Era cedo, mesmo muito cedo, mas a
manhã estava radiosa. O Sol brilhava intensamente: “manhã de primavera, no
outono do meu descontentamento” – pensei enquanto pegava no pequeno alguidar de
plástico onde uma toalha de mesa e a cortina da cozinha esperavam a lixívia branqueadora.
Ouvi a previsão do estado do
tempo: “chuva com boas abertas”. Na verdade aquele Sol, não parecia uma “aberta”,
mas admitindo a hipótese de que fosse, achei que o melhor era mesmo apressar-me, para mais uma vez, me alongar pela margem do rio, antes que chovesse.
Na casa de banho, desconsolada e triste com a cortina, procedi à
barrela. A minha cortina preferida da
cozinha, a cortina que colocava para me proteger da crueldade do Estio, desfizera-se na última lavagem. Dois metros de linho, com rendas e bordados.
Tantas horas a tecer sonhos e a picar os dedos. Desfeitas que eram as galinhas
azuis eu ainda insistia em branquear a cortina, numa última lavagem, digna da
peça de eleição que antes fora.
“Porque bordaste as galinhas
azuis? Eu tê-las-ia bordado com várias cores.” Era a observação das amigas, que
não optavam por um silencio reprovador: “se eu tivesse esta cortina nunca lhe
bordaria as galinhas e punha-a na sala” “mas eu também fiz uma cortina para a
sala…” E a conversa morria e eu pensava: e porque é que as galinhas não deveriam
ser azuis? Não será na cozinha, entre tachos e panelas, que damos largas à
imaginação? Eu não tinha (digo tinha porque já não tenho) um cavalo verde?
Então porque é que se admiravam de ter galinhas azuis? Até o André teve uma
ovelha cor-de-rosa e um hipopótamo na banheira… E se o neto entendia, porque é que as amigas não entendiam?
Aquela mensagem de magia não
passava e as galinhas, cansadas de suportar ingloriamente o sol matinal,
desfizeram-se na incompreensão da mágica a que aludiam. Desistiram. Acontece.
Na vida, e não só na das galinhas azuis bordadas em linho branco, também é assim:
às vezes, cansamo-nos dos maus tratos da incompreensão e desistimos.
Pus a roupa na lixívia e arrumei
o quarto. Vestida e arranjadinha, já estava. Era só esperar um pouco para
deixar a roupa a lavar, de novo na máquina, não fosse a lixívia “comer” o resto.
E assim aconteceu…
Desci as escadas pouco passava
das nove horas e trinta e, quando cheguei ao carro, tirei o telemóvel da
carteira e guardei esta no porta bagagens. Antes de o acomodar no bolso,
reparei que tinha uma mensagem. Chegara ontem e nem ouvira “meu Deus, que
descuidada!” e li. Era de um amigo recente e o que dizia comoveu-me, não
poderia mesmo comover-me mais. Há pessoas que embora não nos conhecendo bem,
apostam tanto em nós, que nos fazem sentir vontade de sermos melhor do que
realmente somos, só para não os desiludirmos, só para correspondermos ao que nos
sonham.
Frágil, desci até ao rio teimando
em engolir aquele nó que se me formara na garganta, pronto a saltar-me pelos
olhos: “vejamos quem é mais teimosa: serei eu ou eu?”
E o nó baloiçava para baixo e
para cima e eu alongava-me pela margem de “o rio da minha aldeia” interrogando-me
qual era a magia que faz com que nos gostem e qual a que faz com que não nos gostem.
A mais teimosa, fui eu. Engoli o nó, misturado com a música das folhas que pisei e conclui que a magia é a mesma: diferem as
mãos que nos acolhem. Diferem os olhos que nos veem.
Celebremos a palavra AMIGO!
Há muito tempo que não a visitava, Isabel! Houve uns tempos em que abria o seu blogue e, como estava sem novidades, esquecia-me de cá voltar!
ResponderEliminarHoje, voltei e encontrei-o atualizado mas ainda só saboreei o texto que escreveu hoje! Fiquei deliciada, li-o gostosamente e cá estou a dizer-lhe o que já lhe disse muitas e muitas vezes!!! Gosto imenso de lê-la,Isabel, porque escreve com uma naturalidade, uma fluência, uma veracidade que me encanta!!! Voltarei em breve para me deliciar com as narrativas a que não pude entregar-me hoje!!!... Bjnho
Muito obrigada, Maria Helena. É tão gentil comigo que me comove. Tanta simpatia só pode ser ditada pela amizade. Bem haja por isso, também.
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