Por S.Martinho do Porto, pisando a areia da praia, enquanto a maré descia...
Quero um beijo, pediu ela.
Um sismo
abalou o peito dele.
E devotou o calor
de lava dos seus lábios,
entontecida água na cascata.
Entusiamado,
ele se preparou para, de novo,
duplicar o corpo e regressar à vertigem do beijo.
Mas ela o fez parar.
Só queria um beijo.
Um único beijo para chorar.
Há anos que não pranteava.
E a sua alma se convertia
em areia do deserto.
Encantada,
ela no dedo recolheu a lágrima.
E se repetiu o gesto
com que Deus criou o Oceano.
Mia Couto
Um sismo
abalou o peito dele.
E devotou o calor
de lava dos seus lábios,
entontecida água na cascata.
Entusiamado,
ele se preparou para, de novo,
duplicar o corpo e regressar à vertigem do beijo.
Mas ela o fez parar.
Só queria um beijo.
Um único beijo para chorar.
Há anos que não pranteava.
E a sua alma se convertia
em areia do deserto.
Encantada,
ela no dedo recolheu a lágrima.
E se repetiu o gesto
com que Deus criou o Oceano.
Mia Couto
Fiquei um pouco entontecido com este poema.
ResponderEliminarEu já sabia que o Mar salgado tem muita água que são lágrimas de Portugal e aí concordo plenamente.
Não posso aceitar piamente que o Oceano tenha sido criado por Deus dessa maneira!
Deus não pode ser tão cruel! ...
António, as lágrimas e o riso fazem parte da dimensão humana. Situam-se ao mesmo nível e tantas vezes, sendo o oposto se tocam. Nunca lhe aconteceu chorar a rir? Chorar de felicidade? Chorar faz bem. Lava a alma das tristezas que a vida acumula. Resolve os lutos mais depressa.
EliminarQuem me dera a mim chorar mais vezes! Mas em muitas situações sinto que herdei de minha mãe um nó que nos estrangula e fica na garganta quase impedindo o ar de passar. E resistimos estoicamente quando deveríamos chorar as desditas que nos acontecem. Assim os lutos tornam-se muito prolongados e muito sofridos. Sós, sofremos sem que ninguém se aperceba e por isso ninguém nos ajuda a construir as pontes de comunicação que sozinhas não somos capazes de estabelecer e que permitiriam desbloquear a emoção. Se tivesse tido oportunidade de presenciar o que foi a dor de minha mãe quando o meu irmão morreu, percebia bem o que lhe digo. Foi uma dor sem lágrimas, uma dor feita de raiva, que quase tocou as raias da loucura.
Creia que chorar não é crueldade. Fazer chorar alguém é que é.