Pela mão da minha mãe, num vestidinho branco de flores azuis, lá vou eu pela estrada da Carreira de Tiro. Às vezes ela solta-me e saltito estrada fora para a esperar meia dúzia de passos mais à frente.
Somos muitos, homens, mulheres, crianças, todos atrás do carro de bois do velho “Regueira de Pontes” (seria mesmo velho?), não vá cair algum dos cestos do farnel!
O carro preto do senhor José Pereira Santos a que a proveniência familiar alcunhara de Zé Alcanena aproxima-se e o sorriso da D. Julieta pergunta da janela “há alguém a precisar de boleia?” e quem precisa aproveita, porque para alguns, aqueles pouco mais de dois quilómetros da Estação (Sismaria da Gândara) até à Mata dos Marrazes custam a percorrer.
O percurso é o princípio da festa…
Depois as mantas estendem-se pela mata e exibem-se os tachos: arroz de cabidela, coelho, … “prova aqui do meu que está bom”… o pão-de-ló, o arroz doce, o leite-creme…
No bar improvisado o Sr. Chico e o Silva Gante vendem pirolitos. As garrafas são lindas, com uma bolinha dentro (ou atrair-me-ia a bolinha inatingível?)
As senhoras conversam animadas e as gargalhadas da D. Regina ecoam naquela tarde de Primavera.
O meu irmão, bem mais velho que eu e os outros rapazes namoriscam as moçoilas no bailarico, que acontece no terreiro improvisado.
E o meu pai pacientemente desfia as horas de ouvido na música e olhos na minha mania de me pendurar em tudo que é galho, enquanto com os outros garotos, corro naquele terreno irregular por entre as árvores da mata.
Joelhos esfolados e o dia tomba.
Então, o Clube, como dizíamos, que hoje todos conhecem como ACS, mobilizava os habitantes de Sismaria e todos os anos no dia 10 de Junho juntávamo-nos num piquenique na Mata dos Marrazes. Quando ainda nem havia televisão, era em torno desta colectividade que decorria toda a vida sociocultural do lugar.
O que sinto não são saudades porque "a vida passa e em passar se cumpre",como diz o poeta Rui Belo e, olhando para trás, rejubilo com a lembrança de uma infância feliz vivida no mais profundo desconhecimento do conceito de felicidade. E porque ainda recordo os sabores, os sons, os cheiros, as cores, as texturas dos malmequeres com que fazia colares e das papoilas com fazia bonecas descabeladas mas, e sobretudo, os afectos vividos, que deixo o pedido: Ajudem-me a reinventar a Mata de Marrazes.
Adorei esta sua publicação.
ResponderEliminarAtravés dela fiquei a saber como no seu tempo de criança passava os tempos livres, apanhando ar puro na bela MATA DOS MARRAZES.
A Mata dos MARRAZES merece a ajuda de todos.
Parabéns!Continue com as sua publicações que eu adoro a sua escrita e sempre vou aprendendo mais alguma coisa!
Olá Caríssima Isabel!
ResponderEliminarAdorei a maneira como expôs a situação da Mata da Marrazes. Agarrar no seu passado e relembrar todas as coisas boas que a Mata já proporcionou a uma série de pessoas foi excepcional!
Eu não fazia ideia que a mata estava em risco, mas tudo quanto seja destruir a paisagem por uma causa menor para mim é triste por isso gostei do apoio que deu à causa!
As imagens reconstruidas a partir de tão nítidas e sentidas recordações dos teus tempos da meninice induzem em quem lê a sensação de estar a visionar essas cenas camprestes, à distância de vários anos. O estilo, a competência no uso das palavras certas, o rendilhado da descrição espelham a alma de poeta e estilista que guardas dentro de ti. Parabens, muitos parabens!
ResponderEliminarÉ sensibilizada que agradeço os vossos comentários.
ResponderEliminarObrigada a todos, não só aos que publicaram as palavras que nestes comentários se podem ler, como àqueles que o fizeram através do meu endereço de e-mail.
A vossa amizade tem a particularidade maravilhosa de me fazer sentir o vosso apoio, a vossa estima, a vossa presença mas, sobretudo o vosso amparo nesta escolha difícil de seguir o caminho "menos caminhado". Sois vós que fazeis a diferença!
Um beijo para todos.
Olá Isabel. Só agora li o escreveste sobre a Mata dos Marrazes e deixa que te diga que está muito bonito, muito sentido e tb. muito bem escrito. Um pouco mais velho, eu sou desse tempo e senti ao ler-te , essas lembranças, esses cheiros, essas cores que tão bem pintas!
ResponderEliminarSabes que estou envolvido c/ a AMITEI e, neste momento, penso que a melhor maneira de fazer renascer a Mata é através desta associação, fazendo-nos sócios . Um beijo Sidónio