Páginas

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

UMA MANHÃ DE SOL


Segunda-feira, acordei com a alma estrangulada. “Tenho de dar distância ao pensamento”.E feitas as abluções matinais, por amor ao próximo e conforto pessoal enfiei-me no carro. Troquei o CD do Prince pelo do Michael Bublé, cuja faixa “Cry me a river” ameaça gastar-se muito antes das outras e segui.

No céu brilhava um sol radioso e quente que me apetecia comer às colheradas.

Com a pressa não despira o casaco, distracção que me obrigou a uma curta paragem na área de serviço da Nazaré, pois o calor começava a incomodar-me.

“E se em S. Martinho a manhã estiver encoberta?” A pergunta não deixava de me martelar o cérebro e eu tentava consolar-me pensando “não faz mal, também gosto de manhãs nubladas”, mas faria, naquele dia, eu precisava de sol.

Em S. Martinho havia um sol radioso e, como se tivesse encomendado com antecedência, a maré estava a baixar, havendo já uma larga faixa de areia molhada e dura, como só acontece ali, onde se podia passear calçado, sem perigo de molhar os pés.

Havia quatro pessoas na praia: duas amigas que abandonavam o areal quando eu o atravessava em direcção à beira-mar e um jovem casal anglo-saxónico brincando com o cão que me brindou com um “bom dia” tão sorridente como nasalado, que me apressei a retribuir.

Não se sentia qualquer brisa e por isso o mar, com aquela forma arredondada parecia um enorme espelho mágico, não louvando a beleza da Branca de Neve, mas ele próprio fonte de encanto naquele enamoramento com a luz solar.

A distância permitia-me sentir a praia só minha. Fechei os olhos e caminhei, sentindo o calor do Sol “Meu Deus, como precisava disto!” exclamei várias vezes em voz alta.

“A sombra? Estará com pressa, a minha sombra?” Abri os olhos e, embora sabendo que era graças à diferente altura do Sol, nesta época do ano, que ela caminhava ao meu lado, em vez de, como no Verão, correr à minha frente, não deixei de sorrir e pensar ”hoje, nem tu tens pressa de chegar a Salir”.

Continuei a caminhar e fechei de novo os olhos para ouvir melhor o rumorejar das ondas. Faço o mesmo nos concertos. Se aí me distrai a perícia do gesto dos executantes, aqui distrair-me-ia o fino enrolar daquelas ondas pequeninas, que ouvia, primeiro, próximas, depois mais longe e por fim mais longe ainda, desfazendo-se na areia, numa música sempre repetida, sempre nova.

Já em Salir, apanhei uma concha de caracol meio rosada para juntar aquela “família de impossíveis” descendente do meu cavalo verde: a ovelha cor-de-rosa do André e o elefante de estimação que a turma da pré primária acreditou que ele abrigava em casa.

Voltei para trás, de novo a caminho de S. Martinho e sem vontade de deixar a beira-mar.

“Que bela manhã para meditação!” e apetecendo-me sentar na posição de Lotus (em tempos pratiquei yoga), parei e casualmente olhei para trás. Saltou-me aos olhos em letras enormes, que ocupavam quase toda vertente da duna: AMO-TE, e ao lado desenhado um enorme coração.

Sorri. “Também te amo!”

Muito ao longe, também caminhando em direcção a S. Martinho, mas pelo passadiço das dunas, divisava-se um jovem, com um livro na mão, fora ele que escrevera a mensagem?

Fosse quem fosse! Abençoada timidez! Abençoada discrição de quem escreveu! A ausência do nome da pessoa a quem se destinava universalizou a mensagem, tornando de todos que a lessem aquela declaração de amor.

Era o final mágico de uma manhã de sol!

6 comentários:

  1. Bom! Este passeio foi um verdadeiro exercício de optimismo! Que bom! E que belo passeio, à beira-mar.
    Boas Festas!

    ResponderEliminar
  2. Às vezes preciso de respirar fundo para dilatar a alma. S. Martinho do Porto é a minha terapia. É a minha janela "virada para dentro". Magia é o ponto que sempre tento vislumbrar na linha do horizonte. Há dias em que vejo melhor que outros... é das lentes!
    Boas Festas para todos vós.
    Bj.

    ResponderEliminar
  3. Que belas, direi mesmo, sublimes notas soltas, a seguir o pensamento, livre, corrente, contínuo, predisposto à contemplação da vida!

    Gostei muito deste seu texto, Isabel.

    Retribuo os votos de Boas Festas,

    ResponderEliminar
  4. Muito obrigada As-Nunes pela gentileza das suas palavras.
    Bem-haja!

    ResponderEliminar
  5. ...A meditação dá relâmpagos assim, como esse "Amo-te" que surgiu do nada...
    Bjs., Álvaro

    ResponderEliminar
  6. estarmos sós connosco é um belo exercício e há dias em que sabe mesmo bem e então com essa mensagem que por certo veio do além ainda melhor, gostei mesmo

    ResponderEliminar