Eu tinha uma amiga… Digo tinha,
porque já morreu, não porque deixássemos de ser amigas… Chamava-se Amélia Pais.
Em Janeiro de dois mil e onze, a propósito da publicação do conteúdo
de um email que me enviara, escrevi neste blog:
“A Amélia é uma Mulher que não
precisa de apresentações. Quem não conhece aquela beirã pequenina e
contestatária, visceralmente professora e com uma vasta obra dada ao prelo?
Pois a Amélia, após a
aposentação, sem exército, mas cheia de força, continua corajosamente a
esgrimir as armas defendendo a cultura em quatro frentes. Assim, como quem
aplica às letras a técnica militar de Aljubarrota, ela envia a uma lista enorme
de pessoas e para constar dessa lista basta mandar-lhe o endereço, as suas
pesquisas: “A companhia do poeta”; “A prosa da semana”; ”efeméride” e ainda
denuncia os textos e pps que surgem nas nossas caixas de correio como sendo de
Pessoa e que, sendo de alguma pessoa, nada têm a ver com o nosso Fernando.”
Religiosamente, chegavam-me por
dia, dois email da Amélia: um poema que escolhera e a notícia de quem morrera
ou faria anos, com algum testemunho da sua obra; todas as semanas aparecia um
pedaço de prosa e, sempre que a propósito, a defesa do património literário de
Fernando Pessoa. Ela foi mesmo a única pessoana que conheci. Quantas vezes, sem recorrer ao Google interpelei a Amélia?! “Amélia, em que poema de Pessoa
se situa este verso … ? Em que livro?” E mesmo que eu tivesse errado a citação, a Amélia
respondia sempre. Nunca me deixou na dúvida.
E eu e possivelmente todos os
outros, achávamo-nos com direito aqueles mimos da Amélia em forma de poemas de
autor. Esta afirmação, por muito temerária que pareça, deve-se ao facto de,
tantas vezes aparecer um email da Amélia “ Não tenho feedback de ninguém. Se
quiserem continuar a receber os meus email, digam ou apago-vos da lista”. Eu
apressava-me a responder que não, que não me apagagasses, que gostava muito do que
me mandava…
Confesso, para quem me lê, que
acho que fui de uma cretinice sem desculpa. Envergonho-me de nunca ter ouvido o grito da Amélia. A professora atuava num palco para um “público”
que não sentia que estava lá. Gostaria de poder voltar atrás, para aplaudir,
para trocar diariamente aqueles poemas por uma simples palavra: obrigada. Teria
sido tão fácil tornar a Amélia feliz, teria sido tão fácil fazê-la sentir o
pulsar do meu interesse por aquele trabalho que tanto saciava a minha
sensibilidade… Não o fiz e fiquei, em troca, com um sentimento de menoridade afetiva
e mental que me amargura e atrasa o luto.
Pois há quatro ou cinco dias
comecei, de novo a receber poemas. Não enviados pela Amélia, mas talvez por sua
inspiração. Orlando Cardoso, de quem sou amiga desde menina, sim, nós também
já fomos crianças, retomou, timidamente aquele trabalho iniciado pela Amélia. E
a Amélia, onde está sorri…
Colhe a rosa
esquecida
no caminho
beija-a
depois
Suave
a luz te é
reservada.
Amélia Pais
Ah, Orlando! Contigo não vou
cometer o erro que cometi com a Amélia. A ti vou agradecer um a um, cada poema.
Mando-te um beijo, reparte-o com a F., não vá zangar-se comigo porque o mando,
nem contigo porque o recebes.
Que dizer dos amigos? Nada, que
não se diga nada! Afaguemo-los, simplesmente.
gostei muito de ler<3<3
ResponderEliminarOlá, Eunice.
EliminarBem vinda ao meu "sítio". Gosto muito de a ver por aqui. Muito obrigada pelo seu comentário.
Volte sempre.
Beijinho
Lindo texto, bela meditação sobre esta coisa de não darmos por vezes o devido valor aos amigos, não "nos afagarmos"...
ResponderEliminarObrigada, Odília.
EliminarOs mimos são tão necessários à alma, como o alimento ao corpo.
Beijinho