Ela alongou-se pelo areal mergulhada na tentação do movimento. Pisava com gosto a areia molhada, num traço firme de quem sabe para onde vai, mas não ia para lado nenhum.
Ia.
Sentia na cara a frescura da brisa e nas pernas o desfazer das ondas. Não pensava em nada, não ligava ao que via. Engolida pela paisagem, gozava a posse da distância e o mistério da névoa.
Ia.
E ir refrescava-lhe o peito e enternecia-lhe a tua lembrança.
De repente, o Sol brilhou naquela concha e ela apanhou-a.
- Olá – murmurou esta, abrindo-se.
- Falas? - Admirou-se ela sentindo em si a carícia de um outro “Olá”.
- Claro! Sou a mensageira do reino das algas e dos peixinhos do fundo. Na baixa-mar venho à praia dar os recados à areia. Converso com as pessoas e, no rolar manso das ondas, volto ao sítio onde pertenço.
- E visitas outros mares? Falas com outras pessoas, ou só vens a esta praia?
- Pois tu não sabes que só há um mar e que todas as ondas são uma só onda?! Eu vou a qualquer sítio, isto é, a qualquer praia.
- E um recado meu, serias capaz de o entregar?
- Só precisas de me emprestar a tua voz e dizer-me a quem e aonde devo levá-la.
Ela sorriu e segredando à concha, enrolou-se na espuma.
Eu, depois, soube que numa manhã de baixa-mar, algures numa praia longínqua, a concha transbordante de beijos sussurrou ao teu ouvido:
- Gosto de ti… gosto de ti… gosto muito de ti.
Apre! Quando li o título pensei que ias falar de mim..... mas, não. Ainda bem!
ResponderEliminarAgora o texto está muito poético. Muito bem!
Um segredo revelado, a magia da concha na escrita da Isabel. Lindo! Adorei!!!
ResponderEliminarObrigado por o partilhar.
O talento pode fazer versos,
ResponderEliminarmas só o Coração é poeta!
Amigos:
ResponderEliminarA vossa simpatia e gentileza são imensuráveis!
Bem-hajam!
Lindo! Lindo! lindo!
ResponderEliminarComo é possível ter em prosa tanta poesia?
Isabel,onde tem andado que tão poucos conhecem a qualidade da sua escrita?
Que vontade de conhecer melhor S.Martinho
(é S.Martinho?).
Mas que desilusão poderá ser ir lá e não a ver a si a falar com a pequena concha ou mesmo com a grande que é a baía.
Apesar da incerteza logo que possa irei revisitar S.Martinho.
Meu caro "euchavi":
ResponderEliminarFui professora primária. A minha vida profissional cumpriu-se a ensinar meninas e meninos a ler e escrever e fazer contas (como se dizia antigamente). Noutra fazer ensinei aos jovens que pretendiam tornar-se professores como se ensinavam as meninas e meninos e ainda noutra fase andei por todo o Distrito de Leiria a sugerir outras estratégias de ensino/aprendizagem a quem já era professor. No meio disto tudo ainda estudei (em Lisboa imagine!), para atingir o topo da carreira docente, porque o curso do Magistério Primário era só um curso médio e fiz o trabalho mais importante da minha vida: criei e eduquei duas filhas, de quem muito me orgulho.
A sua generosidade é enorme e estou-lhe muito grata pelo que diz, mas acho que conhece aquele ditado: "quem sabe faz, quem não sabe ensina". O meu caso, em relação à escrita, situa-se mais aí.
Este texto é uma carta de amor escrita há muitos anos. Ditou-a um amor perfeito, não um amor feliz(esta conclusão contraria a "tese" do único romance de David Mourão-Ferreira). Classifico-o de perfeito,porque foi um amor incondicional;um amor porque sim; daquele que sai pelos poros; que se sente compensado quando tem a certeza que o outro está feliz; e sobretudo que lastima não ser capaz de inventar uma palavra nova para dizer que ama. Não foi um amor feliz, porque não teve o final das histórias dos contos de fadas.
Contudo beleza não lhe faltou.
A praia é, na verdade, S. Martinho do Porto.