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segunda-feira, 13 de junho de 2011

CENTO E CEM

“Andava a cair da boca, aos cães” como ironicamente diria meu pai. Aliás esta expressão era ouvida, mesmo muito ouvida, na casa de minha avó Joaquina Joana a propósito da necessidade de tratar fartamente tanto quem cavava a terra andando “à jorna” como “a merecer”. Era uma obrigação alimentar bem os trabalhadores e, além de comida forte fornecia-se vinho farto. “Não quero ninguém a cair da boca aos cães” dizia a minha avó, porque, penso eu, não quereria ninguém faminto. O trabalho era duro!

Talvez pela boca de meu pai, foi a expressão levada para as vindimas de minha avó Isabel, onde o trabalho, na altura todo manual, também difícil, só contava no transporte das uvas com a ajuda dos bois que, pachorrentos, puxavam os carros onde antes se fixavam as pesadas dornas onde se levavam as uvas para o lagar.

A expressão, de tanto uso, tomou raízes. Assim, quando o esforço dispendido começa a ser superior à força disponível, surge para definir o estado à beira do caótico “anda a cair da boca aos cães”.

Era assim que eu me sentia quando da última vez levei a minha mãe à consulta médica. “Doutor, estou mal. Depois de oito horas bem dormidas, sinto-me um saco de batatas sem mercadoria. Mal me ponho em pé, sinto vontade de desabar.” Confessei com vergonha de resumir o meu estado de cansaço com a gíria em moda cá em casa.

E assim, sem mais aquelas, encontro-me a tomar duas “feijocas” ao almoço, dizem que de vitaminas, que me devolveram à velocidade vertiginosa dos “cento e cem”.

Se não afrouxo, ainda me estampo numa curva!

4 comentários:

  1. O meu avô amanhava a sua fazenda e às vezes contratava pessoal "à jorna". Eu era miúdo mas vinha sempre dar uma ajuda, quando a minha avó vinha com o cesto do farnel...
    :)

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  2. "A cento e cem" era uma expressão que o meu pai usava muito. Que giro!

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  3. Cara Isabel:
    Há momentos em só e bom quando atingimos "os cento e cem". Há momentos que até apetece estamparmo-nos nas curvas. Mas tambem há instantes em que é bom parar para admirar,tocar,
    sonhar com as coisa de que gostamos.E nesses instantes o que desejamos é que o tempo pare ...

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  4. Meu caro "euchavi":
    Bem-vindo ao meu "sítio"!Há muito que não aparecia.
    Quanto ao seu comentário, como eu o entendo! Contudo, embora a minha vida ande a um ritmo desenfreado, o que ao longo dos anos aconteceu muitas vezes, havendo alturas em que dormia três a quatro horas por noite e às vezes menos, nunca esqueci que o tempo é excessivamente rápido para não o saborear. Como não posso parar o tempo, paro eu. Sabe como? Vou a S. Martinho, de preferência em alturas de pouca gente e dispo a minha mente de tudo o que me pesa. Gozo o vento, o som, o cheiro, passeio pela distância e sonho acordada. Faço aquilo a que Mário de Sá-Carneiro chamou no livro "Loucura" "entreter o tempo", e que considerava diferente de nos entretermos a nós.
    Se soubesse as coisas simples que eu gostaria de fazer, de poder partilhar e a pena que tenho por não poder fazê-lo...

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