Em criança tinha um olhar pousado de olhos grandes, que nem sei se absorvia as coisas em que pousava, se eram as coisas em que pousava que absorviam o meu olhar.
Fui crescendo e com a pré-adolescência e o namoro do meu irmão, doze anos mais velho, com aquela que seria a minha cunhada, veio a crítica “não olhes assim, parece mal”. Ela não gostava daquele olhar castanho adocicado, fixo, absorvente, inquisidor, ao mesmo tempo meio tímido. Olhos de mata-borrão, como hoje os defino, sempre que me detenho nalguma foto desses tempos de menina.
Com os olhos e as mãos desbravei mundos e compus novos arco-íris, mas sobretudo com os olhos e a minha paixão de brincar aos caranguejos no “quarto escuro” que separava o quarto de meus pais do de meu irmão, onde a imaginação vogava sempre com vento a contento nas tardes de maior calma. Os sustos que a minha mãe apanhava! “Belita, onde estás?” e a Belita no escuro, quietinha, de olhos abertos a brincar aos caranguejos não podia responder, porque os caranguejos não falavam.
Desta brincadeira me ficou o desejo de voltar a ser caranguejo, quando a vida não me corre como quero e ficar enfiada na areia, só com os olhos de fora, à espera que passem as agruras que me apoquentam. Acontece que já não tenho os olhos grandes, o tempo apequenou-os, porque o tempo é assim, tira umas coisas e dá outras. E já não posso ficar à espera!
Este olhar de mata-borrão funcionava para os dois lados, para dentro e para fora de mim e isso mantém-se: a reversibilidade do movimento.
Quarta-feira, eu vinha preocupadíssima; “como estará hoje a minha mãe?”era a pergunta que me atormentava o espírito quando me dirigia a casa, antes da visita ao Lar, com o olhar virado na direcção dos afectos, vendo automaticamente as curvas do caminho, como se o carro tivesse vida e não necessitasse do meu comando. Foi ao virar para a Praceta que a Primavera me saltou à frente, ali num canteiro descuidado, um cântico à vida e Cesário Verde!
Na tarde, apeteceu-me uma tela, pincéis e tinta, engenho e arte para traçar o meu retrato. Meia dúzia de pinceladas: uns olhos tristes e um ramalhete rubro de papoilas.
Pelo menos as papoilas. As minhas flores preferidas...E lendo-te também acho que te ficam bem:)
ResponderEliminarAdorei conhecer-te um pouco melhor através da tua própria paleta.
ResponderEliminarBeijos e bom fds
A brincadeira de criança fez-me rir. E a metáfora formada com ela, sobre o desejo de voltar a ser caranguejo quando a vida não corre da melhor forma, dá que pensar. Então a mim, que tanto me debato com estas coisas. :)
ResponderEliminarBelo retrato. Às vezes magoado. Mas olha que a tua mãe já é uma velha senhora (e simpática que ela era - ainda é?) e cada vez falta menos tempo para a olhares com esses teus "olhos de mata-borrão"... Restam as papoilas que são bem vivas e bem alegres!
ResponderEliminarSei o que sente...
ResponderEliminarÉ um quadro triste... e belo.
Infelizmente temos de estar preparados para tudo.
ResponderEliminarA vida ganha-se e perde-se num abrir e fechar de olhos.
Eu tanbém estive à espera das tulipas amarelas. Somente nasceu a ramagem. Fui enganado pelos Holandeses. Tive um amigo que me ilucidou os motivos porque não apareceram as flores. Já é tarde para semear outras, mas não desistirei. Sou teimoso, queira que a saúde seja tão teimosa quanto eu e, para o próximo ano elas virão. As minhas desculpas e, um beijo de amizade e, votos de FELIZ PÁSCOA. JOÃO
Esse mundo que é só teu (no quarto escuro de caranguejos que não falam) porque o partilhas comigo. Se é o teu refúgio sagrado?
ResponderEliminarQue contraste diria que alegria colocares em sintonia o teu mundo de caranguejos com outro o das papoilas.
Gostei de te ler. Haverá muito mais para de ti a conhecer.
jluis