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sexta-feira, 29 de março de 2013

NÃO RESISTI


Sócrates,os outros e ele próprio

por FERREIRA FERNANDES
Então, Sócrates voltou. Vou zurzi-lo. Um ex-primeiro-ministro de Portugal não dá explicações sobre como pode ir estudar dois anos para Paris. Parolos podem parolar sobre isso, mas gente da classe média que já teve filhos a estudar durante cinco anos em Paris sabe que isso é honestamente possível. Não se explica tal a um Octávio Ribeiro, diretor do CM, que insiste há meses com esse tema. Olha-se-lhe é para a cara dele e à pergunta que nela vem estampada ("E V. Exa toma mais alguma coisinha?") e responde-se: "Não, só a conta." E não se lhe deixa a gorjeta de uma explicação numa entrevista com jornalistas decentes. Tirando esse deslize, Sócrates foi moderado, criticou no PR falhas de solidariedade institucional. Ora com Cavaco um animal feroz levantaria outra coisa: aquele que é hoje o Presidente de Portugal ganhou de um banco, num ano, mais do dobro do que lá tinha depositado - e, depois de ter sido provado que o banco era de bandidos, não devolveu as mais-valias. Essa é a questão-chave, porque reconhecida e aceite, do desconforto dos portugueses com os seus políticos. Já com os chefes do Governo e da oposição, Sócrates limitou-se a mostrar, em contraexemplo, que Passos tem sido uma cucurbitácea, lá fora, e Seguro, um banana, cá dentro. Daí as minhas críticas por ele ir para essa coisa falsa que é político comentador político. Um político assim deveria ir ao congresso do seu partido e lutar pelo seu lugar.

segunda-feira, 25 de março de 2013

MINI MARATONA DE LISBOA

Este ano convidei uma amiga para me acompanhar na mini maratona de Lisboa, cujo aliciante é passar a Ponte 25 de Abril a pé. Ela aderiu à ideia com grande entusiasmo.



Na semana anterior à prova, marcada para o dia 24 de Março, ela todos os dias treinou percorrendo o percurso entre Belas e Alfornelos numa tentativa de conseguir chegar em tempo recorde ao local marcado para o nosso encontro. Como a melhoria não foi significativa, ela decidiu pernoitar no local combinado, com medo de chegar atrasada. Ei-la na Praça Teófilo Braga à entrada do Metro. 


 Entretanto, Domingo, dia 24, apareço eu...


E depois de tanta pressa, fez-me esperar que abrisse o talho porque queria levar morcelas para o farnel. As minhas barrinhas de cereais não a satisfaziam.

Seguimos de metro até Sete Rios e daí continuámos de comboio até ao Pragal, acomodadas como sardinhas em lata de conserva.


Receção na estação do Pragal em honra da minha amiga Albertina...


e toca a andar que todos os caminhos vão dar à linha de partida e ainda faltavamm cerca de dois quilómetros (tudo para mais nada para menos)

Um olhar distante sobre a linha de partida... Havemos de chegar lá... Já não falta tudo...

Ele há cada maduro!!!



O mais perto possível da partida verificámos que houve quem fosse de Ferrari...





Começou o aquecimento... 



E a minha amiga não brinca em serviço, mesmo correndo o risco de perder parte da vestimenta...




Eis os responsáveis pela animação.

Mas o calito... começava a incomodar.


Tiro de partida e toca a andar...


Há quem se desfaça da roupa para ir mais leve...


 E Lisboa da outra banda...


E o vento era tanto... E a ponte abanava... Ah! A minha amiga nem deu por isso. Tal era o entusiasmo!


E o Tejo ali, era só estender a mão e pegar...


 Contei os barcos. Não fosse faltar algum...


Vasco da Gama também assistiu.


E já havia gente lá em baixo... "Mas qual é a pressa?" (Onde é que eu já ouvi isto?)


 Olhei para trás...


A vaidosa mudava de sapatos...


Depois percebi porquê... Fora da bailação no almoço da escola... estava com calcanhares de quem fora a pé a Fátima...



A abelha maia também fora à mini maratona...


Houve quem levasse o bobby,,,


E aqui está a prova inequívoca de que aconteceu na primavera.


E rufaram os tambores...


O Francis Obikwelu tinha acabado de desistir porque a Albertina vinha em primeiro lugar...


Entretanto, agarrei-a pelo braço. "Então?! Qual é a tua? Deixa a miúda ganhar isto." Ela parou E foi assim que a Adriana Costa do S.C. Braga ganhou. Honra lhe seja feita.


A  minha amiga atirou-se às bananas do Jardim e eis a prova do estrago que provocou. Depois saboreámos um gelado, o novo do Magnum.



Para memória futura aqui fica esta foto com as medalhas que ganhámos.



Pormenor da medalha






O "reverso" da medalha



Já depois do café e perto da Praça da Princesa, onde esperámos que o príncipe nos viesse buscar


Foram dez quilómetros, mais ou menos...

quinta-feira, 21 de março de 2013

DIA MUNDIAL DA POESIA

Depois de uma quarta-feira para esquecer, rendi-me ao betaserc. Deixei de ter o mar nos ouvidos, passou-se me a cabeça para as nuvens.

Quão mais fácil não era ser a menina que brincava aos caranguejos, do que a velhota que queria ser búzio!

E hoje, dia Mundial da Poesia, peço a ajuda de Beryl Cook e Ary dos Santos para vos dedicar esta bela sinfonia.








Nona Sinfonia

É por dentro de um homem que se ouve
o tom mais alto que tiver a vida
a glória de cantar que tudo move
a força de viver enraivecida.

Num palácio de sons erguem-se as traves
que seguram o tecto da alegria
pedras que são ao mesmo tempo as aves
mais livres que voaram na poesia.

Para o alto se voltam as volutas
hieráticas    sagradas    impolutas
dos sons que surgem rangem e se somem.

Mas de baixo é que irrompem absolutas
as humanas palavras resolutas.
Por deus não basta. É mais preciso o Homem.

Ary dos Santos, in 'O Sangue das Palavras'

DIA MUNDIAL DA FELICIDADE




Ontem, regressara do concerto de Jazz, que aconteceu uns decibéis acima do recomendado para a sala intimista que é a do Teatro Miguel Franco e chegada a casa, ficara em ameno cavaqueio com um amigo no chat do Facebook. Ele reconhecido intelectual cá do burgo concedeu-me o privilégio de ler, em primeira mão, um dos seus poemas, acabado de escrever:

- Meu Deus! Estás triste? – quis saber. Como resposta enviou-me um poema de amor:

- Zangas-te se “mandar bocas”? – perguntei, achando estar a falar de amor “sob as tílias” quem talvez nunca tivesse amado em tal sítio.

Sugeri algumas alterações, deixando espaço e tempo para que quem lesse o poema se apoderasse dele e saboreasse o beijo como lhe apetecesse.

- E a mancha gráfica?

Eu disso gostava, mas não enjeitei a ocasião de referir que detestava o fim que entretanto lhe acrescentara, confessando humildemente que quem sabe, escreve e quem não sabe, opina acerca daquilo que os outros escrevem.

- Deixa-te de merdas – escreveu ele – conhecemo-nos há anos de mais para cerimónias. Se não quisesse a tua opinião não perguntava.

De facto somos amigos desde garotos, mas eu naquele momento não sabia se o meu amigo queria mesmo a minha opinião, se a minha companhia, num momento de solidão que talvez não lhe apetecesse  e se não perguntaria só para me manter ali, conversando mais uns minutos . Daí o meu pudor opinativo.

E neste vai e vem de versos deitei-me às duas horas da manhã.

Invariavelmente, acordo um pouco antes das oito e assim aconteceu hoje. Como era quarta-feira, dia da Carma vir limpar a casa, deixei-me ficar na cama até que a ouvi abrir a porta da rua. Então, pulei fora da preguiça.

Acordara com o "mar nos ouvidos", um cansaço enorme na alma e uma vontade ainda maior de me “atirar ao rio”.

- Hoje não pode ser – garantiu a Carma – temos de ir a minha casa buscar um saco de terra para os vasos e tem de me ajudar a mudar as flores.

E quem pensa que na minha casa mando eu, que se desiluda. Quando a Carma dá ordens, refile eu o que refilar, não me resta senão obedecer. O temporal levara as malvas-rosas das floreiras da varanda e a ela decidira substitui-las por amores-perfeitos que trouxera do viveiro da prima. “E toca andar que a manhã é curta” - não disse, mas pairou implícito e eu obedeci.

A tarde, passei-a debruçada sobre a má disposição, fechada em casa, a receber mensagens lembrando a vinda a Leiria de António José Seguro e só por volta das dezanove horas fui ao Continente às compras, para depois jantar e ir ouvir o líder.

O P da C veio cumprimentar-me mal me viu aproximar da entrada de ESECS e eu brinquei:

- Não precisavam de vir todos receber-me.

- Bastava vir eu, não era?

Entrei, atravessei o átrio, cumprimentando sem me deter e dirigi-me ao anfiteatro onde pacatamente tomei assento, esperando o início da sessão.

Era o Dia Mundial da Felicidade, mas eu não sou feliz por decreto.

quarta-feira, 20 de março de 2013

ESTAÇÃO




Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho

Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça

                            Mário Cesariny

quinta-feira, 14 de março de 2013

AQUELA FLOR DE ROSMANINHO


Cultivo um certo amor por caderninhos de notas pequenos, sem argolas, detesto cadernos de argolas, onde por vezes escrevo e que depois de concluídos destruo, porque não interessa a ninguém conhecer-me e eu habituei-me a que me pensem, como querem. Assim conquistei uma certa margem de liberdade de ser eu, dona e senhora do espanto dos dias, dos momentos de alguns dias.

Hoje, quando abri um desses pequenos cadernos, com a intenção de colar um raminho que colhera no Dia da Mulher, junto ao restaurante onde almocei, deparei-me com esta nota. O que relata podia ter acontecido hoje, nesta linda manhã sol:

Hoje, de manhã desci ao centro da cidade. Depois dos assuntos tratados, sentei-me na esplanada do “Aldeia dos Sabores”, na Praça Rodrigues Lobo, em ameno cavaqueio com a F.S. Cerca das doze horas, quando vinha embora, uma menina abordou-me:

- Olá. É para ti.

E ofereceu-me este pézinho de rosmaninho. Sorri enquanto pegava a flor.

-Olá. Como te chamas?

- Laura.

- Muito obrigada, Laura. És muito bonita.

Segui. A Laura, talvez uns cinco anos de gente muito ternurentos, lá ficou brincando na praça com os outros meninos, com o meu afago nos cabelos. Eu trouxe um sorriso lindo, daqueles que só as crianças têm para oferecer e um pé de rosmaninho bem cheiroso.

É preciso tão pouco para sermos felizes!

Aconteceu a trinta de Maio de dois mil e doze. Podia ter sido hoje…

terça-feira, 12 de março de 2013

ESCRITO DE MEMÓRIA


Formado em direito e solidão,
às escuras te busco enquanto a chuva brilha.
É verdade que olhas, é verdade que dizes.
Que todos temos medo e água pura.

A que deuses te devo, se te devo,
que espanto é este, se há razão pra ele?
Como te busco, então, se estás aqui,
ou, se não estás, por te quero tida?
Quais olhos e qual noite?
Aquela
em que estiveste por me dizeres o nome.

Pedro Tamen, in Tábua das Matérias

segunda-feira, 11 de março de 2013

DIA DA MULHER


Ela fora ver a peça de teatro em exibição na noite anterior e esquecera o telemóvel no silêncio. Na manhã seguinte, quando mudava os pertences para outra carteira, verificou que tinha duas chamadas não atendidas da mesma pessoa. Ligou. Ele, porque de um homem se tratava, recusou a chamada para ligar de seguida.

- Olá. Tentou falar-me esta manhã… – disse ela à laia de bons dias, desculpando-se o melhor que pode, por não ter atendido.

- Foi para lhe dar um beijinho. Hoje é o Dia da Mulher. – E de seguida informou-se do estado de saúde da mãe.

– Aguenta-se. – disse ela – um dia de cada vez.

- Hoje não é o seu dia.

- Como ?!

- Você é uma senhora, não é uma mulher. Eu não gosto de senhoras, gosto é de mulheres.

- Parece que está a dizer que não gosta de mim, mas eu não acredito. Se não gostasse não teria telefonado.

- Mas eu gosto de si, até gosto muito, mas você não é uma mulher, é uma senhora…

- Debaixo de uma senhora, há sempre uma mulher, não lhe parece?

- Mas você não deixa ver de baixo!

- A minha mãe não deixa. – riu-se.

O telefonema acabou com os despedimentos habituais e ela galgou as escadas em passo de corrida, já em cima da hora marcada na cabeleireira, concluindo como o humorista que a língua portuguesa é muito traiçoeira.

domingo, 10 de março de 2013

ENCONTRO

Esta manhã, vagueando pelo PC, encontrei-me num qualquer dia de um qualquer ano.
Aqui fica um fragmento. Para que não esqueça...

O que a vida nos faz… Ameaça e compensa. Estrangula e afrouxa o laço. Quase mata e reanima. E a felicidade está no equilíbrio entre a força com que enfrentamos a desdita e a esperança no que vem a seguir.


Palavras ditas, lembradas de mansinho, afugentaram a insegurança que ameaçava instalar-se dando espaço à doce expectativa de quem sabe que se já esperou tanto, pode esperar um pouco mais. A vida acontece em cada dia. Eu estou atenta. Alimento a felicidade de pequenas coisas, às vezes bem pequenas, com que a vida me premeia por entre todas as outras menos ditosas que vão acontecendo. Estas ajudam a valorizar as outras. Cada dia é um estado de graça. 



quarta-feira, 6 de março de 2013

SOCORRO


Mas alguma mulher se chamou, algum dia, Clináreta, Sóstata ou Filéneta?! Quando é que vou dizer os nomes sem gaguejar? Alguém se chamou Praxágora?! Que é feito das Marias, das Anas, das Margaridas, das Teresas, ou até das Isabeis?

Mas que sina é esta, a minha, que permite que um homem nascido há vinte cinco séculos ache por bem torturar-me? 

Não haverá um que frete um avião e me leve à ópera a Paris? Que contrate André Rieu e a sua orquestra para me deliciar com “Les Roses du Sud” enquanto subo a escadaria e atravesso o foyer do Palácio Garnier, para assistir ao espetáculo?

Aristófanes! Que mal fiz eu aos deuses? Que desassossego! Literalmente! O das tuas palavras, que à época lhe terão dado voz e o meu que não as decoro!

Socorro! Quem me acode?!

segunda-feira, 4 de março de 2013

AQUELA MENSAGEM


Aquela mensagem…

“ Não tentes contactar-me. Estou a ser muito pressionado.”

Era o ponto final num amor incondicional, feito de momentos, na grandeza dos afetos. Assim, sem mais nem menos.
Um amor que se alongara nos anos, sempre moço, sempre renovado. Pensara…
Ela apagou de imediato o e-mail. Não acreditava no que lia…



Eu pergunto: Ele pertenceria à CIA, à KJB, à Mossad?
Parece ficção…

Ao tomar conhecimento da situação, lembrei as palavras da minha professora de Teoria Geral do Direito Civil, sempre que eu reclamava apelidando de puramente académicos os intrincados casos que tínhamos de resolver nas aulas práticas: “Creia que a realidade é mais pródiga do que a minha imaginação lhe pode parecer.”

Eu possuo uma fértil imaginação. Será que alguma vez admiti como possível tal tirada? Garantidamente: não!

Como é que uma mulher sobrevive a uma mensagem como esta?
Sobrevivendo…

A cretinice do Homem nega a matéria de que é feito: Humanidade.

domingo, 3 de março de 2013

FOMOS


fomos

na tarde já tarde
fez-se dia
o rio desaguava
no terreiro
de cada rua
vinha gente
o caudal enchia
enchia

palavras e frases
dançavam
sorriam
gritavam
umas em sinfonia
outras desgarradas
em agonia

povo unido
jamais será vencido
gritava-se

terreiro ficou sem
espaço
passou a terreiro
do povo
com ar de revolução
de passos
exigiam a demissão

políticos
eram todos
partido nem um
a ordem era
o povo está em
luta
vem e trás
mais um

assim
nas mãos
nos braços
nas bocas
de um milhão
escorriam
todas as palavras
dignas de
indignação

joaquim vairinhos, 02/03/2013-terreiro do povo, Lisboa.

De um poeta e amigo virtual.

Que honra, a de pertencer a um povo que protesta cantando!


sexta-feira, 1 de março de 2013

FOI HOJE


Há muito que me apetecia sol e mar, cumprir a lonjura no marulhar fininho das ondas, caminhando pela areia, desafiando-lhes a espuma, que se desfaria a meus pés.

Não aconteceu terça-feira, por conta da Rita. Foi hoje. Ainda pensei convidar uma amiga, mas desisti. A amiga atravessa uma fase diferente da vida e é daquelas pessoas que enquanto não se adaptam, hostilizam quem as rodeia. Compreendo-a e aceito isso, pacientemente. Espero que lhe passe. Ela há de descobrir o ponto de equilíbrio. Eu hoje queria harmonia, precisava da harmonia daquela forma arredondada, tão recetiva da baía, qual útero materno, capaz de abrigar, para depois parir para as incertezas da vida todos que a ela se acolham, por aquela cloaca enorme que a barra, lá longe, onde ruge o mar, nos sugere, falando de incerteza, de desconhecido.

Conduzindo pela autoestrada, pareceu-me que a orla marítima estaria enublada mas, em vez de desanimar, mantive-me expectante. Galgava a distância em busca da luz, apetecia-me o reflexo do sol sobre o mar, tal como naquele poema que a adolescência escrevera: “Quero perscrutar o teu olhar e ver-me nele como o reflexo do sol sobre o mar”. Sonho de menina que se alongou no possível: este mar espelhado, vestido de prata, numa tarde de sol.

Desde Leiria, percorri os cerca de cinquenta quilómetros na companhia de Rodrigo Leão. Ah, aquela faixa dez! E eu imagino-me a abrir essa "Janela", estendendo os olhos por uma seara de trigo salpicada de papoulas e malmequeres. Deixo a janela aberta ao sol e saio, embrenhando-me campo fora. Ao que vou, não sei, talvez apanhar malmequeres e papoulas para florir a espiga dos Maios da minha infância. E a faixa tocou uma e outra vez e a seara ondulava ao sopro da minha imaginação…

Eis S. Martinho ensolarado, numa tarde magnífica. Arrumei o carro na marginal e dei a mão a Praxágora. As duas fizemo-nos à areia, caminhando pela borda da concha, naquele diálogo inventado quatro séculos antes da contagem dos que vivemos e ainda assim tão atual. “Ah! – desabafei – se conseguir cumprir-te nos dez ensaios de que disponho, considero-me a maior atriz da minha rua.” Praxágora riu-se: “Não há lá mais nenhuma…” “Por isso mesmo. Não pretenderias que insultasse, fosse quem fosse, com a minha fragilidade cénica e a ausência da professora”.

Sentei-me depois na esplanada do Bohémia e merendei. “Tenho de ir embora” – pensava – “mas tenho de ir embora porquê? Tenho algum compromisso, para além das rotinas inconsequentes com que entretenho o tempo?” Não, não tinha.

E deixei-me ficar até que o vento frio me mandou embora.