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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

AQUELA CONFIDÊNCIA


Eu sentara-me sozinha junto de uma das mesas da receção do Centro Cultural. Tentava decorar as falas do meu papel para a festa de Natal, repetindo sem cessar aquela fala longa em vez de utilizar a associação de ideias tal como J.C., com a sua prática de ator, me sugerira. A senhora apareceu a meu lado sem que reparasse: ”posso sentar-me aqui?” Pois claro que podia, obviamente que podia. “Vou contar-lhe a minha vida. Oxalá não chore”. Fiquei embasbacada. Apeteceu-me responder que não, que não contasse a sua história, uma história com mais de setenta anos, mas, delicadamente, dispus-me a ouvir.

E ela foi contando… Falava de tristezas, de incompreensões, tantas vezes com as lembranças a ameaçar desfazerem-se em pranto e eu umas vezes a ouvir em silêncio, ou aventurando uma análise positiva sobre o que dizia, outras aliviando a carga emocional do revelado com algum comentário divertido, não sobre o que dizia, não fosse magoar a senhora, mas estabelecendo qualquer analogia com cenas diferentes, mesmo da minha vida. “Ah! Mas julga que só acontece consigo?” E contava uma qualquer história – o que há mais na vida das pessoas são histórias semelhantes – que interpretava de forma jocosa para que acabássemos rindo. Ao fim de duas horas (fora para a aula de dança e faltara), aliviada a tristeza ela ria mesmo. “Fez-me bem falar consigo”.

Tive reunião a seguir e não pensei mais no assunto. Os órgãos sociais de uma associação em início de atividade, têm muito com que se preocupar, mas, chegada a casa, no silêncio da noite, recordei a cena sem me furtar à análise. Que fizera eu senão olhar os factos narrados de forma diferente? Que fizera eu senão olhar os factos pela perspetiva da “garrafa meia cheia”?

Repetia a forma verbal “olhar” - e a minha avó Isabel, ali, a materializar-se: “Se o teu olhar for límpido…” Será que foi? Gostaria de ter ajudado a encontrar respostas; não a adiar questões.

4 comentários:

  1. Muitas vezes a ajuda é exatamente por aí.Bela narração.

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    1. Olá, Isis. Gosto de a ver por aqui. Muito obrigada pela sua visita e pelas suas palavras.
      Embora, neste instante, sem grande disponibilidade,espreitei em Casulo de Seda. Descobri, pelas fotos, que temos uma coisa em comum: gostamos de malhar no ginásio. Só que eu já não posso fazê-lo. Abusei e ia-me matando... :)
      Prometo voltar ao seu blogue com tempo para ler o que escreve.
      Volte sempre.
      Um abraço.
      Isabel

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  2. Já decorou as falas do seu papel para a Festa de Natal?
    A propósito de ensaios, esse J.C. que referiu não é o Menino Jesus grande, pois não?
    :)

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    1. Já quase decorei as falas. Digo quase porque o Eça de Queirós merece que eu diga na integra o seu texto e não que "faça" o texto para as ideias dele, independentemente de gostar ou não do que tenho de debitar em palco. Atribulações de "artista"... :)
      Esse J.C. é o ator português, que fez de pai na telenovela "Dancing Days". Viu? Eu não vi, não por desconforto intelectual, mas porque raramente vejo televisão para além das notícias da 20 h. Curiosidade satisfeita? :)

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