






Porquê "HORIZONTE SEM HORAS"? Gosto de me passear por uma paisagem larga, com água por perto. Usufruindo da beleza que me cerca, estruturo o pensamento na mistura de sons e cheiros de que as manhãs são férteis. Sim! Gosto de caminhar de manhã, como se possuísse o tempo. Não aquele que se convencionou medir pelo relógio mas o meu, feito de vagares, de esperança, de magia...
Agarrada àquilo que não é
Mas que sonho
Que seja
Alongo o afecto nos dias.
De mãos abertas
Ofereço um amor imenso.
E o silêncio
Fala da importância
De um umbigo
Que não é o meu.
Que rota terá a vida
Se a tua disponibilidade não é
O meu mar navegável?
E no tormento da deriva
Quando os olhos encontram
O sorriso do meu bisavô
No velho retrato de parede
Que encima o monitor deste PC
Eu sei o que nunca tive:
Mãos, mãos que enlaçam
Aquela outra Isabel.
Mãos
Que amparam,
Que protegem,
Que acariciam.
As tuas mãos …
…nas minhas mãos
Após algumas voltas na cama tentando dormir mais um pouco, na tentativa frustrada de vencer o cansaço acumulado ao longo das últimas semanas, levantei-me calmamente. Em cada manhã, depois de acordar, não volto a adormecer. O dia espreita e a minha curiosidade é grande. Como será o dia de hoje? E não há nada como saltar da cama e começar a mexer. Só assim poderei ver como é para depois poder contar como foi.
Após os ritos matinais; visita à estomatologista. Há oito dias quando da consulta, esta verificara que tinha o céu-da-boca ferido. Pois não, queimara-me?! Sou daquelas pessoas estranhas que não gostam de bicas a ferver nem de chávenas escaldadas, o que me terá calhado, com a nefasta consequência de queimar a boca. A estomatologista não facilitou ”estas feridas têm de ficar bem saradas, volte cá para a semana, para eu verificar, com esta luz forte, como estará a mucosa” e eu, como sou bem-mandada, lá fui, cumpridos os oito dias sugeridos. Foi maior a espera que a consulta, mas vim com a certeza de que tudo estava bem.
“A manhã vai alta” reclamou o estômago quando saí do Centro Hospitalar de S. Francisco. Parei no Lidle, situado um pouco mais abaixo, para comprar uma banana para entreter a fome. “Em casa, a fruta deve estar a acabar”, lembrei-me então e como descendente de Eva que se presa, comprei também algumas maçãs “vá lá saber-se quando aparece o Adão?!”.
Numa corrida desci ao centro da cidade. Aproxima-se a passos largos o dia da estreia teatral. Este ano cabe-me “assassinar” a personagem “a actriz” da peça “O meu caso” de José Régio. Precisava de completar os acessórios da toillete. Faltavam os sapatos, porque resolvi, ainda sem dizer a ninguém, mudar a minha indumentária. O vestido inicialmente acordado é quente, não só para o calor que tem feito, mas também para actuar no palco do Teatro Miguel Franco, com os holofotes tão próximos de nós. Sei do que falo! É um palco que já pisei muitas vezes.
Comprados os sapatos, dos mais baratos que havia no “Guimarães” ainda fui adquirir lã para confeccionar uma mantinha para a minha neta, trabalho a que possivelmente passarei a dedicar-me entre as três e as sete da manhã…
E foi quando vinha para casa, ao passar junto ao café do Teatro, ao ver pessoas a comer na esplanada, que me perguntei “que vais almoçar, cabeça de vento?” e rir-me com vontade, num sorriso tão aberto que o senhor que se cruzou comigo, mesmo com um relógio no pulso perguntou-me as horas, quiçá supondo que me ria para ele. Mas não, viera-me à lembrança um amigo dos meus tempos de menina para quem, certo tipo de pessoas apressadas, só comia ovos estrelados com batatas fritas, menu que, por isso, se recusava a comer. A minha comida de recurso costuma ser constituída por douradinhos de pescada, com bolinhas de espinafres e castanhas assados em vinte minutos de forno, mas o provimento acabara-se no jantar de ontem. Que contraste com a festa num restaurante do Chacal, no fim-de-semana em Lisboa!
Sou professora aposentada, detesto batatas fritas, mas hoje o meu almoço foi um prato de sopa e um ovo estrelado com salada.
Aliada à pressa, a fome é o melhor dos temperos!
Lembro-me deste dia, véspera de devoções.
Ele aguardava olhando o renque de tílias, naquele largo que o seu amor fazia transbordar de sol, apesar da hora. Ela surgiu, vinda de dentro, como que nascida de uma oração à vida, na saia vermelha que vestia conjugada com o lenço do pescoço. Que surpresa! Os olhos transbordaram no que os lábios não diziam, nem as mãos tocavam.
Rumaram a oeste, queriam ver o mar. Penso que escolheram a Vieira para que o rumorejar das ondas abafasse o que não podiam gritar ao vento. E, naquela tarde, quando os lábios se aproximaram naquele beijo tímido, sem jeito e os corpos levemente se abraçaram, a melena desgrenhada daquele rapaz feliz insinuou na tarde uma sinuosidade, uma harmonia que encheu de plenitude aquela praia que antes não existira no coração de qualquer deles. Ela ainda sente na mão o afago dos seus dedos e no ombro o calor do seu ombro.
Anos mais tarde, numa consulta de alergologia disseram-lhe “reage à tília”. “Pudera, são saudades” retorquiu.
E, ainda hoje, naquele largo, junto à parede onde ela teimou que um azulejo perpetuasse a “tolerância”, as tílias sussurram juras que sabem que nunca cumprirão.
Aquele fim de tarde não existiu senão para ser lembrado.
Mario Benedetti (Poeta uruguaio)
(Chau Número Tres)
Tradução: Celina Portocarrero
É assim que se cumpre a minha circunstância: Adivinhar na lonjura o Cavalo Verde...