Fechos os olhos e esqueço-me de mim. Plano alheada do mundo, inebriada dos sons que me rodeiam. O silêncio não é absoluto, mas a quietude é um estado de graça.
“Como podes viver nesta casa onde nada se ouve?” – perguntou tanta vez a minha mãe. É precisamente por nada se ouvir que vivo nela. Oiço-me melhor a mim, se estou calada. Oiço melhor o pensamento.
Os sons encantam-me. Oiço-os em conjunto e separo-os na mente para voltar a reconstruir as partituras com que a natureza me brindou. “Será que vou ouvir outra vez?” e fico expectante. Espero que o som se repita... O exercício distrai-me.
Gosto de brincar com os sons, como quem joga ao agarra-e-foge.
“Sonhar é um modo de mentir à vida, uma vingança contra um destino que é sempre tardio e pouco” Mia Couto , Venenos de Deus, Remédios do Diabo, Maio de 2008
Será?
Aproximo-me da noite
ResponderEliminaro silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso
Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio
É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas
Para escutar o silêncio e "voltar a reconstruir as partituras" não basta ter bom ouvido, é preciso saber música. No meu caso, que sou um leigo, fico-me pela primeira nota...
ResponderEliminarEu então sou ao contrário.... se me oiço muito tempo, não me aguento!... E depois, não há psiquiatra que me ature!...
ResponderEliminarOlá, "euchavi". Que saudades!
ResponderEliminarMia Couto é uma ternura em todos os sentidos. Começa por já ter feito mais pela Lusofonia que algum acordo ortográfico algum dia fará, depois... depois ... é aquele mergulho na poesia mesmo quando escreve em prosa.
Rui:
ResponderEliminarO meu caro amigo, não só sabe música, como é um extraordinário compositor. Só que a sua música não é para os meus ouvidos... :)
Beijinho para si e para a Ana.
Olá, "carol". Se fossemos todos iguais era tão monótono...
ResponderEliminarEu atormento-me se acho que não "ouvi" os outros. Daí o que sofri com o caso da Piedade.
A mim aturo-me bem. Ridicularizo-me inventando histórias das minhas debilidades. É assim como quem faz a festa, atira os foguetes e apanha as canas... e acabo por me vencer, umas vezes mais facilmente que outras. Até agora não me dei mal com o sistema. Quanto à minha esperança de vida... Quem me leu com um mínimo de atenção já descobriu onde a deposito.
Agora sou eu que digo: sempre que te apeteça conversa, é só dizeres.
Beijinho.