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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O BURRO

Quando era adolescente, o meu pai dizia muitas vezes ”és mais teimosa que o meu burro! Sem ofensa para o animal, tendo em conta que nem tenho nenhum”. E eu, ouvia aquilo e remoía com os meus botões a resposta que o respeito e, confesso em abono da verdade, o medo do peso que aquela mão branca de unhas muito rosadas poderia exercer sobre as minhas bochechas faziam calar “um burro nunca teima sozinho”.

Esta circunstância fez-me criar uma simpatia especial por estes animais ao ponto de, anos mais tarde, já professora primária, se algum aluno dizia “professora, fulano chamou-me burro” responder invariavelmente “não ligues, se há aqui alguém burro sou eu, que entrei na escola com seis anos e ainda não consegui sair”. Riamo-nos todos e eu, lembrando o meu pai, explicava que os burros eram burros por serem teimosos e não por serem pouco inteligentes.



Entrámos na Herdade e percorremos de carro o longo caminho até à moradia. Eu achava que almoçar ali seria abusar da hospitalidade, mas para cúmulo tinha esquecido um saco de pertences com que enfeitara passas e bacalhau na noite anterior e quando não nos deslocamos pelos nossos próprios meios temos de nos submeter à vontade de quem nos transporta. Desenvolvi um truque para não me impacientar nestas situações: como sou crente digo-me ”estás onde Deus quer” e só não arrisco a Saudação do Sol porque, para além de não saber as doze posturas do yoga, não seria capaz de as coordenar com a respiração.

Quando cheguei, saí do carro e dirigi-me à porta principal. Ele estava em frente, pisando mansamente a erva que a chuva vicejara. Olhei-o sem o ver e não terá gostado.

- Ham ohm, ham ohm – disse-me ele, e continuou por aí fora, proferindo num dos mais simpáticos sorrisos asininos que alguma vez vi, a mensagem de Feliz Ano Novo mais original que alguma vez poderão dirigir-me.

- Bom Ano, para ti também, amigo. Apressei-me a responder.

E só nesse momento percebi que o burro figura no presépio, não por ter o bafo quente, mas porque a simpatia conforta o coração e dilata a alma.

2 comentários:

  1. Quando eu era miúdo havia na Gândara dos Olivais uma mulher que andava sempre descalça e que tinha uma carroça puxada por um burro, A alcunha dela era a Rainha e eu, nesse tempo, era um pequeno príncipe encantado… Apanhar maçãs verdes e ervas frescas para o animal e pegar-lhe nas rédeas fazia sentir-me o Zorro (ainda não conhecia o António Banderas) e ele, para agradar aos meus desejos, era o Silver. Nessa aventura a Catarina Zeta Jones não entrava e o bom da fita era sempre o mesmo, o burro.

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  2. E que interessantes não serão essas histórias? Porque é que o Zorro não se dispõe a contá-las?

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