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domingo, 23 de setembro de 2012

QUE DIZER DOS AMIGOS?


Eu tinha uma amiga… Digo tinha, porque já morreu, não porque deixássemos de ser amigas… Chamava-se Amélia Pais.

Em Janeiro de dois mil e onze, a propósito da publicação do conteúdo de um email que me enviara, escrevi neste blog:

“A Amélia é uma Mulher que não precisa de apresentações. Quem não conhece aquela beirã pequenina e contestatária, visceralmente professora e com uma vasta obra dada ao prelo?
Pois a Amélia, após a aposentação, sem exército, mas cheia de força, continua corajosamente a esgrimir as armas defendendo a cultura em quatro frentes. Assim, como quem aplica às letras a técnica militar de Aljubarrota, ela envia a uma lista enorme de pessoas e para constar dessa lista basta mandar-lhe o endereço, as suas pesquisas: “A companhia do poeta”; “A prosa da semana”; ”efeméride” e ainda denuncia os textos e pps que surgem nas nossas caixas de correio como sendo de Pessoa e que, sendo de alguma pessoa, nada têm a ver com o nosso Fernando.”

Religiosamente, chegavam-me por dia, dois email da Amélia: um poema que escolhera e a notícia de quem morrera ou faria anos, com algum testemunho da sua obra; todas as semanas aparecia um pedaço de prosa e, sempre que a propósito, a defesa do património literário de Fernando Pessoa. Ela foi mesmo a única pessoana que conheci. Quantas vezes, sem recorrer ao Google interpelei a Amélia?! “Amélia, em que poema de Pessoa se situa este verso … ? Em que livro?” E mesmo que eu tivesse errado a citação, a Amélia respondia sempre. Nunca me deixou na dúvida.

E eu e possivelmente todos os outros, achávamo-nos com direito aqueles mimos da Amélia em forma de poemas de autor. Esta afirmação, por muito temerária que pareça, deve-se ao facto de, tantas vezes aparecer um email da Amélia “ Não tenho feedback de ninguém. Se quiserem continuar a receber os meus email, digam ou apago-vos da lista”. Eu apressava-me a responder que não, que não me apagagasses, que gostava muito do que me mandava…

Confesso, para quem me lê, que acho que fui de uma cretinice sem desculpa. Envergonho-me de nunca ter  ouvido o grito da Amélia. A professora atuava num palco para um “público” que não sentia que estava lá. Gostaria de poder voltar atrás, para aplaudir, para trocar diariamente aqueles poemas por uma simples palavra: obrigada. Teria sido tão fácil tornar a Amélia feliz, teria sido tão fácil fazê-la sentir o pulsar do meu interesse por aquele trabalho que tanto saciava a minha sensibilidade… Não o fiz e fiquei, em troca, com um sentimento de menoridade afetiva e mental que me amargura e atrasa o luto.

Pois há quatro ou cinco dias comecei, de novo a receber poemas. Não enviados pela Amélia, mas talvez por sua inspiração. Orlando Cardoso, de quem sou amiga desde menina, sim, nós também já fomos crianças, retomou, timidamente aquele trabalho iniciado pela Amélia. E a Amélia, onde está sorri…

Colhe a rosa
esquecida
no caminho

beija-a
depois

Suave
a luz te é
reservada.
                Amélia Pais


Ah, Orlando! Contigo não vou cometer o erro que cometi com a Amélia. A ti vou agradecer um a um, cada poema. Mando-te um beijo, reparte-o com a F., não vá zangar-se comigo porque o mando, nem contigo porque o recebes.

Que dizer dos amigos? Nada, que não se diga nada! Afaguemo-los, simplesmente.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Olá, Eunice.
      Bem vinda ao meu "sítio". Gosto muito de a ver por aqui. Muito obrigada pelo seu comentário.
      Volte sempre.
      Beijinho

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  2. Lindo texto, bela meditação sobre esta coisa de não darmos por vezes o devido valor aos amigos, não "nos afagarmos"...

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    Respostas
    1. Obrigada, Odília.
      Os mimos são tão necessários à alma, como o alimento ao corpo.
      Beijinho

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