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terça-feira, 29 de março de 2011

A PRENDA DE NATAL

Era uma vez uma menina que gostava muito de um porquinho cor-de-rosa, meigo e fofinho como só ele sabia ser.

Xubi, assim se chamava o porquinho, habitava algures na floresta de cimento e cumpria os seus dias, pardos uns, mais coloridos outros, numa sequência de bolas enfiadas num cordel.

Menina dera, na Primavera, o coração a Xubi e agora, que se aproximava o Natal queria dar-lhe uma prenda e não sabia o quê. Bem lhe tinham ensinado que prendas só se dão nas alturas certas, mas o coração fora uma prenda que ela dera sem pensar quando, nem saber como ou porquê. Dera e pronto. Não havia nada a fazer, a não ser… procurar outra prenda para oferecer no Natal. Mas lá que era difícil, era…

Menina queria oferecer uma coisa diferente. Uma coisa que inquietasse Xubi, que lhe tirasse o medo de errar quando quisesse fazer diferente, que lhe desse a meio a fúria de chegar ao fim, ou a clarividência de voltar ao princípio para começar de novo.

- Mas onde arranjar uma prenda assim?

- Que coisa terá tais funções? - Perguntou Menina aos botões do bibe.

- Hum, isso são funções de mais para uma coisa só. – Resmungaram os botões que só sabiam estar à janela.

Menina estava atrapalhada.

- O Sol! – Exclamou de repente. - Como é que não me lembrei antes? O Sol é tão bonito! Renova-se em cada manhã sem se importar que o dia acorde rabugento. É sempre quente, amarelo, luminoso.

- Sol, entra nesta caixa, vou embrulhar-te em papel colorido, colar-te dois caracóis de fita e dar-te ao Xubi, neste Natal.

- E quem faria o meu trabalho? Mal me deito aqui, logo me levanto acolá. Sem mim enregelariam as mãos de todos os meninos; os seus olhos perderiam o brilho; os dias seriam noite sem esperança e a Terra uma monótona bola preta. Quando nasço sou para todos. Não podes dar-me ao Xubi.

- Pois é, o Sol tem razão. Vou procurar outra coisa.

-Gotinha de orvalho entra nesta caixa, vou embrulhar-te em papel colorido, colar-te dois caracóis de fita e dar-te ao Xubi, neste Natal.

- E quem faria o meu trabalho? Não tenho um segundo de descanso. Sou o espelho onde o Sol se penteia; a frescura dos pássaros da floresta; a alegria das florinhas do campo; o bordado da teia em que me baloiço; a musa dos poetas que cantam a leda madrugada. Sou de todos Menininha. Não podes dar-me ao Xubi.

- Gotinha de orvalho tens razão. Terei de procurar outra coisa.

- Sementinha entra nesta caixa, vou embrulhar-te em papel colorido, colar-te dois caracóis de fita e dar-te ao Xubi, neste Natal.

- E quem faria o meu trabalho? Vês-me aqui quieta, mas não estou a dormir, ensino as pessoas a esperar; com a ajuda da gotinha de orvalho ensino a vontade firme de olhar o Sol e depois de abrir caminho e olhá-lo nos olhos fabrico o ar que respiras e o perfume que te regala. Sem mim não haveria diferença. Como vês sou de todos. Não podes dar-me ao Xubi.

- Também tu sementinha?

-Também eu Menininha.

- Talvez a Terra me ajude.

- Terra entra nesta caixa, vou embrulhar-te em papel colorido, colar-te dois caracóis de fita e dar-te ao Xubi, neste Natal.

- E quem faria o meu trabalho? Guardo fresquinha a água que bebes; conservo o calor do Sol; embalo a vida que explode em cada Primavera; sou a certeza onde pisam os teus pés.

- Também tu és de todos?

- Sim, também eu e com o Sol, a gota de orvalho e a sementinha somos a esperança, o eterno retorno, o sentido do teu sonho.

- Mas o Xubi? Deixo-o sem prenda neste Natal?

- Fecha os olhos e deseja.

Então Menina fechou os olhos e desejou. Desejou com muita força…

Aconteceu o sonho.

Menina virou borboleta e a partir deste Natal, que ninguém sabe quando aconteceu, até ao fim do tempo, Xubi será o único porquinho cor-de-rosa, meigo e fofinho com uma borboleta na ponta do nariz.

12 comentários:

  1. Pois...pois.
    O sol quando nasce é para todos, mas há sempre alguns que conseguem tapá-lo nem que seja com uma peneira. Como se espera que ele seja já mesmo antecipado do verão ser quente, vamo-nos preparar para ele.
    Quem sabe se não ficaremos sem prenda do "verão" e do "Natal"? Possivelmente nemcom a prenda do orvalho vamos ser bafejados. Talvez só a borrasca.
    Esperemos bem que não.
    Um abraço.

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  2. João, quem vive perto do mar, pode sempre usufruir da calma das manhãs de bruma. Nada de pessimismos. Nenhum português sabe se descende dos que partiram nas caravelas afrontando o desconhecido se dos que ficaram enganando a miséria e a dor. Quer uns quer outros aprenderam a gerir a incerteza. Por isso somos os melhores trabalhadores do mundo. Estamos sempre prontos para tudo. Não vamos desanimar quando o país precisa, mais que nunca, da nossa esperança e da nossa força.
    A melhor prenda somos nós próprios e a certeza de que conseguimos o que queremos.

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  3. É o que eu digo! Tens mesmo jeito para escrever histórias para crianças. Abalança-te e faz um livro! Posso arranjar-te uma ilustradora. A sério!

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  4. Eh pá!!! Já podes ir para ministra da educação. Nada fácil escrever para crianças. das literaturas a mais difícil!!!

    Vou levar a história comigo.

    Muito Muito bom!!!!!

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  5. Uma menina na Terra dos Sonhos, muito inconformada com a sua sorte, tanto se esforçou que ganhou asas e voou. É uma bonita história, esta, diferente da que acontece a muitos meninos e meninas deste país...
    Porque será?

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  6. Carol:
    És uma simpatia, mas quem publicaria esta história?
    Gente com jeito para escrever há "aos montes". Vender o que se escreve é uma coisa diferente.
    Agradeço a tua generosidade, mas acho que é mesmo a amizade a falar.

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  7. M:
    Tu nem as pensas... Se eu fosse para Ministra da Educação davam-me cabo do esqueleto em dois tempos (ou menos). Sou especializada em Supervisão Educativa e se "óspois" me dava para avaliar os "prófes"? Já viste o trabalhão que teria para juntar os ossos?! (lol)

    Fiquei feliz por gostares tanto da história.

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  8. Rui:
    Porque será?


    Será que o sonho comanda a vida?

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  9. "O melhor do mundo são as crianças".
    Feliz da alma que as encanta!

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  10. Olha, há lá um selo de amizade para ti no meu blog.
    E continua a escrever historinhas destas. Faço minhas as palavras do Olímpio Pinto (que não conheço)
    Bj.

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  11. O que eu amo, do fundo do meu coração, ler histórias contadas pelas Avós aos netos.

    Esta está linda e merece um selo de Avó
    que podes copiar aqui...

    http://taobomseravo.blogspot.com/2011/03/vivam-os-netos.html

    Berijosssssss

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  12. Querida Tite:

    Agradeço reconhecida o selo com que distingue a minha prosa, mas não o sei reproduzir aqui no meu blog.

    Fico feliz por ter gostado da minha história.

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