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sábado, 18 de fevereiro de 2012

HOUVE UMA ILHA EM TI

Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
Uma ilha num mar de solidão.
Tinha um nome a ilha onde morei.
Chamava-se essa ilha Coração.

Que saudades do tempo que passei.
Nenhum desses momentos foi em vão.
Do teu corpo, de ti, já nada sei.
Também não sei da ilha, não sei, não.

Só sei de mim, coberto de raízes.
Enterrei os momentos mais felizes.
Vivo agora na sombra a recordar.

A ilha que eu amei já não existe.
Agora amo o céu quando estou triste
por não saber do coração do mar.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

MADRIGAL


Tu já tinhas um nome, e eu não sei

se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.

Nos meus versos chamar-te-ei amor.



Cantas. E fica a vida suspensa.

É como se um rio cantasse:

em redor ´tudo teu;

mas quando cessa o teu canto

o silêncio é todo meu.


Eugénio de Andrade


Carpe diem!

domingo, 12 de fevereiro de 2012

sábado, 11 de fevereiro de 2012

ÊXODUS

Poderia parecer, mas apenas desejávamos visitar o navio e éramos muitos...




- Acima, acima, gageiro! Acima ao mastro real! Vê se vês terras de Espanha, areias de Portugal





Nem só o navio era sugestivo...



Hoje, visitei pelas onze horas e trinta minutos, o Navio Escola Sagres, ancorado no cais de Alcântara.
O número excessivo de pessoas impediu-me de fazer as fotos que gostaria. Aqui fica a reportagem possível.
Espero que gostem, tanto como eu gostei.

PRECISARÁ DE BÚSSOLA?

(Imagem da NET - HUMOR SEM LIMITES)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

SONETO DE FIDELIDADE


De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Vinicius de Moraes, "Antologia Poética", Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960, pág. 96.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

SERÁ?

Manhã de sábado, 4 de Fevereiro

Eu deixara-me possuir pela sensação de bem estar e de olhos fechados gozava o conforto que a cadeira de massagens e a lavagem da cabeça proporcionavam, naquela manhã, em que dedicara algum tempo aos cuidados da cabeleireira. A música de um qualquer canal, em que estaria sintonizado o aparelho de TV, dava uma preciosa ajuda.

Entretanto, na calha ao lado, outra cabeleireira reclamou “Tem o couro cabeludo muito vermelho. Está desidratado. Não costuma usar creme? Já lavou a cabeça hoje?" – E se ela se calasse? – Questionei-me, saindo daquele torpor em que me encontrava, abruptamente para a realidade, mas continuei de olhos fechados. “Lavei-a esta manhã, no banho e não pus creme” justificou uma voz masculina que soou muito jovem. E eu, que detesto a partilha do espaço do salão de estética com o sexo oposto, lembrei-me da conclusão da anedota daquele marido que, encontrando a esposa na cama com outro homem, terá exclamado: Ah, Maria! Com tanta modernice, qualquer dia apanho-te a fumar! Mas continuei de olhos fechados…

Pouco depois, outra voz soou, pretendendo saber como estaria o couro cabeludo, por causa daquela zona ali no alto “está a ver?” tinham-se acabado as ampolas anti-queda… Nesta altura da conversa, a curiosidade já me abrira uma nesga do olho direito para o corpo de uma senhora debruçado sobre o jovem a quem lavavam a cabeça. “Imagine, quando perguntei pelo creme, tinha-o deixado em Lisboa! Ele sai à mãe, tem a pele muito sensível…” “À mãe não sairá – e aqui adivinhei o sorriso da cabeleireira – a mãe tem o cabelo liso…”

Entretanto chegara ao fim a lavagem da minha cabeça e pude ver, na calha à minha direita, um querubim, talvez aluno universitário, dada a referência anterior à capital, de fartos caracois e luvas de lã calçadas – como era possível ter frio naquele ambiente aquecido? – que cuidavam na calha ao lado.

Até aquele momento eu pensara que a virilidade masculina era uma qualidade inata, que seria uma característica do cromossoma y e acabara de descobrir que afinal se aprende em casa, no seio da família. Será que em função da incursão dos sexos pelos diferentes papeis sociais, de carinhos e cuidados excessivos de mães super protetoras ela corre o risco de mudar de mãos?

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O AMOR, MEU AMOR

Palavras de outros, esperando o mar, num qualquer horizonte sem horas...


Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.

Mia Couto, in "idades cidades divindades"


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

CINCO DE OUTUBRO

O início deste blogue deveu-se a uma atitude política. Comecei por publicar aqui a resposta a que tinha direito e a que um jornal da região não deu eco depois de um artigo que publicou. Poderia ter reclamado para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social; fê-lo um amigo por mim, eu nem me dei a esse trabalho. Criei o blogue. Postei o texto o tempo que quis, depois apaguei-o e dei ao blogue um cariz diferente: de política, nada mais. Hoje contudo, não resisti…

Neta de um republicano de quem cresci a ouvir contar as mais rocambolescas histórias, nomeadamente acerca da sua amizade com o pároco da aldeia, que sempre protegeu, mas a quem obrigou a voltar a exibir na capela o lustre veneziano que este havia posto a bom recato com medo das pilhagens, porque tendo sido comprado com dinheiro do povo, todos tinham direito a vê-lo quando lhes apetecesse, é com grande repúdio que tenho assistido à negociação dos feriados entre o Governo e a Igreja.

Por isso, não resisto à tentação de divulgar aqui o magnífico texto que se segue, dado à estampa hoje, três de Fevereiro, no Diário de Notícias.

O 5 de outubricídio

por FERNANDA CÂNCIO

Há meses que se debate o corte de feriados nacionais partindo do princípio, estabelecido pelo Governo, de que estes existem em dois tipos - aqueles de que o Executivo pode dispor, e a que chama "civis", e os outros, "religiosos", propriedade da Igreja Católica. Apesar de se imaginar a reação geral se para acabar com o 5 de Outubro o Governo negociasse com associações republicanas e laicas, esta visão Tordesilhas dos feriados não tem merecido contestação.

Diz o Governo que se trata de "cumprir escrupulosamente a Concordata, tratado internacional a que o Estado está obrigado". Repetindo-me (escrevi-o aqui a 18 de novembro): a Concordata não obriga o Estado a decretar feriado qualquer "dia festivo católico" - a não ser o domingo. O próprio cardeal-patriarca já admitiu isto mesmo. O que a Concordata exige ao Estado é que permita aos católicos cumprir os seus deveres religiosos nos dias festivos católicos elencados na mesma. Mais: os dias festivos católicos elencados no tratado são apenas seis, e não os oito que o Governo considera "feriados católicos". A Sexta-Feira Santa e a Páscoa não estão lá, o que significa que, mesmo que o Governo considerasse que está obrigado a negociar com os bispos a ablação de qualquer um dos seis feriados nacionais que coincidem com dias festivos católicos reconhecidos, poderia sem qualquer problema acabar com o feriado da Sexta-Feira Santa.

O que leva, pois, o Governo a apresentar o embuste da "simetria dos cortes dos feriados"? Não existindo qualquer base jurídico-legal para isso, só pode haver uma leitura: quis um álibi para acabar com alguns dos feriados a que chama "civis", comprando a indulgência da Igreja Católica numa época em que antecipa um recrudescimento dos problemas sociais. Tão afoito a derrubar "direitos adquiridos" e a fazer declarações de bravura ("custe o que custar") este Executivo chefiado por um autoproclamado "liberal de costumes" reconhece assim aos bispos prerrogativas que estes não têm - incluindo a da partilha da soberania - e chega à pantomina de, pós-anúncio da UGT de que "salvara" o 5 de Outubro na Concertação Social, vir dizer que afinal, perante a irredutibilidade "da Igreja", se via "obrigado" a matar o feriado que comemora a Implantação da República.

Comemorar o 5 de Outubro é celebrar o fim de um regime de religião oficial em que o poder era um desígnio divino e o povo, em vez de soberano como na república democrática, súbdito. Sempre odiada pela direita (a única que odeia mais é o 25 de Abril, mas essa ainda está demasiado fresca para matar), a data é, 101 anos depois, assassinada num golpe palaciano. Numa Europa regida por poderes não eleitos, em que se rasgam Constituições e se faz fogueira da história, a simbologia deste datacídio não devia passar despercebida. Mas nem uma agulha bule na quieta melancolia - e quem não se cala leva a tarja de "anticlerical". Como ironia, não está nada mal.


Como é possível que nos tenhamos conformado com a ideia de perder o feriado do cinco de Outubro?