Como um sol de polpa escura
para levar à boca,
eis as mãos:
procuram-te desde o chão,
entre os veios do sono
e da memória procuram-te:
à vertigem do ar
abrem as portas:
vai entrar o vento ou o violento
aroma de uma candeia,
e subitamente a ferida
recomeça a sangrar:
é tempo de colher: a noite
iluminou-se bago a bago: vais surgir
para beber de um trago
como um grito contra o muro.
Sou eu, desde a aurora,
eu — a terra — que te procuro.
Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
DESDE A AURORA
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E que bela ela está,
ResponderEliminarcomo vai linda a tarde.
Calma e doce,
a eternidade...
E o Manuel Alegre a Eugénio de Andrade
Há em Eugénio de Andrade
uma tensão extrema
substantivos e verbos trazem elementos
respiração da terra no poema
a vida intensa a breve eternidade
e as sílabas do sul entre o verão e os ventos
Que belo António!
ResponderEliminarEugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"
ResponderEliminarProcuro-te
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.
Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.
Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.