronto para entregar à costureira que faria o resto. Por resto entenda-se coser as estrelas e as luas a ponto ziguezague, debruar a capa a amarelo e colocar uma tira no pescoço com tamanho suficiente para dar um laço, que deveria ainda levar uma estrela em cada ponta.

Novo fim-de-semana. Novo pânico. Mais telefonemas. “A senhora do atelier do Continente, não faz a capa, porque dá muito trabalho. Se eu pedir a máquina emprestada à F., tu fazes a capa do André?” “Eu?!” – balbuciei – “Nunca cosi numa máquina dessas.” Em minha casa existe uma máquina de costura de marca Singer que pertenceu à minha avó Isabel, peça antigamente obrigatória no enxoval das noivas e que perfaz actualmente mais de cem anos, único objecto onde, tirando as bicicletas, alguma vez pedalei. “Se a F. é capaz, tu também és”.

E acrescida a tarefa de costureira, não prevista, ao meu actual “contrato de trabalho”, apresentei-me esta Segunda-feira ao serviço.

Estes dias, não só me tenho passeado com a Rita entre a montra de brinquedos, que são as prateleiras da estante do quarto do André e a paisagem da janela da cozinha, de onde se avista um ou outro Bob, como confeccionei a capa do feiticeiro verde mais bonito do mundo, do meu mundo de afectos.

Eu nem sabia que era tão habilidosa!

Ainda falta o chapéu (SOCORRO!!!!!!)

Nota de autor: Bob (plural: Bobs) é a designação pela qual, em léxico familiar, são conhecidos os trabalhadores da construção civil. A autoria do vocábulo é da responsabilidade do André, por analogia com a Banda Desenhada que, em tempos, fez os seus encantos. Para mais informações consultar o próprio, que a cultura da avó não passa de uma amálgama de saberes aglutinados uns com saliva, outros com cola de sapateiro. O assunto em questão pertence ao primeiro grupo.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A SOPA DA RITA

A Rita completou quatro meses no passado dia dois, do corrente mês.

Depois da prevista visita à pediatra, começou, na quinta-feira da semana passada, a comer as primeiras refeições sólidas: umas coloridas sopas de puré de batata em que umas vezes se mistura cenoura e outras abóbora, seguidas de papa de fruta.

Hoje, aconteceu almoçarmos as duas. Aproveitei para explicar à Rita que devemos socializar com as pessoas que nos acompanham à refeição, conversando com os que estão à direita e à esquerda e, a título de exemplo, contei-lhe a história daquele senhor que, de relações cortadas com o companheiro que lhe calhara num dos lados da mesa, optara por lhe ir recitando a tabuada para que a dona de casa não se sentisse embaraçada ao aperceber-se da “gaffe” que cometera sentando-os ao lado um do outro.

A Rita, numa extraordinária manifestação de inteligência, qualidade que só pode ter herdado da avó Belita (modéstia à parte), fazendo jus ao meu discurso, começou a falar de brinquedos. Eu, embora preferisse falar da crise económica, numa tentativa de, perdendo o apetite, fazer dieta, condescendi. Estamos no Natal…

Então a Rita contou-me que pedira uma mota ao Pai Natal, mas que gostaria de uma daquelas de escape livre. E vá de fazer repetidas demonstrações, com a boca cheia.

No fim do almoço, propus um mergulho no Rio Tejo. Tomávamos banho e lavávamos a roupa, que os tempos vão difíceis e os vinte e três por cento de IVA não estão para leviandades, mas ela recusou. “A sopa de abóbora é muito indigesta”- contrapôs e tombou no melhor dos sonos.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

AVARIAS

Tenho um amigo do qual me separam umas centenas de quilómetros, mas não é por isso que deixa de estar presente na minha vida.

Telefona ao fim-de-semana. “Que fazes em casa Isa?”- nem Isabel, nem Belita, como todos os outros – e antes que eu responda ordena “Vai para a rua”, “Vai conversar com as amigas”. E eu respondendo que irei mais logo, penso, invariavelmente, que este homem sabe quantos quilogramas pesa a palavra solidão.

Conhecedor das minhas andanças semanais entre Lisboa e Leiria, telefona à segunda-feira de manhã a desejar-me boa viagem: “Vai devagar, para chegares depressa”. Eu rio-me e a minha alma aconchega-se porque o meu pai não diria melhor. “Pois, terei de ir devagar para poupar gasolina” - respondo fingindo não ter percebido a recomendação. “Também por isso. Não ultrapasses as três mil rotações, senão… “ e mimoseia-me com uma onomatopaica engraçadíssima que nem sei reproduzir, com a qual pretende dizer-me que o consumo do veículo disparará.

E, a conversa vai acontecendo, segunda-feira após segunda-feira, quase igual.

Uma qualquer semana, parti mais tarde para Lisboa, mas a hora a que teria de chegar era a mesma. Ao entrar na auto-estrada pensei: “Lá se vão as recomendações…” e sorri. Sorri, porque é aconchegante lembrar os cuidados de quem se preocupa connosco, mesmo quando não pretendemos seguir as suas recomendações.

No percurso destes quase cento e cinquenta quilómetros que separam a minha casa, da de minha filha mais velha, as ideias multiplicam-se, as palavras fluem a uma velocidade vertiginosa e eu elaboro mentalmente textos intermináveis que depois nem sequer passo a escrito porque se o tentasse já não escreveria esses, mas outros diferentes. Muitos desses textos esquecidos são hilariantes, outros nem tanto e por vezes, um ou outro serve para chorar as mágoas.

Pois dessa vez, logo à saída de Leiria, a questão foi: “Como manter as três mil rotações sem deixar de carregar no acelerador?”

Atirado ao esquecimento o que era um motor de explosão a quatro tempos, acabei por admitir a hipótese de que a única solução seria um calce no ponteiro do mostrador do conta-rotações, à semelhança do que acontece com a bússola, quando não está a ser utilizada. Depois desta brilhante conclusão, começaram a desfilar na minha mente todas as máquinas caseiras às quais foi sendo feita a respectiva análise. À máquina de lavar loiça, possivelmente por ser um modelo barato, não veio acoplado o robot que arruma os pratos e panelas nos armários, no fim dos programas de lavagem. Acessório semelhante, mas à prova de água, encontra-se igualmente em falta na máquina de lavar roupa. Até os electrodomésticos menores, como a varinha mágica, o ferro de engomar, o aspirador, o leitor de CD tinham avarias que fui mentalmente resolvendo com o objectivo de rentabilizar os recursos. Era um dedo nuns, um braço noutros e seria tudo a trabalhar e eu a descansar, à imagem do velho slogan publicitário do Tide.

Pois ontem, espojada no sofá, lembrei-me deste inventário de loucura. Havia passado a manhã a fazer comer, algum para trazer para Lisboa, outro para congelar. À tarde deu-me a birra e fiquei em casa agarrada à televisão, mais propriamente ao AXN, único sítio onde os crimes se desvendam e os criminosos são punidos em tempo útil. Sozinha, só perto das dezoito horas fui visitar a minha mãe.

A questão acabou por surgir: Será que a única coisa verdadeiramente avariada cá em casa não serei eu, que todo o dia me senti a mesma “sem vontade com que rasguei o ventre de minha mãe”?

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Lembrando FERNANDO PESSOA

No septuagésimo sexto aniversário da sua morte.

SONHO. NÃO SEI QUEM SOU

Sonho. Não sei quem sou neste momento.

Durmo sentindo-me. Na hora calma

Meu pensamento esquece o pensamento,

Minha alma não tem alma.


Se existo é um erro eu o saber. Se acordo

Parece que erro. Sinto que não sei.

Nada quero nem tenho nem recordo.

Não tenho ser nem lei.


Lapso da consciência entre ilusões,

Fantasmas me limitam e me contêm.

Dorme insciente de alheios corações,

Coração de ninguém.


Fernando Pessoa, in Cancioneiro

sábado, 26 de novembro de 2011

ESQUECIMENTO

Acordei esta manhã, no calor da minha cama, mergulhada na escuridão do meu quarto e deixei-me ficar de olhos fechados saboreando a quietude do momento.

Tenho saudades de mim. Tenho saudades do tempo. Tenho saudades de me deixar estar, como que perdida no universo, flutuando em nada. Eu e as estrelas a sonhar com o Sol da manhã.

Esquecida que sou, nem eu me preocupo comigo.

E apeteceu-me alongar na paisagem e enrolar os pensamentos no marulhar das ondas de S. Martinho do Porto.

Lisboa cumprir-se-á hoje. Não há tempo.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

PATRIOTA? NÃO: SÓ PORTUGUÊS

Patriota? Não: só português.
Nasci português como nasci louro e de olhos azuis.

Se nasci para falar, tenho que falar-me.


Alberto Caeiro, in "Fragmentos"

QUINTA-FEIRA

É quinta-feira. Está uma manhã de Sol.

Através da vidraça, a Rita e eu mergulhámos o olhar na luz do horizonte. Há menos trânsito que o habitual. Será da adesão à greve geral? A BT informou que as pessoas saíram todas muito mais cedo de casa. Na TV, a senhora ensina a pôr “corretamente” a mesa. A manhã vai acontecendo devagar.

Visto da minha janela, o dia parece primaveril, mas algures, as temperaturas estão baixas, disseram-me há pouco, pelo telefone, à laia de bons dias.

É tempo de frio, mas quem diria que há frio?!

O Sol brilha lá fora e a esperança cresce no meu peito.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

terça-feira, 22 de novembro de 2011

SEM TÍTULO

Nós temos cinco sentidos:
São dois pares e meio de asas.

- Como quereis o equilíbrio?

David Mourão-Ferreira

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

ANDAIME

O tempo que eu hei sonhando

Quantos anos foi de vida!

Ah, quanto do meu passado

Foi só a vida mentida

De um futuro imaginado.


Aqui à beira do rio

Sossego sem ter razão.

Este seu correr vazio

Figura, anónimo e frio,

A vida vivida em vão.


A ‘sp’rança que pouco alcança!

Que desejo vale o ensejo?

E uma bola de criança

Sobre mais que minha ‘s’prança,

Rola mais que o meu desejo.


Ondas do rio, tão leves

Que não sois ondas sequer,

Horas, dias, anos breves

Passam – verduras ou neves

Que o mesmo sol faz morrer.


Gastei tudo que não tinha.

Sou mais velho do que sou.

A ilusão, que me mantinha,

Só no palco era rainha:

Despiu-se, e o reino acabou.


Leve som das águas lentas,

Gulosas da margem ida,

Que lembranças sonolentas

De esperanças nevoentas!

Que sonhos o sonho e a vida!


Que fiz de mim? Encontrei-me

Quando estava já perdido.

Impaciente deixei-me

Como a um louco que teime

No que lhe foi desmentido.


Som morto das águas mansas

Que correm por ter que ser,

Leva não só as lembranças –

Mortas, porque hão de morrer.


Sou já o morto futuro.

Só um sonho me liga a mim –

O sonho atrasado e obscuro

Do que eu devera ser – muro

Do meu deserto jardim.


Ondas passadas, levai-me

Para o alvido do mar!

Ao que não serei legai-me,

Que cerquei com um andaime

A casa por fabricar.


Fernando Pessoa - Cancioneiro

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

UM CASO DE POESIA


-Paulo, viu por aí o meu cavalo verde?

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

ESPERANÇA

Que quem possa ter ouvido a postagem anterior, não desespere. Após uma noite tenebrosa, o Sol traz a esperança de um novo dia.

UM CASO DE POLÍCIA

Mas onde estará?

Dei pela falta e fiquei numa aflição. Sumira o meu tesouro.

Onde estaria? Sumira o beijo que trocámos, as palavras que inventámos para dizermos que o nosso amor jamais se cansará de amar e até o calor da tua mão na minha, em cada lado da noite, levara descaminho.

Contratei o Sherlock Holmes, Monsieur Poirot, Maigret, Tom e Two Pences, Miss Marple, Jessica Fletcher e nem eu cruzei os braços. Após investigação cuidada e persistente, eis o que descobrimos:


Uma qualquer que se diz eu, de avental à banda, pretende o que me pertence, sem decoro.

Aqui d’el-rei! Chamem a polícia!

domingo, 13 de novembro de 2011

"MALES" DE AMOR

Entrei no carro e parti em demanda de gasolina.

Enquanto o gasolineiro abastecia o depósito, escolhi quem me acompanharia na viagem. Ainda pensei em Gabriela Mercury, mas a quem apeteceria “feijão com arroz” àquela hora da manhã? E, mais uma vez, fiel à paixão que me avassala, a escolha caiu sobre Michael Bublé.

Coloquei o CD no leitor do carro e... nada! Ele ficou mudo e quedo, não cantava.

- Estás zangado? Quis saber. E ele, nada. Continuava mudo e quedo.

-Trocaste-me por uma da tua idade? Eu compreendo – argumentei - mas ninguém te ama como eu. Elas andam a dizer na NET que tu és o Marco Paulo lá do sítio, que não exploras todos os recursos da tua voz; que garantes êxitos cantando antigos êxitos de outros e até o meu amigo C. diz que me deixa ouvir-te porque tu não és gay, mas eu, até esse quiproquó perdoaria à voz maravilhosa que possuis - lamuriava-me sem perder o folgo.

E ele nada. Continuava mudo e quedo, sem se comover com o meu choro apaixonado.

De repente, cantou...


Não foi tão de repente como isso… Tive de voltar o CD ao contrário e recolocá-lo no leitor do carro.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

"RECORDAMENTOS"


Quando olho para trás no tempo, não gosto de lembrar acções. Gosto de calma e beatificamente debruçar-me sobre momentos vividos como quem abre a janela numa tarde de Sol e fica a olhar a linha imaginária do horizonte, adivinhando o que fica para lá, do espaço e do tempo, seja qual for a dimensão da vida.

Por isso não gosto de recordações, mas adoro recordamentos.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

ILHA

Lá fora, a chuva cai de mansinho.
Na luz translúcida da manhã, apetece poesia.


Deitada és uma ilha. E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente

promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente

Deitada és uma ilha Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias

David Mourão-Ferreira (1927-1996)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

FIVE O' CLOCK TEAR

Coisa tão triste aqui esta mulher
com seus dedos pousados no deserto dos joelhos
com seus olhos voando devagar sobre a mesa
para pousar no talher
Coisa mais triste o seu vaivém macio
p'ra não amachucar uma invisível flora
que cresce na penumbra
dos velhos corredores desta casa onde mora

Que triste o seu entrar de novo nesta sala
que triste a sua chávena
e o gesto de pegá-la

E que triste e que triste a cadeira amarela
de onde se ergue um sossego um sossego infinito
que é apenas de vê-la
e por isso esquisito

E que tristes de súbito os seus pés nos sapatos
seus seios seus cabelos o seu corpo inclinado
o álbum a mesinha as manchas dos retratos

E que infinitamente triste triste
o selo do silêncio
do silêncio colado ao papel das paredes
da sala digo cela
em que comigo a vedes

Mas que infinitamente ainda mais triste triste
a chávena pousada
e o olhar confortando uma flor já esquecida
do sol
do ar
lá de fora
(da vida)
numa jarra parada


Emanuel Félix (Angra do Heroísmo, 1936 - 2004) A Palavra O Açoite (1977)


Hoje, não há chá.

sábado, 5 de novembro de 2011

DE CANDEIAS ÀS AVESSAS

Um lápis e um bocado de papel; um vidro de janela onde o vapor se condensara e a ponta do dedo, às vezes até os lábios ou a ponta do nariz; um caule rico em seiva e a parede exterior do prédio; até mesmo um pau e o chão pouco pisado, serviam para dar largas à imaginação. Eu desenhava.

Como prémio, em função dos materiais usados, ganhei alguns castigos, uns mais dolorosos, outros menos, mas não foi isso que me impediu de desenhar.

Os lápis de cor não me entusiasmavam. Eram demasiado duros. Possivelmente as marcas não proliferavam e o espírito economicista de meus pais mandava que para “estragar” se comprasse material barato. Como uns lápis “Caran d’Ache”, a que só tive direito muitos anos mais tarde, em vez dos “Viarco”, teriam feito as minhas delícias!

Mesmo para escrever, só gostava de lápis N.º1 e ainda hoje, nas lapiseiras, uso minas B ou 2B em vez das HB, que toda a gente prefere. Sempre apreciei uma escrita vigorosa em que o traço acaricia o papel.

Entrei na escola primária e concluídos os primeiros anos, ensinaram-me desenho à vista, sem qualquer noção de perspectiva. Começou então, o meu enamoramento com a luz.

Um dia a Ditinha trouxe de Lisboa para o Tó um livro em que bastava passar um pincel molhado em água para as figuras adquirirem lindas cores. Descobertos os pincéis, foi uma festa ajudar a colorir a história, mas só aos dez anos fui dona e senhora de guaches e aguarelas, que pude manusear a meu belo prazer. É também, a partir desta idade, com a entrada no Liceu Nacional de Leiria, que passo a ter uma disciplina específica de desenho e a contar com professores excelentes, na área.

O meu primeiro professor de desenho, no primeiro e segundo ano do Liceu, foi o Arquitecto Tavares Nunes com quem aprendi o gosto pelas cores quentes e a liberdade de pintar dispensando pincéis, usando simplesmente as mãos. Com os dedos passei a pintar céus fabulosos e prados verdejantes. Desafio, quem nunca o fez, a experimentar a sensação de mergulhar as mãos na tinta e pintar com elas uma tela.

Seguiu-se lhe, no terceiro ano, o Arquitecto Célio Cantante. Então, aprendi o gosto pelo pormenor e encantei-me com a caricatura que anos mais tarde cheguei a tentar.

Aconteceu também no terceiro ano, ser aluna a História, do Dr. José Gonçalves. É ele que me alerta para a representação do movimento em arte a propósito da pintura egípcia.

Um dia, teria treze anos, ouvindo falar em pintura abstracta e não sabendo o que isso era, resolvi pintar um quadro. Entornei tinta cor-de-rosa, ainda não homogeneizada, sobre uma folha de papel, dei movimento à mancha, deixei secar, apus um título: “O menino e o cão” e fixei a obra, na parede do meu quarto, do lado direito da minha secretária. A minha mãe entrou, eu fingia que estudava, mas expectante aguardava, reparou na novidade, aproximou-se, leu o título e deu uma sonora gargalhada. Que frustração! Foi neste instante que a arte e eu ficámos de candeias às avessas.

E tendo tido desenho só até ao antigo quinto ano do Liceu, fechou a sequência o Dr. Padrão. Com ele aprendi a verdadeira técnica do desenho à vista. Finalmente, soube onde se situavam os focos e como se respeitava a perspectiva.

Aprendi, porque terá de ser assim que a obra nasce e não de outra maneira, que a cinco por cento de talento e outros cinco de inspiração se têm obrigatoriamente de somar noventa por cento de trabalho persistente.

Tinha jeito. Todos eram unânimes. Faltava o talento, tinha alguma inspiração, mas as inúmeras actividades por que repartia o tempo, não permitiam o tal trabalho persistente.

No sétimo ano deliciei o professor de ciências com os desenhos dos preparados das lamelas que espreitava ao microscópio, nas aulas de Trabalhos Práticos. Os preparados de botânica eram os que exigiam mais paciência, mas também eram os que mais me encantavam reproduzir pela exuberância das cores.

Na Escola do Magistério Primário fui aluna de D. Helena Silva e é com esta senhora que aprendo as mais variadas técnicas, muitas das quais ainda hoje identifico em trabalhos de pintores contemporâneos. Dará para acreditar que só então, aos dezoito anos, tive direito a uns lápis de cor e de cera de marca Caran d’Ache? Felizmente as outras marcas não eram suficientemente boas para permitirem as técnicas que éramos obrigadas a experimentar. É também com esta professora que sou treinada para ver para além do quadro como produto final e passo a tentar entender as opções de quem o realizou.

E a vida foi-se cumprindo, desenhando, pintando e fazendo outras coisas, muitas vezes mais funcionais, mas que mesmo assim permitiam que exercitasse a imaginação, que desmontasse conceitos e combinasse os atributos da forma desusada, ganhando os epítetos de habilidosa e criativa.

Há alguns anos a minha filha mais nova insistia “vai para a pintura”. Eu, mãe extremosa, retorquia “Não vou porque sou vossa amiga. Depois, quando morrer, ficarão para aí os monos e vós, em vez de os deitardes fora, ficareis com eles porque foi a mãe que os pintou. Não vos quererei a armazenar lixo”, mas a insistência foi tal que achei que a única forma de lhe pôr fim era mesmo pintar um quadro.

Pensei no mote, adquiri tela, pincéis e tinta e apresentei-me numa aula de pintura dizendo ao que ia. “Traz um postal com o Castelo de Leiria?” Não, não levava e para que seria? “Para ampliar” e eu sem entender porque teria de ampliar o castelo ele já não era suficientemente grande? “É capaz de o pintar sem o copiar de algum lado?” Aqui, eu já tinha perdido a paciência. Eu, uma fã incondicional dos impressionistas ter de ampliar o castelo de um postal…

Peguei nas tintas e nos pincéis e no que restava do tempo de aula fiz jus ao mote:

“Quanto é melhor, quanto há bruma,

Esperar por D. Sebastião,

Quer venha ou não”

- Voltarei na próxima aula, pretendo, com o quadro já seco, pintar um nevoeiro cerrado.

Voltei, mas a senhora não soube ensinar-me a pintar o nevoeiro. Eu também não sabia. Tentei mas não resultou. Mesmo assim ofereci o quadro à filha, que fez o favor de o pendurar na parede e não mais insistir para que pintasse.

A arte e eu continuamos de candeias às avessas.


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

CHUVA

Chove uma grossa chuva inesperada,
Que a tarde não pediu mas agradece,
Chove na rua, já de si molhada
Duma vida que é chuva e não parece.

Chove, grossa e constante,
Uma paz que há-de ser
Uma gota invisível e distante
Na janela, a escorrer...

Miguel Torga, Poesia Completa

sábado, 29 de outubro de 2011

ALEGRIA

Sobrevivi a uma semana intensa!!!!!!!!!!!!


Logo, para compensar, vestirei algo "que vá com o meu tom de pele" e jantarei num sítio requintado.

É fim-de-semana! VIVA!!!!!!!!!!!!!!

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

SOLIDÃO

Em Setembro, acabadas as vindimas, passávamos uma semana em Amadora, na casa de meu padrinho Manuel, irmão mais velho de meu pai. Para além de brincar com a Suzete, sobrinha de minha tia Elisa, a madrinha era a minha prima Milú, dez anos mais velha que eu, o tempo era gasto em largos passeios por Lisboa.

À época, impressionava-me o Rossio às seis horas da tarde. Uma mole humana saía da estação da CP e, compacta, caminhava, em direcção aos Restauradores…

Lembro-me de ficar estática a olhar a multidão, com vontade de mergulhar esbracejando, naquele mar de gente de cara fechada e de o meu pai, voltar atrás e pegar-me na mão, guiando os meus passos, para que não me perdesse.

Hoje, tantos anos vividos, com a Estrela Polar por companhia, se me pedissem para representar graficamente a solidão, era esse o quadro que pintava.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

SONHO

Chovia. E a chuva caía, compondo no telhado a melodia...





Num prado salpicado de amarelo (seriam tulipas?), eu dançava com o CAVALO VERDE.



- Mamã... mamã... mamã...

No andar de baixo, o Salvador acordou assustado com o temporal.



E eu?

Continuei a dançar à chuva, mas mudei a encenação para o ver sorrir.








quarta-feira, 26 de outubro de 2011

MANHÃ DE QUARTA-FEIRA

A chuva veio de mansinho.
Acordei cedo e permaneci deitada saboreando a melodia suave tocada na persiana do meu quarto.
Adivinhava um dia em tons de cinza, numa paisagem lavada de poeiras e folhas idas na dança do vento.
É Outono. Sabe-me bem esta cadência das estações. Outono já tardava...

E, na quietude da manhã, deixei-me apenas existir. Não havia passado, nem presente, nem futuro. Permanecia... apenas ouvidos e melodia.





Como soará a melodia dos violinos no telhado?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

SOL E CHUVA

Você diz que ama a chuva,

mas você abre seu guarda-chuva quando chove.


Você diz que ama o sol,

mas você procura um ponto de sombra quando o sol brilha.


Você diz que ama o vento,

mas você fecha as janelas quando o vento sopra.


É por isso que eu tenho medo.

Você também diz que me ama


William Shakespeare (retirado da NET)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

QUEREM UMA LUZ MELHOR QUE A DO SOL!

AH! QUEREM uma luz melhor que
a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas
que vejo!
A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.
Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol
que o Sol,
O que quero é prados mais prados
que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores
que estas flores -
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa

domingo, 23 de outubro de 2011

O DIA DEU EM CHUVOSO

O dia deu em chuvoso.
A
manhã, contudo, esteve bastante azul.

O dia deu em chuvoso.
Desde
manhã eu estava um pouco triste.


Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Bem
sei, a penumbra da chuva é elegante.

Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.

Hoje
quero só sossego.

Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos
? Afetos? São memórias...

É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca
bonita da filha do caseiro,

Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...

O dia deu em chuvoso.


Fernando Pessoa,Poemas de Álvaro de Campos
________________________
Poema enviado pela amiga Amélia Pais
http://barcosflores.blogspot.com

sábado, 22 de outubro de 2011

QUE LINDA MANHÃ!


"Como uma flor que dobra na brisa, balança comigo... dança comigo..."

Quem resiste a um pedido destes?
Também "posso ouvir os sons do violino" quando me abraçam com a ternura do oceano.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

MEDITANDO

Segunda-feira, sete horas da manhã, saltei da cama.

Na verdade a forma verbal “saltei” é demasiado ágil tendo em conta a acção realizada. A agilidade corresponde à rapidez com que pelo pensamento passaram as tarefas a realizar antes de partir para Lisboa.

Os ossos reclamavam mais cama e apetecia-me rabujar, sem ter com quem, mas deixara tudo para “amanhã” e a solução era mexer-me.

A invariável torradinha do pequeno-almoço, acompanhada com o copo de leite morno é que não poderia deixar de ser saboreada, na paz do Senhor, sentada calmamente, a pensar na morte da bezerra, que não há meio de morrer para, confirmado o facto, me enfiar debaixo do chuveiro e acabar de acordar.

Despachei-me e pus-me a caminho de Lisboa, não muito cedo, para quem tem horários para cumprir e nunca sabe qual o fluxo de trânsito que vai enfrentar na segunda circular.

O troco da IC2 está um descalabro. Ultrapassei todas as viaturas pela direita e quando a via estreita, por conta das obras, e fica reduzida à faixa da esquerda, abri a janela, pus a mão de fora e disse “adeus” ao camionista que me deixou entrar no desfile que seguia a passo. Há sempre uma alma caridosa, incapaz de resistir a um gesto simpático.

O nevoeiro matinal com que me deparei logo que entrei na A8, remeteu-me inconscientemente para a minha colega CC “Senhor Presidente, seria bom que mandasse colocar uma lâmpada no pátio da escola. Ao fim da tarde não se vê a ponta dum… a ponta dum… a ponta de nada!” Pois ali ia eu, vendo “a ponta dum… a ponta de nada”, cheia de pressa, a pisar a cento e cem. E naquele meio limbo de quem está à porta do céu a prestar contas sem vislumbrar mais que a ponta do nariz, dei comigo a pensar como seria bom ter alguém que pegasse em mim e me levasse sem que eu soubesse para onde, de preferência para um sítio sossegado, no alto de um monte, paisagem larga e sem ruído, me desse a mão para adormecer e permanecesse em todos os lados da noite para que me mimar.

“Em que esquina da vida, estarás detido, cavalo verde dos meus sonhos loucos?” “Um dia morrerei tão só como tenho vivido”.

A voz da filha mais velha ecoou-me no pensamento “lastimo que a tua vida esteja nesta confusão por minha causa, mas acho que nunca foi de outra maneira e tu até gostas.”

E sem querer, porque detesto fazê-lo, olhei para trás no tempo e vi-me, do momento em que me encontro, esquecida das agruras, fortalecida pelas dificuldades resolvidas, a passar como no cinema, alguns episódios que vivi: os fins-de-semana a cozinhar para haver refeições variadas para as filhas, ao longo dos dias; as discussões por causa dos livros em co-autoria que se publicaram; as longas horas a preparar aulas; as folhas a voar, quando fazia os trabalhos para a especialização, já depois das filhas deitadas e altas horas na madrugada a apanhar as folhas do chão e juntar tudo “há-de aproveitar-se alguma coisa” e dezassete na nota final – “como conseguiste?” “atirei a sabedoria ao ar, misturei e passei a limpo”. E os verões em S. Martinho “deverias ter chegado ontem” dizia o Tó Zé “imagina que deu à costa um italiano todo nu” “como souberam que era italiano?” “trazia um esparguete no c..” E a Z. a rir da minha ingenuidade.

E as filhas crescerem e a vida a andar para a frente.

“Quem terá comido as peras doces, que me couberam em sorte?” Não tive direito a peras doces, mas acabei a rir à gargalhada.

E por alturas de S. Martinho o telefonema da filha “não precisavas de vir tão cedo, não disse nada porque assim não farás o percurso a voar. Aproveita para poupar a gasolina”

Já não há respeito. Não se fazem mais filhas como antigamente. Se o Sol brilhasse teria ido para a praia.


À noite, adormeço de mão dada com o escuro e também sei que vou morrer sozinha, ou não fora a morte um acto solitário, mas garanto-vos: A minha vida tem valido a pena!

sábado, 15 de outubro de 2011

O TICO E O TECO

As minhas bonecas nunca tiveram nome. Foram simplesmente as minhas bonecas. Com a maior de que me lembro, comprada pelo meu pai, porque muitas outras tive antes e depois, usava a meias a linda touca cor-de-rosa que a madrinha Elisa me confeccionou em tricote. Finou-se a boneca, que pelo desenho do cabelo até seria um boneco, com o primeiro banho que lhe dei. Era em cartão, como grande parte das outras e do que aconteceu à touca nem tenho memória.

Só muitos anos mais tarde, já adulta e mãe, cuidando do afecto e do imaginário de duas criancinhas, senti necessidade de dar nome às coisas. O canário que celebrava a nossa entrada em casa, cantando enquanto subíamos as escadas do rés-do-chão até ao primeiro andar, chamava-se Chiquinho Pirilau. O relógio impiedoso que nos punha fora da cama todas as manhãs foi carinhosamente apelidado de Joquinha, era lindo, cor de laranja, com duas enormes campânulas. A Soneca e Tonico formaram o casal de piriquitos de quem estoicamente limpei o lixo anos a fio. Esqueci o nome dos peixes e de tudo o mais.

As crianças cresceram, mas o hábito mantém-se.

O GPS é o “Jaquinzinho”. Passeamos juntos muitas vezes, mas não são raras as alturas, lá pela capital, em que me diz que vire à direita e tenho de voltar à esquerda, no sítio indicado… Homens!

E até os dois únicos neurónios que possuo estão personalizados: o Tico e o Teco.




O Tico e o Teco são dois amigos inseparáveis. Moram porta com porta e não vivem um sem o outro.

Nasceram para pensar. As mãos, os ouvidos, o nariz, a boca e os olhos estão sempre a fazer perguntas, muitas, muitas perguntas e nem se apercebem que as fazem, porque o Tico e o Teco são muito, muito rápidos a responder.

As pessoas quando falam connosco também exigem respostas mesmo que não façam perguntas. O senhor passou e disse: “Bom dia” E o Tico e o Teco disseram à boca que a resposta seria “Bom dia” e não outra coisa qualquer.

É isto que é pensar. Encontrar as respostas para as perguntas que a vida nos está sempre a colocar mesmo quando se esquece do ponto de interrogação.

Ah! Mas não se pense que isto de encontrar respostas é assim tão fácil como parece. Às vezes, mesmo muitas vezes, custa mais entender as perguntas do que dar as respostas.

Pois o Tico e o Teco, quando se viam atrapalhados quer com as perguntas quer com as respostas, ordenavam imediatamente aos cantos da boca que se levantassem para que esta sorrisse, pois mal por mal chegaria eles andarem “às aranhas” sem saberem resolver a situação, não era preciso a cara… ficar com cara de pau.

E, entre um riso e outro, a cara convencia-se que estava contente e o Tico e o Teco arranjavam um tempinho extra para entender as perguntas, consultar as enciclopédias da cabeça, remendar o coração e dar respostas acertadas às questões.

Mas outro dia… Sabem o que aconteceu outro dia?

A vida ameaçou com um pinote, coisa pequena, de somenos, mas o Tico e o Teco estavam em dia não.

É que nem todos os dias são iguais. Há dias em que estamos de seda, muito frágeis, muito sensíveis, com o coração à flor da pele e mal se carrega dói logo. É tal e qual como quando se espeta o indicador numa nódoa negra: ”Dói-te aqui?” E dói que se farta!

O Tico e o Teco estavam num desses dias. O Tico encolheu-se muito dorido, ficou pequenino, pequenino, quase sumiu, só lhe apetecia chorar e o Teco só refilava, refilava “que não podia ser” “que estava farto” “não faltava mais nada”. Um perfeito desatino.

Assim o Tico e o Teco ficaram em curto-circuito, de tão amigos e certinhos, deram em desafinar. Cada um a puxar para seu lado, faziam lembrar aquela história dos burros teimosos presos num ponto equidistante de dois fardos de palha diametralmente opostos. Até que a dona da cabeça, farta de tanta confusão num copo de água, resolveu acabar com a barulheira: “mas afinal o que é isso comparado com o RAIO da terra?”

O Tico e o Teco quando ouviram a palavra raio pronunciada daquela maneira puseram-se logo em sentido com medo que estivesse prestes a ribombar um trovão.

“Quero juízo na cabeça!” – disse a dona da cabeça que já tinha os miolos a ferver.

O Tico e o Teco olharam um para o outro e sorriram. “É mais fácil sorrir do que andar zangado” disse o Teco “e até é mais bonito” disse o Tico.

A Isabel, que era a dona da cabeça, foi comer marmelada sem pão.

E acabou a confusão.

sábado, 8 de outubro de 2011

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A SOLUÇÃO

Última Quinta-feira de Setembro. Lisboa. Precisava de estar em Leiria às vinte e uma horas e já passava das dezanove.

Afigurou-se-lhe que a melhor opção seria seguir pela IC17, onde a obrigatoriedade dos setenta quilómetros por hora, que passados os túneis todos os condutores esquecem, compensaria o pára-arranca da segunda circular. Quando ouviu as notícias do trânsito comprovou que fizera uma boa opção. O trânsito intenso do fim de tarde agravara-se com um acidente, na segunda circular.

Logo que pode começou a acelerar. Paragem obrigatória na área de serviço de Torres Vedras. “Vai visitar os amiguinhos” brincam as filhas, mas ela pára para comprar pastéis de feijão à mãe, que natural da zona, é destes bolos uma fervorosa apreciadora.

Segunda etapa, nova corrida.

E foi junto à saída para Pataias, ainda em plena A8, mas já relativamente próximo do destino, que se fez luz. A solução estava ali, rodava calmamente na faixa da direita: uma auto-caravana!

Vislumbrando uma nova vida, sobretudo mais calma, entrou no Salão da Filarmónica de Marrazes onde iria acontecer a sessão da Assembleia de Freguesia.

“Vou comprar uma auto-caravana” declarou a I.A. à laia de cumprimento “eu vendo-te a minha carrinha de nove lugares. Tiras os bancos e colocas um colchão”; “viatura velha só com condutor acoplado”; “isso não pode ser, preciso do meu Z. para me aquecer os pés”.

Então ela pensou: a solução é, sem dúvida, a auto-caravana. Também dará para percorrer, sem cansaço, os quilómetros de parvoíces com que, quando estão juntas, fazem várias vezes ao dia o perímetro da Terra.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

SER PROFESSOR...

Ser professor é ser artista,

malabarista,

pintor, escultor, doutor,

musicólogo, psicólogo...

É ser mãe, pai, irmã e avó,

é ser palhaço, estilhaço,

É ser ciência, paciência...

É ser informação,

É ser acção.

É ser bússola, é ser farol.

É ser luz, é ser sol.

Incompreendido?... Muito.

Defendido? Nunca.

O seu filho passou?...

Claro, é um génio.

Não passou?

O professor não ensinou.

Ser professor...

É um vício ou vocação?

É outra coisa...

É ter nas mãos o mundo de

AMANHÃ

AMANHÃ

Os alunos vão-se...

E ele, o mestre, de mãos vazias,

Fica com o coração partido.

Recebe novas turmas,

Novos seres ávidos de cultura

E ele, o professor,

Vai ensinando com toda a ternura,

O saber, a orientação

Nas cabeças novas que amanhã

Luzirão no firmamento da Pátria.

Fica a saudade, a amizade.

O pagamento real?

Só na eternidade.

*”Ser Professor” – transcrição na integra de reflexão de autor anónimo (professor da UNL) presente num restaurante , outrora escola primária na Vila de Carrasqueira.

5 de Outubro - DIA INTERNACIONAL DO PROFESSOR

A comemoração deste dia é uma iniciativa da UNESCO assumida desde 1994.

A escolha deste dia prende-se com a data em que foi publicado o Estatuto do Professor (1966),um documento que reconheceu os professores com um instrumento que define as suas responsabilidades e os seus direitos.