Estava a bela infanta
No seu jardim assentada,
Com o pente de oiro fino
Seus cabelos penteava
Deitou os olhos ao mar
…………………………………………
No seu jardim assentada,
Com o pente de oiro fino
Seus cabelos penteava
Deitou os olhos ao mar
…………………………………………
E eu via-a, eu era a Bela
Infanta, assentada naquele jardim que eu sonhava ensolarado e cheio de flores, de
muros brancos debruçados na falésia, onde chegava a música do longe e os
violinos choravam no eco da distância, não penteando os cabelos, mas “deitando
os olhos ao mar”. E o meu mar era S. Martinho, porque nunca me tinham deixado diluir
noutro…
Tinha talvez oito anos. Decorei o
poema. “Mãe, vou dizer para ver se sei de cor”…
“sabes de cor, mas dizes mal. Não deves acentuar a rima.” Trepei para o
banco da cozinha: “tu cais daí”, mas não caí. E fui repetindo o poema até
dizê-lo bem. Aquele banco foi o meu primeiro palco e a minha mãe o primeiro
público.
Quantos poemas mais? Muitos, só
os que ao meu pequeno coração apeteciam…
Passavam aves aos
pares
E a água em ondas
seguia
E o homem triste
sofria
Preso aos mesmos
lugares
Eis que passa, um
tronco
sobre a corrente –
como és feliz!
Onde vais?
Eis os instantes primeiros
Onde vais?
Eis os instantes primeiros
que fizeram marinheiros
os nossos primeiros
pais.
………………………………………..
Não lembro o autor e cito de cor,
sujeitando a poesia aos meus lapsos de memória. Sempre, desde então, a fluição,
a sensação de movimento que o mar imprime, sem fugir dali.
Nunca me submeti a mais ensaios,
que os da solidão do meu quarto, que aconteciam pelo amor à sonoridade das
palavras e aos sentimentos que elas me despertavam. Se precisavam que recitasse,
bastava pedirem-me na hora. Havia sempre um poema que se soltava ao vento. Como
palco, o estrado da sala de aula e o banco da cozinha, como público os colegas,
a professora, a família.
Em mil novecentos e sessenta e
dois, com doze anos, fiz a comunhão solene. Houve festa depois do almoço,
servido no Salão Paroquial de Marrazes e pediram-me que recitasse. O meu irmão
estava em Moçambique e eu sofrida de ausência...
No plaino abandonado
Que a morna brisa
aquece
De balas trespassado
Duas de lado a lado
………………………………………
E não houve quem se negasse a
chorar comigo… “Esta menina entra dentro de nós” ouviu-se alguém.
Cresci declamando os poemas das
coletâneas de leitura.
Em mil novecentos e sessenta e
oito, já no primeiro ano do Magistério Primário, aconteceu a visita do
professor José Hermano Saraiva, Ministro da Educação e eu temerária e
irreverente, aproveitando as ocultas tendências do professor de Psicologia, que
facilmente adivinhara, declamei no Convento de Alcobaça, o poema de Manuel
Alegre: “O que é preciso é poesia dia a dia…” Depois de vinte e cinco de Abril,
de setenta e quatro, muitos me perguntaram “tens ficha na PIDE?” “sei lá” e
nunca quis saber. Chegara-me aprender que a palavra era uma arma.
Pretendiam fazer-me professora e
um dia, testando-me, disseram: “esta semana, vais ensinar a orientação pelo
Sol”- “Como sair desta? Como ? Como?” – desesperava-se o meu íntimo e eu impassível, calada e atenta anotava o
tema no caderno, não fosse esquecer-me de alguma coisa… como se a ansiedade deixasse…
mas dando tempo ao medo para se
recompor…
“Trago uma coisa para vos
mostrar” “sabes o que é isto?” Aquele menino sabia. Todos os meninos sabiam. Era
uma carta, que me contava a história de alguém (quem ? queriam saber) que se
perdera e graças ao Sol voltara a encontrar-se. Como? Vamos aprender como o meu
amigo fez…
“Que boa motivação!” disse o
professor Mil-Homens, no fim. “Quase me apetece perguntar-te se a história
aconteceu mesmo…” Não, não tinha acontecido. E foi assim que descobri que os
professores eram artistas, num palco em que eu já representara muitas vezes: o
estrado da sala de aula.
Profissionalmente fui uma
professora primária que representou para alunos do primeiro ciclo, do segundo,
do ensino médio, do superior e para os colegas, monitorando vastas horas de
formação contínua.
Nas horas de lazer, colaborava
com o grupo de teatro Trolaró, um punhado de colegas que pela mão de Mimi
Fernandes fazia espetáculos onde lhe pediam. Pelo país, pisei diversos palcos, apresentando
espetáculos, fazendo teatro, declamando e improvisando na apresentação dos
loucos modelos de chapéus, que nunca eram iguais e que eu, já no palco, via no
momento em que apareciam ao público. Falava sempre de Leiria e terminava
declamando “O pinhal do Rei” “aonde, ecoando a cantar/ se alonga e se prolonga
a longa voz do mar”
Aposentei-me e fui para a
Academia de Cooperação e Cultura fazer teatro com a professora Isabel Aragão.
Com ela continuo, agora na Associação Cultural “Sempraudaz”. Fazemos dois a
três espetáculos diferentes por ano. Coisas simples, de acordo com as
possibilidades de um grupo, em que ninguém é jovem.
Esta fui e esta sou eu, “a
fingidora”. Há quem me chame Belita, mas o meu nome é Isabel. Sempre tive o
privilégio de fingir nos sítios próprios, sítios onde representar é arte, ou
pretende ser arte. Não torpedeio a vida, não me engano a mim, não engano os
outros, porque fora destes espaços sou eu, de corpo inteiro, falando a minha
verdade, calando-me quando não quero que me saibam ou questionando porque quero
aprender.
A vida não é um teatro, não
acontece num palco, não vive dos truques das luzes da ribalta, com ponto a
soprar as deixas. Independentemente do papel social de cada um de nós, a vida é
um milagre que acontece em cada amanhecer, refulgindo como a luz do Sol. Como
bem imediato, concedeu-me o dia de HOJE.
Caldas da Rainha - Chegada ao anfiteatro do pólo da Escola Superior de Educação (1991), com a minha professora primária, Sra. D. Maria Rosa L. Pires; Misericórdia(2005) e Teatro José Lúcio da Silva(1998) - apresentando espetáculos.
Diálogo entre Elisa e Cleanto, filhos de Harpagão - O Avarento - Molière (2005)
Teatro Miguel Franco
Teatro Miguel Franco
Januário- Médico à Força - Molière (2010)
Teatro Miguel Franco
E para além destas, vesti muitas outras personagens de Molière, Gil Vicente, José Régio e de mais autores. Já fui médico alcoolizado, escudeiro, Cara-de-pau, rainha, estrela (falhada) de teatro, Galileu, contabilista , Rei Mago e sei lá que mais...
Que autor gostei mais de representar? José Régio.
Onde me diverti mais? No teatro Trolaró, que vivia do improviso e cada uma era o que calhasse, na altura de representar. Uma vez, no teatro Luísa Todi, em Setúbal, a Mimi, que fazia de D. Dinis, na adaptação da Lenda de Segodim, esqueceu as barbas. Quando passou por mim em cena lembrei-a: "as barbas" ela saiu de cena- D. Dinis perdido de amores demorava a chegar- mas, rapidamente, a Mimi volta a entrar pela esquerda cénica e diz: "demorei-me tanto que me cresceram as barbas" - não houve quem não risse à gargalhada.
Um espelho não guarda as coisas refletidas! O destino é seguir...Mário Quintana
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive
Ricardo Reis
Bravo! Apetece gritar bis!!!
ResponderEliminarNão grite bis, Rui. Ou terei de ensaiar mais umas momices para fazer um "encore". :))
EliminarMuito obrigada pelo "bravo" :))
A Isabel lá correu o pano e nos mostrou este seu belo curriculum de "fingidora".
ResponderEliminarIsso é que tem sido uma vida de artista, sempre em ação!
Quando e onde é que a podemos ver em cena, proximamente?
António,
EliminarEspero que as minhas palavras não o tenham feito criar expectativas muito acima das minhas reais capacidades artísticas, que são poucas. Uma coisa é gostar de representar, outra muito diferente é saber fazê-lo... Costumo brincar dizendo que não faço teatro "armo barraca".
Este grupo de teatro também vive do esforço de todas e das habilidades de cada uma. Em Junho, para além de "lavrador", no Auto da Barca (Isabel Aragão gosta muito de Gil Vicente...), ainda fui maquilhadora e ponto até à minha entrada em cena. Há quem cuide do vestuário (menos do meu, que sou eu que providencio), dos cenários, do apoio informático, etc... Tudo mão de obra caseira...
Normalmente o espetáculo do Natal, tal como o do Magusto e o da Páscoa, são de consumo interno, ou seja, abrilhantamos os nossos convívios, tendo como convidados as autoridades do burgo.
No encerramento das atividades, em Junho, o espetáculo é, por norma, no Teatro Miguel Franco. A entrada é livre e normalmente é noticiado na Leiriagenda. A última notícia até trazia uma foto minha fazendo de Galileu Galilei (e não é que nem a guardei?!). Acontece mais ou menos a meio do mês.
Por vezes também fazemos jograis "por encomenda":)) para algum evento em que somos solicitadas.
Conto consigo e com a esposa, no próximo Junho.
Com estas ideias e ideais, nunca chegará a ministra, de qualquer governo, neste país... (rsrsrs)
ResponderEliminarOlá, José.
EliminarAcredite que nunca tive tais aspirações e estou em condições de garantir que nunca terei. :))