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quinta-feira, 12 de maio de 2011

FIM DE TARDE

Lembro-me deste dia, véspera de devoções.

Ele aguardava olhando o renque de tílias, naquele largo que o seu amor fazia transbordar de sol, apesar da hora. Ela surgiu, vinda de dentro, como que nascida de uma oração à vida, na saia vermelha que vestia conjugada com o lenço do pescoço. Que surpresa! Os olhos transbordaram no que os lábios não diziam, nem as mãos tocavam.

Rumaram a oeste, queriam ver o mar. Penso que escolheram a Vieira para que o rumorejar das ondas abafasse o que não podiam gritar ao vento. E, naquela tarde, quando os lábios se aproximaram naquele beijo tímido, sem jeito e os corpos levemente se abraçaram, a melena desgrenhada daquele rapaz feliz insinuou na tarde uma sinuosidade, uma harmonia que encheu de plenitude aquela praia que antes não existira no coração de qualquer deles. Ela ainda sente na mão o afago dos seus dedos e no ombro o calor do seu ombro.

Anos mais tarde, numa consulta de alergologia disseram-lhe “reage à tília”. “Pudera, são saudades” retorquiu.

E, ainda hoje, naquele largo, junto à parede onde ela teimou que um azulejo perpetuasse a “tolerância”, as tílias sussurram juras que sabem que nunca cumprirão.

Aquele fim de tarde não existiu senão para ser lembrado.

5 comentários:

  1. Que fabulosa descrição do amor...

    Tu escreves mesmo bem!!!

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  2. É a harmonia...
    É a simetria...
    É a ênfase da última melodia...
    Que...
    Num dia...
    Se fundem no êxtase
    Da mais doce agonia!

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  3. Sente-se o pulsar da vida!...

    Que mais acrescentar!?...

    E como as tílias estão um esplendor, sedutoras até mais não!...

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  4. Os vossos comentários são muito generosos. Não sei se os mereço pelo que escrevi, mas fico feliz por lê-los pelos sentimentos que este texto celebra.

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  5. A saudade bate-nos à porta mais vezes do que gostaríamos...
    Bonito!

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