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quinta-feira, 10 de março de 2011

FECHANDO O CICLO DAS VELHARIAS...

Ela alongou-se pelo areal mergulhada na tentação do movimento. Pisava com gosto a areia molhada, num traço firme de quem sabe para onde vai, mas não ia para lado nenhum.

Ia.

Sentia na cara a frescura da brisa e nas pernas o desfazer das ondas. Não pensava em nada, não ligava ao que via. Engolida pela paisagem, gozava a posse da distância e o mistério da névoa.

Ia.

E ir refrescava-lhe o peito e enternecia-lhe a tua lembrança.

De repente, o Sol brilhou naquela concha e ela apanhou-a.

- Olá – murmurou esta, abrindo-se.

- Falas? - Admirou-se ela sentindo em si a carícia de um outro “Olá”.

- Claro! Sou a mensageira do reino das algas e dos peixinhos do fundo. Na baixa-mar venho à praia dar os recados à areia. Converso com as pessoas e, no rolar manso das ondas, volto ao sítio onde pertenço.

- E visitas outros mares? Falas com outras pessoas, ou só vens a esta praia?

- Pois tu não sabes que só há um mar e que todas as ondas são uma só onda?! Eu vou a qualquer sítio, isto é, a qualquer praia.

- E um recado meu, serias capaz de o entregar?

- Só precisas de me emprestar a tua voz e dizer-me a quem e aonde devo levá-la.

Ela sorriu e segredando à concha, enrolou-se na espuma.

Eu, depois, soube que numa manhã de baixa-mar, algures numa praia longínqua, a concha transbordante de beijos sussurrou ao teu ouvido:

- Gosto de ti… gosto de ti… gosto muito de ti.

6 comentários:

  1. Apre! Quando li o título pensei que ias falar de mim..... mas, não. Ainda bem!

    Agora o texto está muito poético. Muito bem!

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  2. Um segredo revelado, a magia da concha na escrita da Isabel. Lindo! Adorei!!!
    Obrigado por o partilhar.

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  3. O talento pode fazer versos,
    mas só o Coração é poeta!

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  4. Amigos:
    A vossa simpatia e gentileza são imensuráveis!
    Bem-hajam!

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  5. Lindo! Lindo! lindo!
    Como é possível ter em prosa tanta poesia?
    Isabel,onde tem andado que tão poucos conhecem a qualidade da sua escrita?
    Que vontade de conhecer melhor S.Martinho
    (é S.Martinho?).
    Mas que desilusão poderá ser ir lá e não a ver a si a falar com a pequena concha ou mesmo com a grande que é a baía.
    Apesar da incerteza logo que possa irei revisitar S.Martinho.

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  6. Meu caro "euchavi":
    Fui professora primária. A minha vida profissional cumpriu-se a ensinar meninas e meninos a ler e escrever e fazer contas (como se dizia antigamente). Noutra fazer ensinei aos jovens que pretendiam tornar-se professores como se ensinavam as meninas e meninos e ainda noutra fase andei por todo o Distrito de Leiria a sugerir outras estratégias de ensino/aprendizagem a quem já era professor. No meio disto tudo ainda estudei (em Lisboa imagine!), para atingir o topo da carreira docente, porque o curso do Magistério Primário era só um curso médio e fiz o trabalho mais importante da minha vida: criei e eduquei duas filhas, de quem muito me orgulho.
    A sua generosidade é enorme e estou-lhe muito grata pelo que diz, mas acho que conhece aquele ditado: "quem sabe faz, quem não sabe ensina". O meu caso, em relação à escrita, situa-se mais aí.
    Este texto é uma carta de amor escrita há muitos anos. Ditou-a um amor perfeito, não um amor feliz(esta conclusão contraria a "tese" do único romance de David Mourão-Ferreira). Classifico-o de perfeito,porque foi um amor incondicional;um amor porque sim; daquele que sai pelos poros; que se sente compensado quando tem a certeza que o outro está feliz; e sobretudo que lastima não ser capaz de inventar uma palavra nova para dizer que ama. Não foi um amor feliz, porque não teve o final das histórias dos contos de fadas.
    Contudo beleza não lhe faltou.
    A praia é, na verdade, S. Martinho do Porto.

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