Acordei esta manhã numa aflição de alma. Apeteciam-me cheiros e tactos quentes que não me chegavam aos sentidos.
Ainda peguei na “Sábado” para ler na cama. Um prazer que já não me permito há imenso tempo e o atraso da leitura semanal justificava-o, mas a articulação sacro ilíaca esquerda não esteve para contemplações e ordenou que me levantasse.
Tomei o pequeno-almoço e cuidei-me com os ritos habituais, arranjei-me o melhor que pude. Só os sapatos destoavam, optei por uns ortopédicos, confortáveis para longas caminhadas, mas feios, tão feios que até a minha mãe aos noventa e dois anos recusa calçar coisa igual, pois não é velha nem aleijada. E, vestida em tons de castanho, com laivos de um dourado outonal saí disposta a sentir os cheiros de Leiria.
Parei o carro junto ao Estádio e caminhei ao longo do rio, na margem dos afectos que me apeteciam.
Torga angustiava-me cada vez mais “de nenhum fruto queiras só metade” e eu adulterando Ana Goês rezava baixinho “Convida-me só para almoçar e não queiras depois fazer amor. Convida-me só para almoçar num restaurante sossegado/ numa mesa de canto/ e fala devagar/ e fala devagar…”
E fui andando, os passos tantas vezes caminhados na margem do sonho tão longe e tão perto do que quero.
As cores da cidade refulgiam ao sol da manhã, o som dos carros misturava-se com alguns chilreios, a água do rio corria mais apressada do que habitualmente, havia mais gente do que supunha encontrar, um ou outro amigo, votos de Bom Ano e eu continuava, andando, andando, procurando a tranquilidade que só poderia encontrar no tacto e nos cheiros que guardo na memória.
Leiria nem dera pela alteração do calendário.
Ainda bem que não cedeu à tentação de ficar na caminha a ler. Fez exercício físico, o que é bom, e ainda nos brindou com esta bela prosa poética.
ResponderEliminarO início de cada ano traz-nos certas angústias... Foi bom teres ido passear "na margem dos afectos que [te] apeteciam"... Espaireceste!
ResponderEliminarBom Ano!