Sábado, faz hoje oito dias, bem
cedo, saltei da cama e comecei a desfiar as rotinas de cada amanhecer. Quando
chegou o momento de escolher a roupa que vestiria, lembrei-me do tema posto em
discussão no Facebook, ao qual não prestara a mínima atenção. Abordava a
possibilidade das mulheres que usam calças serem menos femininas que as que
usam saias. Ri-me. “Bem vamos lá disfarçar a minha masculinidade”, pensei
enquanto tirava do cabide um vestido preto.
Conjuguei aquele vestido de saia
ampla, bem curto com um casaco azul e optei por uns sapatos também pretos
baixos, embora goste de o ver com uns sapatos azuis bem altos, mas tinha muito
que andar e não só de carro. Combinei os restantes acessórios e fiz-me à vida.
Às nove horas e trinta estava na
oficina, para o check up ao carro.
Era o dia Honda, não recordo o slogan,
e o exame ao carro, feito nesse dia, valeria trinta por cento de desconto nos
serviços que posteriormente, fossem necessários. A fila de carros alinhada pela
estrada fora, junto à oficina, já à espera de vez, fez-me concluir pela cabeça
da minha amiga OC: aquilo a que me propunha era “coisa de gajos”, como ela
costuma dizer e ri-me, mas ri-me com vontade: “mas eu vou ficar aqui à espera?
Nem pensar!”. Estacionei e procurei o Sr. P., junto de quem marquei a revisão
dos cinquenta e oito mil quilómetros, que o carro ainda não tem, mas que os
óleos sintéticos, agora utilizados nos motores, obrigam a que se faça de ano a
ano, sem esperar pela quilometragem certa. Garanti o desconto e pus-me a andar
desprezando as gentilezas do café, dos bolinhos, do chá que a senhora
encarregada de obsequiar os clientes, desfeita em sorrisos, pretendia que
aceitasse. Trouxe o jornal que uma linda jovem me ofereceu: o Diário de
Notícias, o meu matutino preferido. Às onze horas tinha outro compromisso.
E cumprida a manhã, tendo em conta
que a tarde também não seria pródiga em disponibilidade, corri a visitar a
minha mãe. Já a encontrei na sala de refeições. Puxei uma cadeira para o seu
lado direito, como sempre faço e acomodei-me para lhe dar o almoço, tarefa
penosa para quem aos noventa e quatro anos movimenta o braço direito com
dificuldade.
O primeiro reparo foi para o
colar. “Esse colar é bom?” A minha mãe detesta que eu use “porcarias”, como usa
classificar certos acessórios, alvos prediletos da sua ironia, como aconteceu
na última visita da neta: ”a tua mãe já te mostrou o anel novo? Pedi-lho
emprestado mas, com medo que eu riscasse o onix, não mo emprestou. Tenta tu,
pode ser que tenhas mais sorte” e referia-se a um anel que eu tinha adquirido
na Feira das Velharias, em S. Martinho do Porto. Eu ajudei à festa: “Não viu
bem. A pedra é cristal de rocha (um pedaço de plástico que o imita) e não onix.
Não lho emprestei porque se o perdesse, devido a essa confusão, não saberia encontrá-lo.”
Expliquei que o colar, não era
muito bom, mas também não era mau de todo e começámos o almoço. A observação
veio entre duas colheres de sopa: “Esse vestido está curto de mais”, “o
dinheiro não deu para comprar mais comprido” – brinquei eu – “mas estou a
pensar em mandar a costureira acrescentá-lo, com um folhinho na ponta”. Em
consequência das considerações seguintes, questionei. “Em que reparou primeiro?
Não foi no colar? É naquilo em que toda a gente repara, na exuberância do
colar, ninguém olha para as minhas pernas. Deixe de se preocupar com isso” e o
assunto morreu.
Às quinze horas novo compromisso.
Cheguei, bem em cima da hora e fiquei à porta, conversando com quem estava a
aguardar o início dos trabalhos. Uma amiga calmamente aproxima-se de mim pega
na volta exuberante do meu colar, que quase acompanhava a altura do vestido, torce-a
e tenta enfiar-ma na cabeça: “Amiga, que a minha mãe não entenda, eu aceito,
mas tu?” Os olhares daquele pequeno grupo convergiram em mim e vi-me obrigada a explicar: “A
exuberância do colar distrai da irreverência do tamanho da saia. Este vestido é
um escárnio aos anos que possuo. O colar dá subtileza à brincadeira, só um
espírito arguto repara na mensagem” e acrescentei, brincando “assim ninguém
repara nas pernas de quem o veste…” e rimo-nos. Alguém aprovou: “gosto da combinação”
“E o poema faz-se contra o tempo
e a carne” Herberto Hélder.
Alguém disse: "gosto da combinação" e eu não pude deixar de rir também.
ResponderEliminarRazão tem a sua mãe... o vestido é mesmo curto.
:)
Deixo-lhe a resposta que proferi então: O vestido não está assim tão curto.:)
EliminarParabéns pela argúcia.