Acordei muito cedo, levantei-me, abri as persianas e tomei o pequeno-almoço. Pouco passava das seis da manhã. “Que faria a pé, que não pudesse fazer deitada?” E voltei para a cama.
O Sol ainda esfregava os olhos e eu fiquei a vê-lo acordar. Gosto das madrugadas.
Sentia frio. Em minha casa nunca faz frio, o aquecimento central não permite, mas eu sentia um certo desconforto. Era mal de alma. Tinha “frio por dentro” como diria a minha mãe. E como nós riamos, eu e o meu irmão, com o meu pai encolhido e a tremer fazendo por imitá-la “Ai, tenho frio por dentro…” Agora já não rio. Já não tenho o meu pai para fazer pantomina, nem o meu irmão para fazer coro e sei que “ter frio por dentro” é sentir saudade...
Mas eu bani a palavra do meu vocabulário… deve estar frio lá fora…
Quando a luz exterior permitiu, peguei numa revista e vagueei por aquelas páginas, sem muita atenção. Uma crónica que falava de ulmeiros fez-me olhar para a parede do fundo do quarto. Apeteceu-me Monet,” As Amapolas” ali coladas em toda a extensão da parede, ao fundo do meu quarto a ondularem ao vento que soprava lá fora, fazendo esvoaçar loucuras na minha imaginação…
Com as cores veio a vontade de encher o espaço de palavras mansas, bonitas, musicais, limpas e luzidias como as cores da manhã e frescas, acabadinhas de inventar.
E, numa amálgama louca, ali estava Eugénio de Andrade…
Que fizeste das palavras?
Que contas darás tu dessas vogais
de um azul tão apaziguado?
E das consoantes, que lhes dirás,
ardendo entre o fulgor
das laranjas e o sol dos cavalos?
Que lhes dirás, quando
te perguntarem pelas minúsculas
sementes que te confiaram?
* In Matéria Solar, Porto, Limiar, 1980
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