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domingo, 30 de dezembro de 2012

A DIFERENÇA


SÍSIFO

Recomeça....
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...

                                    Miguel Torga

Lancei o poema ao vento e o eco respondeu:

"Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças..."



E os dias repetir-se-ão sempre iguais. O Sol nasce e põe-se imperturbavelmente. Não há qualquer ingrediente que torne diferente esta cadência. O milagre somos nós. Nós possuímos a capacidade de tornar os dias diferentes. É o significado que atribuímos aos muitos momentos de interação com os outros, que pinta a vida com as cores do arco-íris.

Sejam felizes!


sábado, 29 de dezembro de 2012

ANO NOVO


E o Natal passou. Mais um que aconteceu cumprindo-se em desvelos.

O André veio uma semana antes. Presente antecipado do Pai Natal que atirou com os preparativos culinários para horas habitualmente consideradas impróprias. Não por mim, que tantas vezes trabalhei alongando-me nas horas em que, vulgo, se costuma descansar.

E cozinhei: “para um regimento” – dizem as filhas - que depois se abastecem e levam para suas casas o comer em excesso, poupando-se no trabalho de confecionar algumas refeições. Também eu fico fornecida por uns tempos e, por vezes, até dá para as amigas provarem as iguarias.

“A avó coseu o peru” e todos pensando que o havia cozido não entendiam a admiração… “sim?!” – alguém comentou condescendente. “Com agulha e linha e brincou com as asas; até parecia que o peru dançava” – acrescentou o André. Foi então que se percebeu o espanto. De todos os trabalhos, o André vira rechear o peru e prepará-lo para assar.

Comido o jantar do dia vinte e cinco, começa a debandada. Primeiro parte uma, depois os outros todos. Volto a ficar só. Pela casa parece ter passado o “fim do mundo” e eu começo a arrumar…

E continuo arrumando no dia vinte e seis. Depois cedo lugar à tristeza. Há sempre algo em mim que se não cumpre. São afetos – outros - que me faltam: uns que se foram, porque a vida se há já cumprido, outros porque os não terei merecido. É a nostalgia do Natal: ataca, sacudo-a, adormeço-a e a vida continua, na certeza de que mais ou menos sofrida é o melhor presente que já me foi oferecido.

Ah! Sem presentes de outra ordem. O Pai Natal chegou apressado. Bateu, deixou as prendas na varanda e escapuliu-se. O André bem chamava. Pai Natal! Pai Natal! Este ano nem o vi… – lastimava-se e ele nada, nem para trás olhou. Mas eu gritei-lhe da varanda: Acabe depressa com a crise que eu também quero prendas… Tenho a certeza de que terá ouvido. Sou professora e faço teatro,  falo bem alto!

E chegámos ao fim de mais um ano. Em trezentas e sessenta e seis folhas fomo-nos entretendo a escrever sem borracha. Teremos escrito o melhor que pudemos, tantas vezes angustiados e sempre comprometidos com as decisões que tomámos. E tantas vezes assaltados pela dura sensação de impotência perante as situações em que não dependo só de nós a solução, não conseguimos cativar os outros para ela.

A nível do coletivo ensombramos negra nuvem. A palavra oportunidade, de tão vã, passou a significar demagogia e só um povo de brandos costumes, teimosamente verde, consegue vislumbrar a vontade de continuar a acreditar que o milagre acontece. 

E eu, contagiada pela vontade coletiva de que tudo se resolva a contento também acredito que terei a força, a coragem e discernimento necessários para levar a vida por diante.

Que venham essas trezentas e sessenta e cinco folhas brancas! Cá as espero de lápis afiado, pronta a escrever mais um ano de vida, não como eu gostaria, mas da melhor maneira que for capaz.

Desejo a todos alento e coragem, muita coragem para enfrentarem as vicissitudes que possam surgir, tantas delas devidas a loucuras “outras” que não nossas, mas que nós teremos de sofrer na pele como se de opções nossas fossem a consequência. E acreditem, acreditem que dia a dia o ano cumprir-se-á e havemos de respirar aliviados. Só precisamos de saúde e vontade de viver, o resto virá por acréscimo.

Para vós, os meus votos de um ano de 2013 bem vivido e um abraço solidário.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O BEIJO E A LÁGRIMA


Por S.Martinho do Porto, pisando a areia da praia, enquanto a maré descia...





Quero um beijo, pediu ela.

Um sismo
abalou o peito dele.
E devotou o calor
de lava dos seus lábios,
entontecida água na cascata.

Entusiamado,
ele se preparou para, de novo,
duplicar o corpo e regressar à vertigem do beijo.

Mas ela o fez parar.

Só queria um beijo.
Um único beijo para chorar.

Há anos que não pranteava.
E a sua alma se convertia
em areia do deserto.

Encantada,
ela no dedo recolheu a lágrima.
E se repetiu o gesto
com que Deus criou o Oceano.

Mia Couto




quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

UMA HISTÓRIA TRISTE DE NATAL


Aconteceu há alguns anos. Foi na primeira noite de Natal que passei sozinha com a filha mais nova. Quem tem a filha mais velha casada com marido de famílias radicadas longe, está sujeita à circunstância de ano sim, ano não, ficar sozinha com a outra.

Nesse ano, arquitetara a ideia de voltar à Missa do Galo, soubera que o Padre Carlos recuperara do último AVC e queria ouvi-lo cantar. Quem não canta, encanta-se com a voz dos outros. Ele fora meu professor anos a fio e trabalháramos juntos na JEC. Cantava muito bem. Gostava de ouvi-lo. Como era bonita aquela canção ”bom dia nada custa…" (acho que é por isso que cumprimento toda a gente). Teria de convencer a Zara a acompanhar-me…

Eu fora à cabeleireira na manhã do dia vinte e quatro. Fui à Lina, cabeleireira que dispunha de um salão situado junto da escola aonde trabalhava. Era o hábito, só sabia caminhar para aquele lado. “Só sei estacionar o carro no pátio da prisão” – brincava eu referindo-me ao Largo Rainha Santa Isabel.

Ao chegar, reparei que esquecera a maçã para comer a meio da manhã e, antes de entrar no salão da cabeleireira, atravessei a rua e fui à mercearia da Alice. Ela estava lá, a dona Amélia. Amélia tal como minha mãe. Uma velhinha muito magra e sumida de anos e solidão. Queixava-se disso mesmo, de solidão. Ia passar a noite só, não tinha família. “Dá-me licença que pague a maçã, antes de a senhora ser atendida?” Que sim, que pagasse e eu saí em passo de corrida, com o coração a ordenar-me que convidasse a dona Amélia para jantar connosco e a inventar desculpas para não o fazer. “Também não vou levar a minha mãe” – a falta de elevador do prédio não permitia elevar a cadeira de rodas até ao segundo andar; possivelmente a P. virá buscá-la – P. era minha amiga, colega de trabalho e proprietária do pequeno apartamento onde morava; quero ir à Missa do Galo e o convite impedirá isso; e só conhecia a dona Amélia de vista; e tantas razões inventei que não a convidei.

A Zara chegou, as horas passaram e depois do jantar fomos à Missa do Galo. Havia pouquíssima gente, estava um frio atroz e o padre Carlos… o padre Carlos mal falava, como poderia cantar? E, no fim, a Zara: “não voltas a querer trazer-me à Missa do Galo, pois não?” “Melhor fora ter convidado a dona Amélia para jantar connosco… “ comentei e contei-lhe o encontro dessa manhã, na loja da Alice – “Pois era. Nós não apanharíamos frio e a velhota ficaria feliz” respondeu a Zara, mas já não havia retorno.

Os dias passaram e quando a Carma retomou o serviço perguntei-lhe pela dona Amélia : “A P. levou-a para jantar na Noite de Natal?” – que não  - “ah! mas a senhora não sabe? A dona Amélia morreu poucos dias depois do Natal". Que notícia! E eu que sabia tão bem o que era a solidão, fiquei sofrida, por sabê-la só no último Natal.

Segunda-feira, uma semana antes do Natal, à janela da cozinha, tendo por fundo a mancha verde do jardim da vizinha a que só a buganvília ainda com algumas flores cor-de-rosa, empresta cor e manchas escuras, via chover. Pensava que, possivelmente, aquele jardim se fosse meu não mostraria aquela profusão desordenada de folhagem, mas que era gratificante para os olhos e para a alma mergulhar naquele verde imenso. Olhava através da vidraça a chuva que caía decididamente oblíqua. Gosto de ver chover. Estava tão feliz, que nem sentia a presença física da vidraça.

E lembrei-me da dona Amélia…

Acontece-me inesperadamente em cada Natal, desde que a ouvi falar de solidão.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

AH! OS NETOS...


Hoje de manhã, como quase sempre, à sexta-feira, fui à cabeleireira. Levei o André que veio no domingo e ficará até ao Natal, como se fora um presente antecipado do Menino Jesus.

Como fazia no tempo da mãe e da tia, preveni-me com bolachas e um livro de histórias, para vencer a impaciência que o André pudesse manifestar ao longo do tempo de espera. Só não levei água, pensando que lá era coisa que não faltaria.

Chegados à cabeleireira, o André sentou-se. “Queres ver o livro ou queres que a avó te leia uma história?” – Quis ver o livro enquanto me começavam a lavar a cabeça. “Avó, não gosto deste livro” – Pois, a avó tirara um livro da estante, pertença da mãe ou da tia, com muitas histórias e nem se dera ao trabalho de reparar se se adaptavam ao nível etário… E continua sem saber, na verdade acha que, passados tantos anos, os interesses são outros, porque aquele livro usara-o com crianças mais velhas, sem reclamações da parte destas.

A cabeleireira resolveu a questão latente emprestando um Tablet – nem já as cabeleireiras são como as de antigamente – e o André descobriu um jogo adequado ao momento e vá de brincar mudando os penteados da imagem feminina que aparecia no monitor dizendo que era eu. Tive cabelo às riscas, espetado, bicolor, curto, comprido, com lacinho e sem lacinho e lavaram-me a cabeça e secaram-me o cabelo, na paz do Senhor, sem sacrifícios de espera impaciente para o neto.

“Acha que com esta altura fica bem o cabelo enrolado para fora?” – perguntei à Lígia. “À senhora tudo fica bem” – ora ali estava uma maneira airosamente mentirosa, de responder de forma afirmativa à minha pergunta. Faça-se! E quando vi o cabelo enrolado para fora, até gostei do resultado. Estava diferente, muito diferente. Paguei e saímos.

Com o André sentado, no carro, no banco de trás, cinto de segurança colocado e com tudo como mandam as regras, ponho o motor a funcionar e preparo-me para arrancar. “Avó” – paro e olho para trás – “há algum problema?” – não, não havia, só curiosidade: “Mas afinal o que vieste fazer?”

Ah! Os netos… Que adoráveis pestinhas! E ri-me com vontade, não fora eu uma mulher que prefere uma verdade nua e crua  à mais piedosa das mentiras. 

PODIA ACABAR O MUNDO

Mas não acabou. O fim do mundo não quis nada comigo...

...

Podia acabar o Mundo
Desabar a ponte sobre o Tejo
Que eu viria do fundo Mar
Só para te dar mais um beijo
...
Rosa Lobato Faria

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

BOAS FESTAS

Amigas e amigos,

Desejo que este Natal vos renove em esperança e amor.
Boas Festas.
Para todos o meu abraço solidário.

Isabel



LOA

É nesta mesma lareira,  

E aquecido ao mesmo lume,  
Que confesso a minha inveja  
De mortal  
Sem remissão  
Por esse dom natural  
Ou divina condição,  
De renascer cada ano,  
Nu, inocente e humano  
Como a fé te imaginou,  
Menino Jesus igual  
Ao do Natal  
Que passou. 



Miguel Torga





quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

TERROR DE TE AMAR


Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo 

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

SORRISO AUDÍVEL DAS FOLHAS


Sorriso audível das folhas
Não és mais que a brisa ali
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.

Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar
Tudo é vento e disfarçar.

Mas o olhar, de estar olhando
Onde não olha, voltou
E estamos os dois falando
O que se não conversou
Isto acaba ou começou?

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O VENTO


«O vento

Por mais que tente, o vento
não consegue adormecer
se não tiver nada para ler.
Seja uma folha de tília,
de bambu ou buganvília.
É por isso que o vento
arrasta as folhas consigo,
até encontrar um abrigo,
onde possa adormecer.
- arrastou até a folha,
onde eu estava a escrever!»


Jorge de Sousa Braga


Já aí chegaram as palavras?

sábado, 15 de dezembro de 2012

CANÇÃO NA PLENITUDE



Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

Lya Luft, Secreta Mirada, Editora Mandarim - São Paulo, 1997


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

FATALIDADE



Não sei tecer
senão espumas,
nuvens
e brumas.
Coisas breves,
leves,
que o vento desfaz.

Como prender-te
em teia tão frágil?

Luísa Dacosta

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

NATAL DOS POBRES



Quando a mulher adormeceu
naquela noite de Natal,
o homem foi, pé ante pé,
pôr um sapato (dela, não seu)
com um embrulho de jornal
na lareirinha da chaminé.

Um casal pobre... um ano mau...
Era um pedaço de bacalhau.

Ora alta noite, pela janela,
com fome e frio, entrou um gato
que, no escuro, cheirando aquela
comida boa no sapato,
rasgou o embrulho, comeu, comeu
e, quente e farto, adormeceu.

De manhã cedo, ela acordou,
foi à cozinha e viu o gatinho
adormecido no seu sapato.
Voltando ao quarto, feliz, falou
para o seu homem: – Meu amorzinho,
como soubeste que eu queria um gato?

                                                   Leonel Neves

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A CARTA


A Ana, depois de prolongada ausência, retomara o serviço e eu, em vez de arranjar as unhas na manicure que trabalha no salão da minha cabeleireira, marquei o serviço na Leiriestética. E lá fui…

Ela arranjava-me as unhas e eu conversava com a O.  que entretanto aparecera para o mesmo e por me ver, invadira o espaço. A certa altura, a Ana levantou-se e voltou com uma chávena de chá. É sempre assim: entre uma mão e outra, ela oferece-me uma chávena de chá, porque para além de saber fazer o seu trabalho, sabe cativar as clientes. E aqui cativar tem mesmo o significado de “criar laços”, que Saint Exupérie lhe atribuiu, dado ela ser uma jovem sorridente e afável. “Diga-me, no outro lado onde arranjou as unhas também lhe serviram um chazinho…”- perguntou-me com ar malandro -  “sua chantagista! “ - exclamei enquanto ela servia o chá à minha amiga – “saiba que não me deram chá, mas ofereceram-me uma taça de champanhe e uma fatia de bolo floresta negra” “porque foi o aniversário do salão, senão não teria direito a coisa alguma” E a conversa continuou, inconsequente enquanto a Ana tentava acabar o trabalho.

Reparei então que no fundo da chávena, à semelhança do que acontecia antigamente, havia um pedacinho de folha de chá, sem que se entenda por que artes terá conseguido escapar à embalagem que se usara na máquina. “Gosto do chá” – ela servira-me um chá de pêssego - “mas ainda gosto mais da mensagem que contém”- brinquei eu - “mensagem?!” Então expliquei, com a anuência de O. que garante que ainda faz chá assim, que antigamente não havia folhas picadas para a infusão, em saquetas, nem máquinas que fizessem o chá, resultando daí que as folhas eram vendidas picadas em pequeninos pedaços, pouco maiores que o que se podia ver na minha chávena e que, depois de mergulhados em água a ferver, era necessário esperar que assentassem, para se servir o chá. Se o acaso fazia com que algum desses pedacinhos saltasse para a chávena, a feliz contemplada, sabia que ia receber uma carta. “Carta, não. Já não se usa. Um email” – brincou por sua vez a Ana “ora tanto faz – retorqui – é preciso é que seja um miminho, pois é do que bem preciso”.

Acabado o trabalho, despedi-me, não sem antes pagar, obviamente, e saí.

Chovia e meia dúzia de passos dados encontrei a dona L. que parecia passear-se à chuva. As boinas que ambas usávamos tornavam-nos “atletas” do mesmo clube, mas de modalidades diferentes, dado ser tigresa o padrão da minha e de ser preta a cor da dela, com aquele ar de sofisticação que a pregadeira, colocada no lado mais baixo lhe dava. Um dedinho curto de conversa e seguimos, cada uma para seu lado, dado que achando que não chovia, se recusou a que a acompanhasse a casa, sob a proteção do meu chapéu-de-chuva. A conversa tida na Leiriestética fora completamente esquecida.

Só depois de aberta a caixa do correio, à entrada do prédio aonde habito, à visão de uma carta diferente, me lembrei do chá. Lá estava a carta! Era mesmo uma carta, não um email conciso. Só poderia ser a carta que o chá anunciara! Abro-a… e que mimo!

Era uma carta das Finanças… alguém nos ama mais? Alguém se lembra mais de nós? Poderei eu queixar-me com falta de mimo? Quinze euros de coima por ter comprado o selo do carro, respeitante ao ano de dois mil e oito, nos primeiros dias de Novembro em vez de o ter feito até trinta e um de Outubro.  Que outro mimo me deixaria mais efervescente? Quem não ficaria “com asa leves e brincos na alma"?

Ah! Depois do que conto ainda haverá alguém que duvide das premonições das folhas de chá?

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

PARIS

Lembraram-me Paris...




À beira do abismo...


E a "birra"?! Sim. Eu queria a Vitória de Samotrácia só para mim. Eu queria deliciar-me com aquele deslizar leve. Eu queria sentir o vento naquelas vestes. E... só via japoneses à minha volta... Não deve ter ficado um só no Japão. Multiplicavam-se, ali, à minha beira.  Deu-me "uma coisinha má": "daqui não saio, daqui ninguém me tira: Eles hão de ir embora." - disse às amigas. E foram...

 A escadaria... O meu sonho louco (um dos... tenho tantos!)

Quedei-me a olhar

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O PRESÉPIO



A Carma entrou esbaforida. Ela não sabe entrar de outra maneira. Anda sempre em passo de corrida e por isso mereceu de minhas filhas o epiteto de “Furacão”. Antes de desejar  bom dia adiantou “está aqui o musgo. E olhe só a sua sorte! Este ano limpei o pinhal, nunca pensei que lhe arranjava musgo tão bonito para o presépio”.

“Então bom dia também para si” – brinquei eu, pensando que a minha sorte não era ter musgo, mas sim esta Carma, que à mistura com o musgo ainda trazia ovos, couves, alfaces, marmelos e que me satisfazia as vontades e me obrigava a satisfazer as delas. “Mais marmelos?!” – espantei-me eu – “e quem come a marmelada?” “Isso não sei. A minha prima tinha-os lá para si (e referia-se à Guia sua terra natal e minha também). Não os pode deixar estragar”. Estava proferida a sentença: Faz marmelada e cala-te!

E “toca” de fazer o presépio, que ela tinha mais que fazer do que aturar-me. Não foi dito, mas era a ideia subjacente à ligeireza com que se dirigiu à varanda e começou a desocupar a mesa, tirando os vasos mais pequenos. As figuras do presépio já lá estavam, debaixo da mesa, na caixa que trouxera na quarta-feira da garagem e eu tratei de as dispor sobre as placas de musgo com que entretanto forrara toda aquela superfície branca.

“Vá, saia daí que eu ainda limpo todo o lixo que fez” e eu obedeci. Restar-me-ia outra hipótese? “ Que cara é essa?” - a Carma acabara de surpreender o olhar analítico com que eu olhava, desde a porta da sala, a obra recém-acabada - “O presépio ainda não está bem?” - quis saber.

Então não está? Claro que está bem e estará muito melhor quando o André chegar e submeter as figuras a outra ordem e nos deliciar com outras leituras estéticas.

Para todos vós,
Feliz Natal 



O cato ainda não floriu, atrasou-se, mas está cheiinho de rebentos e as flores irão debruçar-se, em delicados tons de rosa, sobre a manjedoura.




segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO


Quando no fim da década de oitenta, início da de noventa, me debrucei sobre o tema valores em educação, pude concluir, embora esse não fosse o objetivo do trabalho, que, na década de noventa, iríamos estar perante o boom da comunicação.

Pois parece que aconteceu, como previra. Hoje, dia 3 de Dezembro, contam-se vinte anos, sobre o envio da primeira mensagem através de SMS, com votos de Feliz Natal. E, de então para cá, como evoluíram os meios técnicos postos ao nosso alcance!

Pois nem mesmo com a perfeição da técnica se evitam situações embaraçosas, resultantes de falhas humanas. Aconteceu-me sábado. Descia as escadas. Ao ombro carregava o saco com roupa para o fim de semana, na mão esquerda levava mais umas coisas e com a direita ia escrevendo uma mensagem que pretendia enviar a um amigo. Como fiz não sei, mas em vez de a enviar a uma pessoa, enviei a outra. Fico zangadíssima quando sou protagonista de situações destas. Sinto-me info-excluída. Sei que nada mais há a fazer senão pedir desculpa a quem incomodei e voltar a enviar a mensagem, desta vez para quem pretendia, mas que fico zangada, é um facto.

Mas se fosse só isto que fizesse… Uso o dicionário para gastar menos tempo e muitas vezes, por falta de atenção as mensagens seguem com falta de palavras ou têm letras a menos. O meu amigo ASS, devolve-me as mensagens com a recomendação.”Lê o que escreveste. Não entendo isto” E eu apetece-me responder, “se não sabes, inventa”, mas encho-me de paciência e emendo o que escrevi para que nada lhe falte.

Nessa tarde, eu ia para Lisboa. O neto tinha feito sete anos durante a semana e o jantar da família seria nesse sábado. Pois à mesa, a minha filha mais velha, queixa-se de cansaço e, segundo dizia, andava tão mal que, em vez de mandar os apontamentos de Economia aos alunos, como seria suposto, os enviara para o Jardim de Infância que a filha, de um ano, frequenta. “E será que as crianças já apreenderam os conceitos?” – perguntou o sogro. “Não sou só eu…” – pensei, associando-me à brincadeira que tal facto ocasionou.

Pois, não acontece só com o SMS nem só comigo. Também acontece com o servidor de email. Habitualmente recebo emails que se destinam a uma advogada da zona do Porto. E o que passei até descobrir?! Os primeiros emails eram assinados por uma tal Z., dando-se o caso de eu conhecer uma pessoa com esse nome invulgar, sem que tenhamos a convivência necessária para os desabafos que eu lia. Preocupada e desejosa de ajudar de algum modo, perguntava a outros amigos “Tem visto a Z?” “Ela está bem?” a resposta invariavelmente referia que nada sabiam dela, pois há muito que ninguém a via, mas que constava que estava com problemas com o marido. “Mas que problemas?” O texto dos emails referia problemas com “ele”… Ninguém sabia e martirizava-me pensar que tinha merecido os seus desabafos e não conseguia ajudar… Um dia encontro-a: “Então como vais? Ninguém sabe de ti…” “o meu marido tem estado tão doente… Nem queiras saber o que tem sido”. Aquilo não encaixava com as lamurias que, de vez em quando eu recebia. E os emails foram chegando até que, num mais pormenorizado, me apercebo se tratava de questões laborais. Só poderiam ser dirigidos a uma advogada. Respondo: Minha senhora não serei, por certo, a Isabel Soares que pretende contactar. Recomendo que verifique, com atenção o endereço de email…

Mas a porta pareceu abriu-se. Atrás dos emails que refiro, outros vieram. Contas da referida advogada para pagar; tricas de que os advogados por vezes necessitam para se situar; relatórios de contas e por ai fora… Mas não ficamos por aqui. A Câmara de Matosinhos já me mandou apresentar sem falta ao serviço, avisando que se não o fizesse seria punida por lei e um agrupamento de escolas, situado também para essas bandas, no início do ano letivo, multiplicou-se em planificações.  

As planificações corrijia-as sugerindo, quando as devolvo, as alterações que me parecem pertinentes. Fiz esse trabalho durante tantos anos que nem consigo resistir. Também não deixo de pasmar com o facto de os professores, nove anos após a minha aposentação, estarem a planificar cada vez pior. Não posso generalizar, mas posso garantir que, nas planificações que avaliei, há uma indesculpável confusão entre objetivos e atividades e entre estas e as estratégias. Abstenho-me de referir a gestão do tempo…

Nunca recebi resposta a não ser do senhor das tricas, que se congratulava com o facto de ser discreto, o que me levou a questionar o que seria ser indiscreto, do técnico de informática que compusera o PC à advogada, jovem que me endereçou um pedido de desculpas, absolutamente desnecessário, acompanhado da sua foto com a mulher e o cão, provando-me, dizia ele, que era uma pessoa de bem, coisa de que aliás nunca fora posta em questão. Com o responsável pela educação na Câmara de Matosinhos ainda troquei dois ou três emails bem dispostos e ficou-se por aí.

Para além de se apostar no desenvolvimento da tecnologia, porque não apostar também, na reciclagem dos utilizadores. Eu já estou na fila. Sou a primeira e como já estou cansada de estar sentada à espera, vou dormir e sonhar com os anjos.