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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

CINCO DE OUTUBRO

O início deste blogue deveu-se a uma atitude política. Comecei por publicar aqui a resposta a que tinha direito e a que um jornal da região não deu eco depois de um artigo que publicou. Poderia ter reclamado para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social; fê-lo um amigo por mim, eu nem me dei a esse trabalho. Criei o blogue. Postei o texto o tempo que quis, depois apaguei-o e dei ao blogue um cariz diferente: de política, nada mais. Hoje contudo, não resisti…

Neta de um republicano de quem cresci a ouvir contar as mais rocambolescas histórias, nomeadamente acerca da sua amizade com o pároco da aldeia, que sempre protegeu, mas a quem obrigou a voltar a exibir na capela o lustre veneziano que este havia posto a bom recato com medo das pilhagens, porque tendo sido comprado com dinheiro do povo, todos tinham direito a vê-lo quando lhes apetecesse, é com grande repúdio que tenho assistido à negociação dos feriados entre o Governo e a Igreja.

Por isso, não resisto à tentação de divulgar aqui o magnífico texto que se segue, dado à estampa hoje, três de Fevereiro, no Diário de Notícias.

O 5 de outubricídio

por FERNANDA CÂNCIO

Há meses que se debate o corte de feriados nacionais partindo do princípio, estabelecido pelo Governo, de que estes existem em dois tipos - aqueles de que o Executivo pode dispor, e a que chama "civis", e os outros, "religiosos", propriedade da Igreja Católica. Apesar de se imaginar a reação geral se para acabar com o 5 de Outubro o Governo negociasse com associações republicanas e laicas, esta visão Tordesilhas dos feriados não tem merecido contestação.

Diz o Governo que se trata de "cumprir escrupulosamente a Concordata, tratado internacional a que o Estado está obrigado". Repetindo-me (escrevi-o aqui a 18 de novembro): a Concordata não obriga o Estado a decretar feriado qualquer "dia festivo católico" - a não ser o domingo. O próprio cardeal-patriarca já admitiu isto mesmo. O que a Concordata exige ao Estado é que permita aos católicos cumprir os seus deveres religiosos nos dias festivos católicos elencados na mesma. Mais: os dias festivos católicos elencados no tratado são apenas seis, e não os oito que o Governo considera "feriados católicos". A Sexta-Feira Santa e a Páscoa não estão lá, o que significa que, mesmo que o Governo considerasse que está obrigado a negociar com os bispos a ablação de qualquer um dos seis feriados nacionais que coincidem com dias festivos católicos reconhecidos, poderia sem qualquer problema acabar com o feriado da Sexta-Feira Santa.

O que leva, pois, o Governo a apresentar o embuste da "simetria dos cortes dos feriados"? Não existindo qualquer base jurídico-legal para isso, só pode haver uma leitura: quis um álibi para acabar com alguns dos feriados a que chama "civis", comprando a indulgência da Igreja Católica numa época em que antecipa um recrudescimento dos problemas sociais. Tão afoito a derrubar "direitos adquiridos" e a fazer declarações de bravura ("custe o que custar") este Executivo chefiado por um autoproclamado "liberal de costumes" reconhece assim aos bispos prerrogativas que estes não têm - incluindo a da partilha da soberania - e chega à pantomina de, pós-anúncio da UGT de que "salvara" o 5 de Outubro na Concertação Social, vir dizer que afinal, perante a irredutibilidade "da Igreja", se via "obrigado" a matar o feriado que comemora a Implantação da República.

Comemorar o 5 de Outubro é celebrar o fim de um regime de religião oficial em que o poder era um desígnio divino e o povo, em vez de soberano como na república democrática, súbdito. Sempre odiada pela direita (a única que odeia mais é o 25 de Abril, mas essa ainda está demasiado fresca para matar), a data é, 101 anos depois, assassinada num golpe palaciano. Numa Europa regida por poderes não eleitos, em que se rasgam Constituições e se faz fogueira da história, a simbologia deste datacídio não devia passar despercebida. Mas nem uma agulha bule na quieta melancolia - e quem não se cala leva a tarja de "anticlerical". Como ironia, não está nada mal.


Como é possível que nos tenhamos conformado com a ideia de perder o feriado do cinco de Outubro?

8 comentários:

  1. Existe um abaixo-assinado de historiadores que se opõem a essa proposta... haja esperança.

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  2. Irra que já é demais!

    A diferença entre uma República Democrática e uma Monarquia, mesmo que constitucional, é tão flagrante, tão simbólica e histórica que não se percebe o porquê de se acabar com o feriado do 5 de Outubro.

    Sem dúvida, estamos na presença de um Golpe de Estado palaciano!

    E um Golpe de Estado é, sempre e em quaisquer circunstâncias, um Golpe na Organização Política e Administrativa de uma Nação à revelia da vontade manifesta do Povo que a incorpora!

    Uma maioria parlamentar (mesmo que absoluta) não tem este direito!...

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  3. O que eles queriam era acabar com o feriado do 25 de Abril, mas AINDA não tiveram coragem. Lá chegaremos. Assim como assim, os fulanos do PSD nunca o festejaram - cá em Leiria, digo!
    Que revolta!

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  4. E hoje, nova aleivosia! Foi-se a tolerância de ponto para os funcionários públicos, na terça feira de Carnaval.
    Este governo é muito musculado...

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  5. Musculado???Coitaditos, oh, Isabel ! Convenciditos, sim. Há eventos que não têm valor de raça nem de Pátria para eles. E a Graça tem razão: ainda não foi desta o 25 de Abril, mas qualquer dia dizem que a "toika" exige... e lá vai ele. Nos outros países no mesmo estado que nós ( e não são só a Grécia e Irlanda: estão a Espanha, França e Alemanha para lá caminha ou está já...) quantos feriados já apagaram?

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    1. Usei "musculado" como pejorativo de "força". Detesto decisões descabidas impostas sem mais nem menos.

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  6. NAO DEVE SER RETIRADO QUALQUER FERIADO RELIGIOSO
    PORQUE NAO SE DEVE BRINCAR COM DEUS.OS RESPONSAVEIS CATOLICOS TEM QUE TER EM CONTA O PODER DE DEUS SOBRE A TERRA ISTO É MUITO SERIO SO NAO VE QUEM É ATEU

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  7. Esta é boa!...

    Eu cá sou Ateu, graças a Deus!...
    Não sou nada, estava só a brincar!

    Ah pois, não se pode brincar com coisas sérias1...

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