FÉRIAS DE 23 A 29 DE JULHO
I – Causas Remotas
Dia quinze de Junho, quando estacionava o carro no Largo da República vi a “Carol” do outro lado, em frente à Câmara Municipal.
Chamei e pude comprovar que ouve bem, mesmo com o barulho do trânsito olhou para trás e veio ao meu encontro. Cumprimentámo-nos e rimos, porque de risos se fazem sempre os nossos encontros.
Expliquei-lhe que andava a correr feita tolinha de um lado para o outro, sem jeito de chegar a “sítio certo”. “Vê tu, que hoje apeteceu-me comer peixe ao almoço, peguei numa posta de peixe congelado e cozi-a tal como estava”.
A “Carol” riu-se. “Mas isso é o que eu dou aos meus gatos.”
Foi aí que percebi: já nem me alimentava, comia para matar a fome!
Com alguns bons propósitos de mudança a fervilhar na mente separámo-nos. E segui apressadamente para a Festa de Encerramento de Actividades da Academia de Cultura e Cooperação.
“Tive tanto receio que não pudesses vir…” comentou a minha professora de Filosofia dos idos tempos de Liceu, que, pelos vistos, ainda não estará farta de me aturar. “Lastimo desiludi-la, mas a Senhora não se livrará de mim facilmente.” – Brinquei.
“Preciso de férias.”
A ideia começara a desabrochar na minha mente.
II – Causas próximas
1 - Mesmo achando que precisava de férias continuei no mesmo ritmo. Horários loucos, rotinas desfeitas.
Depois de ingerir aquele iogurte líquido, de prazo expirado há mais de oito dias, esquecido algumas horas numa tarde quente sobre a minha secretária, sobreveio a gastroenterite que quase me virou do avesso.
E a crítica velada das amigas ”como é que uma coisa destas acontece contigo?” E eu sem coragem para confessar que só reparara na data do iogurte depois de a médica ter perguntado se não estaria fora de prazo…
A que ponto chegara a confusão!
“Quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga”, a conclusão é velha e sobejamente comprovada.
Decididamente, precisava de férias.
2 – A minha amiga I. A., não aquela com quem convivo diariamente na JFM, mas outra, colega de Liceu, dos anos de adolescência, tentava convencer-me “se saísses daqui, ia uns dias de férias contigo” “Uma semana” – sugeria ela.
Tanto insistiu que acabei por anuir: “Para onde queres ir?” “Pode ser S. Martinho do Porto” – disse-me.
Ora ali estava acabada de proferir a locução substantiva própria dos meus encantos.
“Não tens que fazer, pega no telefone e marca”. E acrescentei à laia de aviso prévio: “Não há almoços em “A Casa”, nem na “Royal Marina”. “Só uma vez.” – Pediu I.A. “Nada disso” – garanti – “e antes de confirmares a marcação submetes os preços à minha aprovação”. A entrada seria a 23 e saída a 29, porque teria de voltar a casa com tempo de preparar tudo para a estada em Lisboa. Sim, porque a partir do dia um de Agosto vou sentar-me a perscrutar o céu. Quero ver chegar a cegonha: Express mail de Paris com a Rita pendurada no bico.
O André diz que não é assim que vai acontecer “Ó avó (ele abre o “a”) não percebo essa conversa da cegonha. A Rita está na barriga da mãe”. Pois, mas a avó não abre não da poesia!
Aí vinham as férias…
CRÓNICA ZERO
Antecipei as minhas férias uma semana, pois em princípio e com alguma relutância seriam só no mês de Agosto. Digo com relutância porque os outros elementos do executivo também precisam de descansar e o mês de Agosto é o mais pretendido, por isso foi com um certo pudor e uma grande conversa com todos que marquei os vinte e dois dias seguidos, mas a chegada da Rita…
A Rita e o André são a justificação de todas as loucuras da avó, pelo facto desta desconhecer em que medida será necessária à filha para além do prazer de se quedar a admirar os netos…
Marcadas as férias, na Pensão Atlântica, I.A. desistiu. “Arranjei quem me leve a Melgaço e só poderá ser nessa semana”.
Tudo bem, com companhia ou sem companhia eu iria para S. Martinho.
CRONICA PRIMEIRA
Sábado, 23 de Julho
Acordei cedo, como sempre acontece e enfiei a na mala a roupa que na noite anterior dispusera sobre a cama de um dos quartos vagos.
Convidara Z., a minha filha mais nova, para passar o fim-de-semana comigo e ela aceitara.
Admitira a hipótese de almoçarmos juntas em S. Martinho do Porto, mas quando fui despedir-me de minha mãe ao Lar, cerca do meio-dia, senti-a tão velhinha, tão desprotegida … “qual é a pressa?” questionei-me e resolvi ficar mais um pouco para lhe dar o almoço. Ela tem dificuldade em levar a colher à boca e não espera pacientemente que tratem dela. Não gosta de se render às suas incapacidades.
A quem sairei eu, mais teimosa que o burro que o meu pai nunca teve?
Telefonei a Z. “Almoço em Leiria” “Já vou a caminho” – respondeu – “encontramo-nos lá”.
Mais tarde recebi uma sms “Já cheguei e não é que está sol?!
O humor cáustico do Luís Soares a dizer gracinhas pela boca da neta.
CRÓNICA SEGUNDA
Domingo 24 de Julho
Despertei e mantive-me quietinha no leito esperando que Z., a dormir na cama ao lado, acordasse.
Depois dos cuidados habituais da manhã fomos tomar o pequeno-almoço. O café com leite avisou que o meu aparelho digestivo ainda não estava bem. Andei com o estômago atravessado na garganta toda a manhã; só à hora de almoço o consegui engolir com umas colheres de sopa.
Z. desafiou-me e fomos até ao Farol. Há quantos anos não ia ali? Não tenho dedos que cheguem para contar!
As gaivotas planavam desfiando o meu amadorismo fotográfico e eu bem tentei, até com a máquina de Z., mais moderna que a minha, mas acho que não consegui qualquer registo digno de nota. A Fernão Capelo não apetecia pousar para a minha objectiva!
Enchi os olhos de mar e os cabelos de vento e regressei com a certeza de que um dia, levada pelo meu cavalo verde, planarei melhor que Fernão Capelo Gaivota. A ternura, o carinho, a intimidade, o sentido do outro, serão mais azuis que o firmamento ensolarado desta manhã de Verão.
CRÓNICA TERCEIRA
Segunda-feira, 25 de Julho
A Z. foi embora ontem, às vinte e uma e trinta e eu fiquei comigo.
Vi dançar o rancho de nem sei que zona que se exibia no palco perto da pensão e passeei por aí. A noite estava agradável. Muito diferente do fim de tarde ventoso.
Entretive tão bem o tempo que nem notei que passou e acabei por deitar-me cerca da uma hora.
Abençoada imaginação.
Hoje o dia amanheceu ensolarado. Único “senão” esqueci-me de encomendar as férias com a baixa-mar de manhã e fui passear até Salir pelo passadiço das dunas quando prefiro ir pela areia molhada.
No regresso vinha eu a pensar em amores-perfeitos: já me ofereceram tantas flores, ramos tão originais, outros tão sofisticados e nunca me ofereceram um ramo de amores-perfeitos… Talvez o meu cavalo verde traga um preso na orelha… e na curva do passadiço, à saída de Salir, um senhor mete conversa comigo. “Quarta-feira, já não teremos vento” “Fraco consolo!”- sorri – “Vou embora na sexta” “Ainda gozará dois dias de calor” e ali ficámos uns minutos à conversa por conta do vento do nosso descontentamento.
A solidão tem destas familiaridades!
CRÓNICA QUARTA
Terça-feira, 26 de Julho
Não sei se choveu de noite se o nevoeiro foi muito denso. Esta manhã estava tudo molhado.
Tardei mais na cama e, depois do pequeno-almoço, passeei pela parte alta da vila. Entrei na igreja. A. diz que gosto de ”papar igrejas”, mas eu gosto é de arte e sobretudo da paz que aí se respira. Este S. Martinho é único. Não conheço outro oficial romano cujo manto seja verde. Como não hei-de gostar dele?
Embrenhei-me pelas ruelas estreitas e, sem saber como, vi-me em frente ao primeiro prédio onde, segundo conta minha mãe, pernoitei pela primeira vez em S. Martinho, tinha então seis meses de idade.
Desci ao cais e encaminhei-me para Salir, o meu passeio de afectos tantas vezes percorridos. Em manhãs como a de hoje a duna e a brisa envolvem-me num cheiro quente que me delicia os sentidos e fui caminhando pelo passadiço, sem pressas, absorvendo a quietude da manhã a que o denso nevoeiro dava um toque de mistério. Depois da curva do passadiço, quando este se torna paralelo ao rio, parecera que alguém cuidadosamente estendera um manto de silêncio para que a vida pudesse repousar.
Havias gaivotas pousadas nas pedras que se viam no meio do rio, algumas pessoas deslocavam-se na margem esquerda, como em câmara lenta, pelo sopé da duna, um cão entrou na água direito às gaivotas, para logo se deter como que arrependido de perturbar tal sossego, o ar mais rarefeito dava ao ambiente um aspecto etéreo e, quando de repente ouvi chamar: “Maria” – pensei que era S. José procurando N. Senhora.
O Paraíso terá de ser assim!
CRÓNICA QUINTA
Quarta-feira, 27 de Julho
A manhã estava ensolarada como a tarde de ontem deixava adivinhar. Só o vento norte não tinha partido como prometera o senhor de Segunda-feira.
A pequena diferença no horário das marés ainda não permitia o gostoso passeio pela areia molhada.
Voltei mais uma vez a Salir pelo passadiço das dunas, desta vez gozando a vista prodigiosa da baía iluminada pela luz forte da manhã.
À volta, por alturas em que a regularidade do passadiço dá lugar às chulipas; penso que na fronteira entre as duas freguesias S. Martinho e Salir, ambas do Porto, uma voz clama: “Miguel trava. Isto é montes a descer. A mãe vai com a mão no travão”.
O Miguel, talvez uns três anos de gente, equipados a preceito, com capacete e tudo, montado numa bicicleta com rodinhas, pára, vira-se para trás e pergunta: “Mãe o que é montes a descer?”
Depois há pessoas (poderia dar exemplos, mas não me acuso) que clamam contra o acordo ortográfico, porque gera dupla grafia!!!!
E se fossem andar de bicicleta para aprenderem uma dupla linguagem?
CRÓNICA SEXTA
Quinta-feira, 28 de Julho
Estava eu no Ocean Place, banqueteando-me, frente ao mar, com um dietético cozido à portuguesa quando os meus olhos tropeçam no LCD colocado na parte de cima do pilar da esquerda.
Um senhor ministro, cabelos brancos muito penteadinhos, fato a preceito, engravatado como manda a etiqueta, falava sem que o ouvisse, mas em rodapé pude ler a brilhante expressão: “As coisas podem não ir bem, mas também não vão mal”.
Eu passara a manhã na praia, a rir-me com a minha amiga Zinda por conta das peripécias dos tempos em que trabalháramos juntas na Escola de Ortigosa, que ela narra com tal mestria que quem a ouve julga ser anedota o que aconteceu de facto, fruto da nossa juventude e boa disposição. Talvez por isso veio-me à memória a amiga, algo desbocada, casada com um senhor oficial aviador (da academia) que desejava que ela se exprimisse com vocabulário mais elaborado.
Pois certa vez, na presença do marido e referindo o gosto duvidoso de um superior hierárquico, que não o nosso querido J.P., homem de gosto requintadíssimo, ela, que se ia exprimir em português vernáculo, conseguiu emendar a tempo: “ Trazia um fato cor de … cor de… cor de caca de galinha”.
Pois Senhor Ministro, parafraseando a minha amiga C.C., deixe que lhe diga: “As coisas podem não ir bem, mas também não vão mal, vão uma grande caca de galinha”.
CRÓNICA SÉTIMA
Sexta-feira, 29 de Julho
Estou de volta a casa.
Tinha à minha espera “O HOMEM DE LÁBIO TORCIDO” que saltou de A MINHA (DELE) TRAVESSA DO FERREIRA. E vinha acompanhado com “queijinhos” do Henriquamigo!
Muito obrigada Henriquamigo, pelo livro e pelos “queijinhos”. Faça mais concursos lá pela Travessa “cagente” gosta de ler. Queijinhos também para si.
Não me banqueteei com cozido à portuguesa... mas fartei-me de trair.
ResponderEliminar:)
Isto é que é um "web log" das férias...
ResponderEliminarParabéns (bi)vovó!... Corra tudo MUITO bem!
Rui, já andei a espreitar as suas geniais traições, mas ainda não tive tempo de ver tudo. Prometo que vou "bisbilhotar" tudinho (lol)
ResponderEliminarObrigada, Carol. Ando um "bocadinho" ansiosa, mas a Rita chegará bem, por certo.
ResponderEliminarQuanto ao meu simulacro de "diário on line"... sabes com é: "Quem não tem que fazer, faz colheres" A água estava tão fria que nem dava para nadar até às Berlengas...
"Quem canta, seu mal espanta!"
ResponderEliminarQuem conta, seu bem encontra!
Olá, Olímpio.
ResponderEliminarO que vale é que o conceito de bem é muito alargado, por isso encontra-se sempre...:)
Lá vem o Relativo e o Absoluto ...
ResponderEliminarMas isso é a nossa "avença", Olímpio! Temos de fazer pela vida. Você até gosta desta "guerrazinha" filosófica que mantém comigo. Confesse.
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