Nunca, como hoje, me senti tão
fisicamente parecida com minha mãe. Foi ao enfiar a minha boina basca preta que
reparei. A culpa seria do baton vermelho por que optara.
Normalmente, no dia-a-dia, só
maquilho os olhos, mas hoje apeteceu-me um baton vermelho. A minha mãe nunca
maquilhou os olhos, só pintava os lábios, num vermelho semelhante ao que
escolhera.
O meu pai comentava sempre, com
ironia, aquele baton. Comentava diariamente aquele baton, de que tenho a certeza,
gostava e com o qual também gostaria de se mortificar. Assim como quem tem ciúmes
sem ter, assim como quem sabe que é ridiculamente terno e se ri disso. E a minha
mãe ria e todos ríamos com a cena que não poderia faltar. Não tinha hora para
acontecer, mas nem o dia seria igual se faltasse, comigo e com o meu irmão a
aplaudir.
Enterneci-me com a imagem que o
espelho me devolvia. Não por me olhar, mas por ver o meu pai, a minha mãe, o
meu irmão e sentir aquela saudável loucura feita de ternura de que já usufruíra sem ter
consciência de que, quente e acolhedora, me embalava os dias. De como era amada.
De como éramos felizes sem repararmos nisso.
Há quantos anos deixou a minha mãe de pintar os lábios? Nunca, como hoje havia reparado nisso.
E o meu coração desfez-se em ausência…
E o meu coração desfez-se em ausência…
Tenho um espelho parecido com esse...
ResponderEliminar(tocou-me no ponto fraco)
É a vida a cumprir-se sem a nossa autorização. Dói a ausência dos que partiram, rendemo-nos à alegria dos que há pouco chegaram.
EliminarEstive este fim de semana em Lisboa. Garanto-lhe que nada me alegra mais que a festa que os meus netos fazem mal entro a porta.
Pena não podermos ter todos fisicamente connosco.
Abraço solidário.