Normalmente são as manicures dos
cabeleireiros que arranjam as unhas às senhoras, enquanto estas permitem que se
lhes cuide dos cabelos. Comigo não é assim. Quando arranjo as unhas vou a uma
clínica de estética onde usufruo de quinze por cento de desconto sobre os preços
de mercado, porque, mesmo sem ter herdado qualquer costela do Tio Patinhas, não
desperdiço a oportunidade de ficar com um euro no bolso, por mais algum tempo.
É a A. que me cuida das unhas.
Ontem aconteceu…
A A. é uma jovem simpática, com
cachos de caracóis alourados a descerem pelos ombros e sorriso angelical. Tem vinte e oito anos, é casada e mãe de uma menina de seis.
A A. pensa. E a forma como pensa
aliada à serenidade que transmite, tornam aquele lapso de tempo em que
convivemos, por força das circunstâncias, repousante.
Pois, ontem, a A. estava triste.
Trocara o sorriso por um ar marcadamente angustiado e eu, que sei o que é a
tristeza e como é difícil carregá-la, senti-me tentada a alegrar aquele rosto,
onde a adivinhava.
“Conte-me da sua filhota. Gosta
da escola?” Perguntei eu entre unhas e dois goles do chá que me servira. A
menina frequenta o primeiro ano de escolaridade o que por desabafos anteriores
e pedidos de aconselhamento sabia ser fonte de inquietação. Até já brincara com
o assunto “mentalize-se de que ela agora começa a crescer sem a sua
autorização. Nunca mais a agarra. Os passos com que a acompanhar à escola no
primeiro dia, serão os primeiros que cumprirá com o estatuto de “cota”. Daí
para a frente, não há retorno…” “ Não estou preparada para que cresça” –
respondeu-me. Eu sorri… “que mãe está?”
Tudo ia bem com a filha. Tudo
corria bem na vida, exceto as relações no local de trabalho. A colega que detinha
a autoridade e reiniciava ontem a atividade após o período de férias, estava
azeda. Os sinais eram notórios. Até eu percebera...
“Então, A.? Tente ser boazinha…” “Eu
só fui boazinha duas vezes na vida” – brinquei falando de coisas sérias, em que
penso algumas vezes, sobretudo quando estou cheia de vontade de ser mazinha… –
e tenho sido tão compensada que gostaria de voltar atrás para ser boazinha mais
vezes” Ela riu-se e eu senti que era um convite à narrativa… Contei: Estava a
dar aulas. Uma das auxiliares da escola bateu à porta da sala e entrou. Estava
no átrio uma mulher que pretendia vender facas, já nem sei quantas eram, por
duzentos escudos. “ A senhora se for ali aos Trezentos se calhar compra-as por cento e cinquenta, mas aquilo
parece-me uma miséria tão grande… a senhora bem podia ajudar”. Dei-lhe o dinheiro
“e suma-se” sugeri…
Até hoje, em minha casa, são as facas de cozinha que melhor
cortam e as que melhor se adaptam ao tamanho da minha mão. De outra vez –
continuei, animada pelo interesse que o desanuviar do seu rosto traduzia - foi
a contratação da Carma, a minha empregada. Aconteceu quase do mesmo modo.
Porque mudara de casa, ficara sem empregada doméstica e ainda não tinha
contratado ninguém por apego à anterior. A mesma auxiliar da minha escola perguntou
um dia “A senhora não está farta de limpar a casa de banho?” Eu andava tão
entretida que ainda nem tinha sentido isso, mas ela insistiu e indicou-me uma
mulher que precisava muito de trabalhar “é boa pessoa” garantiu-me. Eu contratei
a minha Carma, uma pérola de gente cujo único defeito é mandar em mim, mas eu
deixo … e o “casamento” dura há dezanove anos.
Ela já ria graças à cor que
imprimi à narrativa destes episódios verídicos da minha vida, a que poupo quem
me possa ler e ia acrescentando alguns comentários. Aventurei-me: “Vá lá A. faça
cócegas à vida.” “Ora, acho que já cocei tudo onde tinha que coçar.” Ri com vontade,
não da A., mas do ar infantil de birra com que proferiu o comentário “menina,
ainda tem muita geografia por cumprir, muita fazenda por puir, muitas L.s para
aturar. O melhor é coçar diferente onde já coçou antes.”
O riso é contagiante. A A. gargalhou
com vontade, pelo sentido dúbio do que fora dito e até eu, que em cada lado da
noite não vislumbro a manhã das palavras que me apetecem, saí mais confortada.
POR FAVOR, FAÇAM CÓCEGAS À VIDA.
"Lá está você a rir-se", dizia-me uma diretora no banco, ciente de que a mim nunca me iria dar a volta... - prefere que anda aqui a chorar?
ResponderEliminar:)
O riso é uma arma tramada.
P.S. As minhas unhas ainda não sabem o que são esses mimos, mas deviam gostar. O quintal é que morria... de inveja.
O riso é a forma como enfrento o que não vida não é resolúvel ou que por incapacidade não consigo resolver. É uma forma de tornar mais leve e digerível o inevitável. Às vezes, até rio com vontade de chorar. Acho que herdei esta característica tanto de minha mãe, como de meu pai.
EliminarFolgo em saber que há mais na equipa. :))
Quanto ao quintal ser desculpa para as unhas e vice versa, não "pega". Se quer experimentar "esses mimos", como diz, força. Já ouviu falar em luvas de trabalho? Como vê, tudo na vida tem solução, excepto a morte.
Só queria que fizesse uma pequena correcção:
ResponderEliminar"Normalmente são as manicures dos cabeleireiros que arranjam as unhas às senhoras"
Não será bem assim. As manicures dos cabeleireiros arranjam as unhas (algumas algo mais) aos homens.
NAs cabeleireirAs, arranjam ás senhoras, (pensoq ue homem não entra..., rsrsrs)
É tudo.
Há 40 anos, comprei um corte de tecido para calças num cigano que apareceu de sopetão numa loja onde dava uma ajuda a um familiar.
Mandei fazer um par de calças, (nunca soube o porquê de "par de calças") e quando eram lavadas, ainda meio molhadas, pegava-se pela parte inferior das pernas e ficavam erectas... até secarem...
Mas as facas... os chineses inventaram o aço flexível, que não quebra quando dobra, como a banha da cobra, que são baratas e acessíveis, mas só cortam nas "casacas".
Sabemos que não enganam ninguém... nada presta, mas é tudo muito barato.
Caro José,
EliminarO amigo não andará a ver filmes esquisitos? Não estará a confundir o real com o imaginário? Cá pela cidade de Leiria, nada que se compare à cosmopolita cidade do Porto, nos salões de cabeleireiro há mulheres e homens dedicados à arte referida e há freguesia feminina e masculina sentada lado a lado, na tentativa de melhorar o aspeto.
Confesso que não acho graça nenhuma ao facto de partilhar aquele espaço com cavalheiros, mas lá que acontece é inegável. Pintam o cabelo, cortam e fazem brushing tal como as senhoras e ainda se depilam e fazem as unhas de pés e mãos nas mesmas esteticistas. Ah! Não pense que é gente nova que faz isto, são cavalheiros respeitáveis, bem mais velhos que eu e muitos até vão no horário das esposas. Tenho dosi textos publicados aqui brincando com a questão, mas não sei em que mês. Modernize-se José. O seu tempo não é o que já passou, é este, porque ainda está vivo e a mexer.
Garanto-lhe que as minhas facas são mesmo boas. Já se perderam algumas e já têm muitos anos, mas ainda são as melhores da minha cozinha.