A música inconfundível do telemóvel ecoou cedo na manhã de Sábado.
Era A. “olá” atendi eu. “Tenho uma notícia muito triste” – disse-me. Fiquei expectante; seguiu-se uma pausa. “Triste para mim” – acrescentou. “Então?” – encorajei-o – “que te aconteceu, rapaz?” “A minha mãe morreu” e senti que do outro lado se desfizera em lágrimas…
A. é um “rapaz” da minha idade. Conhecemo-nos em plena adolescência, aí pelos treze anos, em S. Martinho do Porto, num Verão em que a tia, de nome Amélia, como minha mãe e o primo, também da minha idade, foram meus vizinhos de barraca. O tio, militar de carreira, a cumprir mais uma missão no Ultramar, conhecê-lo-ia mais tarde. Os pais de A. conheci-os nesse mesmo Verão, num passeio à fabulosa quinta dos tios, situada entre S. Martinho e Nazaré, num espaço que se estendia até ao mar, onde a costa era batida por ondas altas. Ondas fabulosas que eu aproveitava para admirar quando o caseiro me obrigava a dar descanso ao burro que não me cansava de montar.
É raríssimo ver A., mas de vez em quando ouço-lhe a voz: “Está tudo bem? A tua mãe? Só queria saber como estavam.” Manda-me beijinhos para a despedida e a conversa fica por ali, até uma próxima oportunidade em que acontecerá exactamente igual.
Sábado foi diferente. Assim, hoje, logo pela manhã, fui à florista e composto o ramo cujo destino era acabar desfeito e repartido pelos três: por ele, por mim e pelo primo, para o lançarmos à sepultura na derradeira despedida, pus-me a caminho.
Celebradas as exéquias, a caminho do cemitério, seguindo a pé, dois passos atrás de A. curvado pela dor e mimado pela companheira, perguntei-me onde estava o homem destemido que findo o curso de electricidade partiu à aventura para o Médio Oriente, pouco mais sabendo de inglês do que dizer yes. E enterneceu-me reparar que a curvatura daqueles ombros simbolizava o que vale na vida de um filho o amor incondicional da mãe.
Amor porque sim, desinteressado, inesgotável, amor de que nem nos apercebemos, enquanto dele podemos usufruir, porque se dele déssemos conta, sufocávamos.
Foi para estabelecer a analogia que Deus inventou as flores: o amor de mãe é um amor-perfeito.
À minha frente, A. seguia vergado por não ter mais o amor incondicional de sua mãe. Tanto lhe pesava o vazio!
(Nem todos os homens gostarão de flores, mas a comparação é igualmente verdadeira para os pais.)
Muito bonito! E tocante.
ResponderEliminarTu tens DOIS amores-perfeitos - remember!
Beijinhos
Este texto pleno de sensibilidade e paixão é a prova de que pode haver beleza na tristeza. Curvo-me respeitosamente.
ResponderEliminarBetween Heaven and hell, there are only three magic words - the first one is Mother, the third one is why?
ResponderEliminarHá muito que não a visitava,Isabel.
ResponderEliminarVinha para lhe retribuir as palavras amigas que vai fazendo o favor de dispensar no meu "dispersamente..."...
Não conheço a pessoa que morreu, mas aqui deixo as minhas condolências à família e amigos...