Ontem pusera-me a pensar no Natal. Distraidamente, deixei que a memória espreitasse as ceias em que éramos muitos, reunidos em volta da mesa e veio-me à lembrança o ano em que a minha cunhada, resolvendo dar a todos os homens peúgas CD, sem saber que números calçavam, originou, entre eles, a negociação para acerto do tamanho das peúgas com o dos pés que as deveriam calçar. Dos argumentos empregues por cada um, para convencer o outro, estilo “conversa para promoção de banha da cobra” resultaram cenas hilariantes, absolutamente indescritíveis.
E ri-me, ri-me ao recordar o bom humor, as brincadeiras, a minha filha mais nova, pequenina, a roer os laços das prendas… mas bateu-me uma saudade no peito, uma dor pela ausência do meu pai e do meu irmão, que associada à decrepitude de minha mãe me deixaram com a alma pesada de mágoa e solidão.
“Filha, ando doida desta cabeça. Não atino com o dia dos anos.” “Está esquecida, mãe. Eu também ando assim.” “Por favor, não me digas que a tua cabeça está como a minha, ou fico louca de vez.” É o relógio a andar sem se deter, é a magia enfeitiçante do tempo que passa de mansinho, mas firme e rapidamente. Parece que nem pousa e vai escrevendo em nós as coordenadas por onde navegámos e sobretudo aquelas por onde as dificuldades não nos permitiram navegar.
E foi preciso dar almoço à Rita. Brincar para que levantasse a cabeça e abrisse a boca para comer a sopa e depois a fruta. Fiz aranhiços com os dedos, cantei e até imitei o chilreio dos passarinhos. A Rita, em vez de comer, ria. Ria de boca aberta e a sopa a cair. “Menina, feche a boca. Sorria apenas” E a Rita ria, possivelmente pensando que parente não se escolhe e que terá de aturar as tolices desta avó que lhe calhou em sorte.
A amargura, aquele sentimento de falta, foi-se.
Hoje, acordei “cheia de não presta”. Como se hoje fosse um daqueles dias que a minha filha mais velha define como bons para “andar de burro e comer ameixas verdes”, mas a vida arrebatou-me e uma vez mais explicou que os dias se fazem da dialéctica entre a angústia e o bem-estar. É no equilíbrio que está a felicidade.
A saudade só existe para sentirmos com ternura a falta de quem amamos.
Estimada Amiga Isabel Soares,
ResponderEliminarLindas palavras e belas recordaçõs.
Tem dias em que acordamos sem motivação para nada.
Hoje o inverno entrou, mas este anos entrou cheio de sol num dia radiante cheio de luz e de paz.
Pouco me recorodo dos natais passados em Portugal, o mais feliz e mais barulhento o passei em Évora quando lá fui com minha esposa e filhos, a casa ficou cheia, toda engalanada, música que fez com que os vizinhos viessem a nossa casa e disfrutarem daquela maravilhoso ambiente, vivido uma única vez na vida.
"Hoje, acordei “cheia de não presta”. Como se hoje fosse um daqueles dias que a minha filha mais velha define como bons para “andar de burro e comer ameixas verdes”, mas a vida arrebatou-me e uma vez mais explicou que os dias se fazem da dialéctica entre a angústia e o bem-estar. É no equilíbrio que está a felicidade".
A saudade só existe para sentirmos com ternura a falta de quem amamos.
A mais bela verdade que já ouvi.
Feliz Natal, abraço amigo
Tudo passa, as recordações ficam...Um santo e feliz Natal. Com muita amizade.
ResponderEliminarJoaquim
Felizes os que choram alguém...É porque o conheceram...Parca compensação? Não acho!
ResponderEliminarNota: ameixas verdes? Adoro!!!!
:)
A última frase...
ResponderEliminarToda!
Agarro com a mão!
-Vou guardá-la...
-Junto do Coração!
Para a avó "mais babada do mundo" aqui vão os meus votos de um Feliz Natal e de um próspero Ano Novo.
ResponderEliminarBem Haja!
tambem eu gostei muito da última frase, e porque não sou um criativo aqui vai um poema
ResponderEliminarSAUDADE AMOR TERNURA
Dia de meditação, sentimentos misturados,
Saudade, amor, ternura..
Vazios de alguns dias, plenitude de outros.
Lembrei de conversas bobas,
Dos sorrisos cúmplices,
Do ato de compartilhar...
Tentei sorrir como em outros dias
Mas não consegui parar de pensar...
Longe e perto ao mesmo tempo,
são dos momentos simples que mais sinto falta.
Vou reaprender a conviver com a realidade,
Fazer desta saudade uma arte...
A arte de sentir a brisa, de sentir o sol de inverno,
De ouvir a chuva cair sem que estejas aqui,
De olhar o céu e fazer amor por telepatia
Com as lembranças que tenho de ti...
Não ligue, não se importe, porque te amo
Isso tudo é porque hoje
Meu coração está na mão da saudade...
Sônia Schmorantz