Pelo primeiro destes critérios,
aplicando-o ao conjunto da vida, tê-la-emos por imperfeita por nos parecer que
falece naquilo mesmo por que se define, naquilo mesmo que parece que deveria
ser. Assim, todo o corpo é imperfeito porque não é um corpo perfeito; toda a
vida é imperfeita porque, durando, não dura sempre; todo o prazer imperfeito
porque o envelhece o cansaço; toda a compreensão imperfeita porque, quanto mais
se expande, em maiores fronteiras confina com o incompreensível que a cerca.
Quem sente desta maneira a imperfeição da vida, quem assim a compara com ela
própria, tendo-a por infiel à sua própria natureza, força é que sinta como
ideal um conceito de perfeição que se apoie na mesma vida. Este ideal de
perfeição é o ideal helénico, ou o que pode assim designar-se, por terem sido
os gregos antigos quem mais distintivamente o teve, quem, em verdade, o formou,
de quem, por certo, ele foi herdado pelas civilizações posteriores.
Fernando Pessoa, in Textos de Crítica e de Intervenção
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