Páginas

domingo, 22 de janeiro de 2012

A UM AUSENTE

À memória dos amigos, cujo falecimento, me deixou mais pobre de afectos.

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste

Carlos Drummond de Andrade

11 comentários:

  1. Por vezes na vista ausente
    Sempre no Coração presente!

    ResponderEliminar
  2. Belo poema que não conhecia. Têm sido muitos os que têm partido nestes dois últimos meses. Muitos mesmo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Como dar vida a uma verdadeira obra de arte
      A não ser com a própria vida?

      Mario Quintana; "Eterno sacríficio" in Velório sem defunto, 1990


      Basta! Já não tenho mais saudade para pendurar retratos.

      Eliminar
  3. Bom dia, Isabel

    Há um livrinho de poemas de Arménio Vasconcelos, "De Leiria partidos, Em mim presentes", ed. Folheto, Setembro de 2004, em que o autor retrata com uma emoção até ao assomo das lágrimas, os amigos que já partiram para outra dimensão, qual não sabemos.
    Mas a sua memória fica com os que os amaram e/ou admiraram.

    Alguns dos que AV evoca com saudade:
    - Afonso Sousa (advogado, poeta, guitarrista)
    - António Campos (cineasta)
    - António Carqueijeiro Parracho (engenheiro, empreendedor)
    - António Cordeiro Gonçalves (maestro, militar)
    - Camilo dos Santos Barata (artista, tipógrafo)
    - Carlos Eugénio (poeta)
    - Carlos dos Santos Pimenta (solicitador, autarca)
    - Fausto Cardoso (sapateiro, músico)
    - Guilherme Gomes dos Santos (autarca)
    - Guy Stoffel (maestro, pianista)
    - Jaime Fernandes (diplomata, escritor)
    - João Cabral (historiador)
    - José de Abreu Vasconcelos (0 pai do autor)
    - José Galamba de Oliveira (cónego, escritor, professor)
    - José Henriques Vareda (advogado, político)
    - Judite Fialho Barata (professora)
    - Júlio Vicente Gomes Narciso (comerciante)
    - Luís Filipe Cardona (bancário, escritor)
    - Manuel Matias Crespo (professor, jornalista)
    - Miguel Franco (escritor)
    - Miguel Torga (escritor, médico)
    - Olímpio Selada (engenheiro)
    - Pedro João (filho do autor)
    - Rui Faria ( médico, desportista)
    - Ruy Acácio Luz (médico, artista)
    - ... todos os que aqui não ficam mencionados e que nos ficaram na memória e que recordamos, com saudade, com ternura, com consideração e estima pelo que nos legaram...

    Deu-me para isto. Tantos os que partiram, amigos nossos e não só, mas que nunca será demais os irmos invocando, enquanto houver quem tenha memória deles!

    Adeus, amigos ausentes!...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá, António.
      Não conheço o livro, nem sequer sabia que existia. Agradeço que mo tenha referido.
      Tem sido de mais! Desde Novembro que vejo partir amigos. Chegam a ir aos pares! E, por muito que tente racionalizar, acabo sempre triste, mesmo muito triste, pela irremediável perda.
      Aos amigos que partiram: Até sempre!

      Bem haja pelas suas palavras, António.

      Eliminar
  4. "Como é preciso gostar de alguém para preferi-lo à sua ausência!" Fonte - Pensamentos de um Biólogo Autor - Rostand , Jean

    Ausência
    Por muito tempo achei que a ausência é falta.
    E lastimava, ignorante, a falta.
    Hoje não a lastimo.
    Não há falta na ausência.
    A ausência é um estar em mim.
    E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus
    [braços,
    que rio e danço e invento exclamações alegres,
    porque a ausência, essa ausência assimilada,
    ninguém a rouba mais de mim.

    Carlos Drummond de Andrade, in 'O Corpo'

    ResponderEliminar
  5. A ausência assimilada é um estado de alma bem dorido!

    ResponderEliminar
  6. É verdade, Isabel, lá em cima nos encontrámos, tristemente, desde quase que o mês começou! E com a Graça, também, a acompanhar dolorosamente amigos que foram partindo. Fica tão vazio o espaço ao redor de nós....Começara já no Natal. E nestes dois últimos dias, não cá, já fui acompanhar a dor de uma nora minha e de uns netos meus, que perderam Mãe e Avó. Regressei ontem e tudo isto me causa frio... Honremos a vida e a amizade enquanto podemos.

    ResponderEliminar
  7. « Difícil é saber de frente a tua morte e não te esperar nunca mais nos espelhos da bruma.»

    Sophia de Melo Breiner Andersen

    ResponderEliminar
  8. Do que acima vai escrito acho muita coincidência o facto de ter havido, no Brasil, um homónimo do meu irmão, Júlio Vicente Gomes Narciso. Isso fez-me pensar nos familiares que desconheço mas sei que existem no Brasil, por parte do irmão de meu pai(seria seu nome António Gomes Narciso (?), casado que foi com uma tal Matilde, emigrante que foi nos anos 20/30 do século passado). Alguém conhece? Se sim, dê novas que agradeço.

    ResponderEliminar