Herdei de minha avó materna o nome completo. Coube-me, como única originalidade, acrescentarem Maria depois de Isabel e terminarem com Soares, que é o apelido de meu pai.
E é a vivência com essa velhinha que recordo hoje. Era uma mulher frágil, muito doce, com o coração do tamanho do mundo e amor “para dar e vender”.
Todos os anos, em Setembro, na altura das vindimas, passávamos férias em casa da minha avó Isabel, até no seu último Setembro…
Aqueles dias eram de encantamento. No quintal, separado da casa por uma serventia pública, havia figueiras retorcidas com troncos por onde cavalgava a minha imaginação. O espaço era só meu… e os figos também! Personalizei-os como amigos, inimigos, guerreiros, cavalgando naquele tronco meio deitado que foi o meu cavalo verde.
Quando a intelectualização me começou a entrar na vida, com mais força que a aprendizagem através dos sentidos e me vieram com aquela de que o cavalo verde simbolizava a Morte, só consegui pensar “Estão doidos!” e continuei a sonhar com o meu cavalo. Na adolescência, pretendi mesmo que, montado nele, chegaria o homem dos meus sonhos. E não é que anos mais tarde vi a ideia materializada num filme, cujo actor principal até ganhou o Óscar?! Sentada confortavelmente na sala de cinema só conseguia pensar ”Graças a Deus ainda há loucos!”
A Elisabete (que será feito de ti?), filha do “Zé Grigó” morava perto, mas a vida obrigava-a a cumprir tarefas de que a falta de tempo da mãe se não compadecia; contudo foi na melancolia dos finais de tarde que com ela aprendi a andar de burro. E se eu gostava de passear no burro do Zé Grigó… Da Elisabete, cuja circunstância de vida obrigava a ser adulta, com a minha idade, recordo a paciência com que aturava as minhas excentricidades.
O “Zé Grigó” era um homem pequenino, cuja deficiência na fala o impedia de pronunciar devidamente o nome: Gregório! Da mulher só recordo o silêncio e o deslizar suave pela resignação dos dias que deveriam ser outros e não aqueles que lhe couberam em sorte.
E a minha avó?!
No primeiro dia de férias, feito o transporte das malas no burro do Zé Grigó, desde a estação de Dois Portos até à Ribaldeira, dava-me um saco de dinheiro, tudo em moedas de tostão. Sim, porque eu não gostava de dinheiro, gostava era de brincar com as moedas e as de tostão eram as únicas que não interessavam ao meu irmão, doze anos mais velho do que eu e logicamente com interesses “outros”, a quem, nem o facto de caber bem maior quantia impedia de cobiçar a minha e, logo nesse dia, ia comigo apanhar amoras.
E nas alturas do mimo, farta de cavalgar na figueira ou de apanhar bichos para dentro de uma garrafa (que aflição quando fiquei com o dedo médio da mão esquerda debaixo de um pedregulho enorme! E que dores! Até tive direito a uma unha nova!), eu, roçando-me por ela, pedia “Avó, deixa-me brincar com a tua pele”. E, a minha avó sentava-se numa cadeira comigo ao colo e deixava-me acariciar-lhe as rugas do rosto e do pescoço.
E, ainda hoje, quando o silêncio não me apetece e não há palavras ternas nem gestos de carinho suficientes para o preencher eu fecho os olhos, traço com os dedos o contorno daquele rosto e sinto nas mãos o conforto da sua pele fina.
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